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Crônicas e Artigos

Ano 7 - N° 326 - 25 de Agosto de 2013

MILTON SIMON PIRES 
cardiopires@gmail.com

Porto Alegre, RS (Brasil)

 
 


Queimar dentista ou chutar cachorro? 


A resposta para a pergunta do texto é clara: nenhum dos dois, “né, Bial”? Mas, como provocação inicial, ajuda a despertar o interesse das pessoas.

Cinthya Magaly Moutinho de Souza, 47 anos, dentista, foi queimada viva em seu consultório, em São Bernardo do Campo, na região do ABC Paulista, no dia 25 de abril deste ano. Dias depois começou a circular nesta grande lata de lixo virtual, chamada Facebook, o vídeo de uma doente mental espancando um filhote de poodle aqui em Porto Alegre.

Respondam com toda sinceridade: qual das duas notícias causou maior “repercussão” (seja lá o que isso queira dizer) na mídia nacional? Por favor, não argumentem que a primeira foi o relato de algo que já havia acontecido, e que a segunda foi uma barbaridade gravada e transmitida quase “em tempo real”.

Há tempos venho afirmando, ainda que para desgosto de vários jornalistas sérios que existem no país, que QUASE TODA a imprensa brasileira está pautada por uma “agenda politicamente correta”. Eu não seria tolo a ponto de afirmar que “Facebook” é jornalismo verdadeiro. Para ser sincero, não sei nem como definir essa coisa. Para mim, não passa de Big Brother Brasil levado à internet. Mas tudo bem. Essa porcaria de rede social não é o assunto do texto. Por outro lado, seria muita ingenuidade pensar que a repercussão que aquela maldade com o cachorro teve não influenciou (e muito) os grandes jornais. Insisto, e não vou mudar de ideia. Todos os crimes assim são definidos, porque estão previstos em lei, mas (e aí o objetivo do artigo) vivemos numa época em que alguns deles são mais abomináveis do que outros. Afirmo haver sido criada uma agenda politicamente correta para nos sentirmos chocados. Uma criança brasileira pobre, morrendo num hospital imundo do Rio de Janeiro, só para dar um exemplo, não é tão “chocante” quanto um ciclista, seja lá de que classe social for, atropelado numa passeata de final de semana. Um filhote de foca, agonizando numa praia gaúcha, é infinitamente “mais sério” do que fraude com a verba da merenda escolar. Um gay que levou uma surra na saída de uma balada em São Paulo pode levar o país “às lágrimas”, enquanto um policial militar paraplégico após um tiroteio na Baixada Fluminense é esquecido em três dias.

Isso é o que está acontecendo na sociedade e no jornalismo brasileiros! Gostaria de saber quando algum professor universitário vai ter tempo e disposição para escrever sobre isso de maneira mais séria que um simples médico aqui de Porto Alegre. Enquanto espero, vou continuar assistindo a esse festival de “crimes do século XXI” transmitidos pelas redes sociais, mudando os nossos valores mais profundos sobre a gravidade que merece ser atribuída àquilo que nos apresentam. Dia após dia diminui nosso espanto, reduz-se a nossa sensibilidade e perdemos as primeiras condições para sermos considerados humanos – a caridade e a fé em Deus.  

Não tenho mais dúvida alguma: quem queima pessoas, estupra e assalta no Brasil de 2013 ainda poderá ser considerado um “excluído social”, alguém que “não teve educação” nessa “sociedade neoliberal” e que pode até ter sua pena reduzida, embora suas razões não se justifiquem. Para quem chuta cachorro, não! Esse é um criminoso irrecuperável! Deveria ser colocado em prisão de segurança máxima e esquecido lá para o resto da vida!

Pobre país que tem uma imprensa dessas... A imprensa do aquecimento global, dos ciclistas e do casamento gay... A imprensa dos médicos cubanos e das cotas raciais... A imprensa em que notícia sobre queimar uma pessoa é muito menos grave que chutar um cachorro... Essa é a imprensa do Brasil!


O autor é médico em Porto Alegre, RS.



 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita