Josefo cita Jesus?
Não raras vezes,
encontramos pessoas que,
no esforço de provar a
existência do Jesus
histórico, recorrem a
Flávio Josefo,
historiador judeu do
século I, nascido em 37,
morto no ano 103. Tudo
bem, a busca das fontes
para demonstrar que Ele
realmente existiu é algo
louvável mesmo.
Entretanto, a questão é:
será que podemos confiar
na informação que se
encontra em Josefo? Para
responder a isso é
necessário vermos o que
o historiador soviético
Iakov Abramosvitch
Lentsman
(1908-1967) argumenta:
[…] Seus escritos, no
entanto, constituem uma
fonte preciosa para o
estudo da história da
Palestina no primeiro
século da nossa era. Nas
Antiguidades
Judaicas, Flávio
Josefo relata, sem
omitir qualquer detalhe,
os acontecimentos
ocorridos em sua época,
em seu país; fornece
informações muito
importantes a respeito
dos essênios e de outras
seitas da Judeia. A
profusão de dados de
toda espécie que se
encontra nesta obra
torna ainda mais
eloquente seu total
silêncio sobre os
cristãos.
Mas, os doutores da
Igreja, percebendo
claramente que a
essência de qualquer
alusão na obra de Flávio
Josefo desacreditava
totalmente o mito
evangélico, não
recuaram diante de uma
falsificação grosseira.
Nos manuscritos das
Antiguidades Judaicas
está escrito (XVIII,
3,3) que, sob Pôncio
Pilatos, viveu “Jesus,
um homem sábio, se é que
se pode, todavia,
considerá-lo como um
homem, pois foi autor de
atos maravilhosos,
mestre de homens que,
com alegria, receberam
dele a verdade; ele
atraiu muitos judeus, e,
também, muitos gregos.
Foi o Cristo. Quando,
por denúncia daqueles
que eram os primeiros
entre nós, Pilatos o
condenou à cruz; aqueles
que, desde o princípio,
o amaram continuaram
procedendo assim, pois,
ele lhes apareceu, três
dias depois,
ressuscitado de novo. E
os divinos profetas
haviam previsto isto e
dez mil outras
maravilhas sobre ele.
Hoje, ainda não
desapareceu a seita dos
cristãos, nome esse que
deriva do dele”.
Porém, se se levar em
conta a fidelidade de
Flávio Josefo à religião
judaica e, também, o
fato de ele considerar
Vespasiano como o
Messias, de modo algum
se poderá aceitar que
tenha dado tal título a
Jesus também. Segundo a
opinião geral dos
historiadores, essas
linhas não passam de uma
interpolação posterior,
devida a um copista, tão
ingênuo, quanto piedoso.
Graças a um feliz acaso,
é mesmo possível
estabelecer a data dessa
intercalação. Um dos
Padres da Igreja,
Orígenes,
polemizando contra
Celso, crítico do
Cristianismo, acusa
Flávio Josefo de não ter
querido admitir que
Jesus era o Messias.
Eusébio, que compôs a
sua História
Eclesiástica no
século I, pouco depois
da vitória do
Cristianismo, já
reproduz as linhas que
foram acrescentadas,
o que dá lugar à crença
de que a passagem citada
foi intercalada nos
textos de Flávio Josefo
entre os fins do século
III e os começos do
século IV. Trata-se de
uma interpolação tão
manifesta que muitos dos
teólogos católicos não
mais ousam negá-la.
Em outra página das
Antiguidades Judaicas
(XX, 9), Flávio
Josefo fala da
condenação de certo
“Pedro, irmão de Jesus,
chamado o Cristo, e de
alguns outros”. Em
meados do século III,
Orígenes, em diversas
ocasiões, referiu-se a
essa passagem que, à
primeira vista, parece
muito mais digna de fé
do que a que citamos
anteriormente. Mas como
admitir que essas
palavras são da pena de
Flávio Josefo, uma vez
que esse mesmo Orígenes
o acusou de duvidar de
que Jesus fosse o
Messias (o Cristo)? Pode
ser que o original se
referisse a outro Jesus.
É evidente, em todo o
caso, que esta passagem
também traz vestígios da
intervenção de copistas
cristãos. Nos
escritos de Flávio
Josefo nada mais se
encontra que se
relacione com o
Cristianismo.
Apesar da ausência de
referências ao
Cristianismo nas duas
obras de Flávio Josefo,
tanto uma como outra são
indispensáveis ao estudo
do problema que nos
ocupa, sendo, com
efeito, a única fonte de
que dispomos sobre a
história da Palestina
antes da Guerra dos
Judeus, e a principal
fonte sobre a história
dessa guerra. Se bem que
o Cristianismo tenha
nascido entre hebreus
que viviam fora do seu
país, os acontecimentos
na Palestina não
deixaram de exercer
sobre eles uma grande
influência, onde quer
que vivessem, no Egito,
ou na Ásia Menor. É
preciso não esquecer,
doutra parte, que os
autores dos livros do
Novo Testamento
obtinham dados
históricos sobre a
Palestina nos escritos
de Flávio Josefo: vários
detalhes dos evangelhos
foram emprestados às
Antiguidades Judaicas.
(LENTSMAN, 1963, p.
56-58) (grifo nosso).
Acreditamos que as
ponderações de Lentsman
são pertinentes, sendo
inclusive corroboradas
pelo teólogo alemão
Holger Kersten (1951- ):
[…] O historiador judeu
Flávio Josefo
publicou, por volta de
94 d.C., uma obra
grandiosa, intitulada
Antiguidades Judaicas,
que cobre um espaço que
vai desde a criação do
mundo até a época de
Nero, onde narra
acontecimentos
considerados mais
importantes. Cita João
Batista, Herodes e
Pilatos; detalha, com
minúcias, fatos
políticos e sociais, mas
não escreve uma só
palavra sobre Jesus.
No terceiro século,
surgiu uma obra escrita
por um cristão,
intitulada
Testimonium Flavianum
(12), onde o
historiador judeu Josefo
aparece inesperadamente,
narrando e confirmando
os milagres e a
ressurreição de Cristo.
Os padres da Igreja,
Justino, Tertuliano e
Cipriano nada sabiam a
esse respeito e Orígenes
(13) nos lembra,
repetidas vezes, que
Josefo não acreditava em
Cristo. […]
______
(12) Flávio Josefo,
Antiguidades Judaicas;
18; 3,3 e 20: 9,1.
(13) Orígenes, Contra
Celsum.
(KERSTEN,
1988,
p. 28-29). (grifo
nosso).
Acrescentamos, também,
os escritores britânicos
Timothy Freke (1959- ) e
Peter Grandy (? - ),
autores do livro Os
mistérios de Jesus,
do qual transcrevemos:
Durante centenas de
anos, estas passagens de
Josefo foram tomadas
pelos historiadores
cristãos como prova
conclusiva de que Jesus
existira. Isto é, até
que os acadêmicos
começaram a examinar o
texto de uma forma mais
crítica. Nenhum
erudito sério acredita
agora que estas
passagens foram na
realidade escritas por
Josefo (13). Elas
foram claramente
identificadas como
acrescentos muito
posteriores. O seu
estilo de escrita não é
o mesmo do de Josefo e,
se forem retiradas do
texto, o argumento
original de Josefo segue
sua sequência natural.
Escrevendo no início do
século três, Orígenes,
que as autoridades
modernas consideram como
um dos eruditos mais
conscienciosos da antiga
Igreja, diz-nos que
não há qualquer
referência a Jesus em
Josefo e que Josefo não
acreditava que Jesus era
o Cristo, dado que não
acreditava em nenhuma
figura de Messias
judaica (14).
[…]
[…] Josefo menciona pelo
menos dez Jesus, embora
seja revelador notar que
algumas traduções de
Josefo só traduzem as
passagens que pretendem
que o leitor identifique
com Jesus Cristo, usando
a versão grega do nome
que todos nós
reconhecemos, deixando
os nomes de todos os
outros Jesus no hebraico
não traduzido (22).
_______
13. Qualquer um que
ainda duvide disto deve
ler The Messiah Jesus
and John the Baptist,
pelo Dr. Eilser: “O que
é certo é que nem um
único texto grego,
latino, eslavo ou outro
de Josefo chegou até nós
sem ter passado pelas
mãos dos escribas
cristãos e dos seus
proprietários cristãos”,
Eilser, R. (1931), 38.
Relativamente às
interpolações, Eisler
diz: “Os críticos da
passagem são filólogos,
os seus defensores
teólogos”, ibid.,
41.
14. Gruber e Kersten
(1985), 6, e ver
Wells, G. A. (1975), 11.
Josefo tinha enorme
desprezo pelos numerosos
“Messias” que estavam
ativos na sua época. Ver
Josefo, The Jewish
War, 135. Ele metia
as “fraudes religiosas e
os bandidos” no mesmo
saco e considerava-os a
causa da destruição de
Jerusalém.
22. Ver Josefo, The
Jewish War, 403, onde
este truque
particularmente pouco
sincero é mais aparente.
O Jesus lunático do
Capítulo 21 é
inexplicavelmente
traduzido como Jeshua,
enquanto nas adições
eslavas espúrias o
editor usa o nome Jesus.
Em defesa destas
interpolações, ele
afirma que os acréscimos
que consideram estas
passagens como espúrias
estão simplesmente
“empenhadas na
destruição”! É estranho
ouvir a linguagem de um
profeta do Antigo
Testamento a um
acadêmico clássico a
escrever em 1959.
(FREKE e GANDY, 2002, p.
129-130) (grifo nosso).
Confirma o que já foi
dito anteriormente.
Na obra Os crimes dos
papas: mistérios e
iniquidades da corte de
Roma, o autor
Maurice Lachâtre, ao
falar de Simplício 49
Papa, traz interessante
fato:
Sua santidade acusava
aquele prelado [está
falando de Timóteo
Elúreo] de partilhar a
heresia de um frade
africano que, depois
de ter entregado a
profundas e minuciosas
investigações sobre a
autenticidade da vinda
do Filho de Deus à
Terra, chegara a esta
conclusão notável:
“Jesus não existiu”.
Para corroborar a sua
opinião, invocava este
religioso o silêncio de
Philon, célebre doutor
judeus, que escrevia na
época em que se marca a
missão do Cristo.
Provava ele que nas
obras de Flávio Josefo,
que florescia no meado
do primeiro século da
nossa era, a passagem em
que se trata de Jesus
encerra interpolações
grosseiras que não
existiam no tempo de
Orígenes, isto é, em 253;
por isso que aquele
padre manifesta nas suas
obras uma grande
surpresa pelo
esquecimento absoluto
que Josefo fizera de
Jesus. […] (LACHÂTRE,
2004, p. 145) (grifo
nosso).
Vemos um frade africano,
portanto um membro da
própria Igreja,
questionar a veracidade
da informação sobre
Jesus, que hoje
encontramos na obra de
Josefo.
E, para finalizar,
trazemos a opinião de um
historiador católico;
trata-se de Paul Johnson
(1928- ), escritor e
jornalista, que, em sua
obra História do
Cristianismo, assim
diz:
[…] Infelizmente, a obra
Antiguidades, de
Josefo (publicada por
volta de 93 d.C.), tão
útil quanto a outros
tópicos relacionados, é
virtualmente muda quanto
a este ponto. Josefo era
um judeu helenizado, um
romanófilo, na verdade
um general e historiador
romano cujo trabalho
teve subsídios
imperiais. A cadeia
de manuscritos que veio
até nós fatalmente
passou pelo controle
cristão. Como Josefo
fazia forte oposição ao
irredentismo judaico,
bem como a qualquer
outro movimento sectário
que trouxesse problemas
para as autoridades,
adotou uma clara postura
anticristã. Contudo,
isso foi adulterado.
Assim, ele menciona a
pena capital de Tiago
pelo sumo sacerdote
Ananias, em 62 d.C., e
refere-se a Tiago como o
irmão “de Jesus, o assim
chamado Cristo”, de modo
que sugere que ele já
havia feito seu relato
de Jesus e cumprido sua
missão. Porém, o que
realmente chegou até nós
foi uma passagem
descrevendo Jesus como
um sábio, amante da
verdade, muito amado por
seus seguidores; aceita
seus milagres e
ressurreição e sugere
intensamente sua
divindade. A passagem é
claramente uma invenção
cristã não muito
engenhosa, e o que foi
escrito por Josefo de
fato perdeu-se. As
tentativas de
reconstruí-lo não
ganharam aceitação geral
até o momento. […]
(JOHNSON, 2001, p.
32-33) (grifo nosso).
Johnson é um católico
que reconhece que o
texto de Josefo que fala
de Jesus não deve ter
nenhuma credibilidade.
Isso é importante, para
demonstrar que há
pessoas que buscam acima
de tudo a verdade, por
isso não ficam
acorrentadas às
“verdades” que lhes
passaram.
Cabe, portanto, aos que
utilizam Josefo para
provar que Jesus
existiu, buscarem outra
fonte, cuja informação
seja mais fiel ou menos
duvidosa.
Nós, particularmente,
não temos dúvida de sua
existência, por isso não
ficamos preocupados em
provar nada, queremos
apenas alertar aos que
tentam fazê-lo, que
tomem cuidado com as
suas fontes, para não se
dar justamente o efeito
contrário do que querem
fazer.
Referências
bibliográficas:
FREKE, T. e GANDY, P.
Os mistérios de Jesus: o
paganismo oculto em
Cristo. Mem Martins,
Portugal:
Europa-América, 2002.
JOHNSON, P. História
do Cristianismo. Rio
de Janeiro: Imago, 2001.
KERSTEN, H. Jesus
viveu na Índia, São
Paulo: Best Seller,
1988.
LACHATRE, M. Os
crimes dos papas:
mistérios e iniquidades
da corte de Roma.
São Paulo: Madras, 2004.
LENTSMAN, J. A. A
Origem do Cristianismo.
São Paulo: Fulgor, 1963.
[1] Nessa
obra o nome do
autor consta
Jacó Abramovitch
Lentsman, porém,
parece-nos que
os nomes
próprios não
devem ser
traduzidos, é
por isso que em
vez de Jacó
colocamos Iakov.