E a Vida Continua...
André Luiz
(Parte
19)
Continuamos nesta edição
o
estudo da obra
E a Vida Continua,
de André Luiz,
psicografada pelo médium
Francisco Cândido Xavier
e
publicada em 1968 pela
Federação Espírita
Brasileira.
Questões preliminares
A. Ao ver Ernesto
Fantini no seu quarto,
qual foi a reação de
Elisa, sua ex-esposa?
Não se sabe como, mas o
fato é que Elisa notou a
presença de Ernesto
Fantini e se pôs a
gritar, positivamente
obsidiada: "Maldito!...
Maldito!... fora daqui,
Tinhoso!... Fora daqui,
assassino!...
Assassino!... Socorro,
Dedé!... Socorro, Dedé!
Leva este infame para
fora! Sai, Ernesto! Sai!
Matador!... Matador!..."
Ouvindo esses gritos,
Caio e Vera invadiram o
quarto, terrificados. A
jovem acercou-se da mãe,
que bradava impropérios
segurando a própria
cabeça entre as mãos,
num esgar de espanto, e
tentou consolá-la:
"Mãezinha, que há?
estamos aqui, não
precisa temer..." Elisa
agarrou-se à moça, qual
criança assustada, e
esticou o clamor, dando
a Caio a impressão de
uma alienada mental, no
mais fundo
desequilíbrio: "Seu pai
está aqui, aquele
canalha! Não quero
vê-lo!... Defenda-me,
pelo amor de Deus!
Voltemos para São Paulo,
hoje mesmo!... Tire-me
daqui!..."
(E a Vida Continua, cap.
19, pp. 154 a 156.)
B. Além das palavras já
mencionadas, Elisa disse
mais alguma coisa ao
ex-marido?
Sim. Ela confessou que
sempre o traiu com Dedé.
"A qualquer momento a
que vinhas em casa –
disse-lhe Elisa –, isso
acontecia sempre para
infelicidade nossa,
porque vivíamos juntos
aqui, antes de tua
morte, e vivemos juntos
depois... Olha este
quarto! Dedé está no
lugar onde sempre
esteve!..." Semelhantes
declarações foram
suplementadas de
informes, sobre os quais
a caridade pede se faça
silêncio.
(Obra citada, cap. 19 e
20, pp. 156 e 157.)
C. É verdade que Ernesto
Fantini não foi o autor
do crime que vitimou
Dedé?
É verdade. O próprio
Dedé foi quem lhe
revelou como os fatos se
deram. Disse-lhe ele:
"Você disparou o tiro
contra mim, no intuito
de afastar-me de sua
esposa, e Amâncio,
aquele canalha,
observando que você
errara o alvo,
aproveitou a ocasião a
fim de eliminar-me e
apossar-se da minha
esposa!..." Amâncio era
o terceiro companheiro
da fatídica caçada,
cuja lembrança
apresentou-se nítida na
tela mental de Ernesto.
(Obra citada, cap. 20,
pp. 160 e 161.)
Texto para leitura
73. Elisa o
expulsa de casa
– Ralado de
arrependimento e
desespero, Fantini
chorava para dentro de
si e compreendia por que
Ribas procurou
delongar-lhe a volta ao
lar. Momentos antes
descobrira na filha a
rival de Evelina, e ali,
diante dele, ao pé de
Elisa, se estendia o
inimigo triunfante,
dominador. Fantini
procurou asserenar-se,
mas seu antagonista
deitou-lhe um olhar
sarcástico e Elisa, para
surpresa de Ernesto,
também notou-lhe a
presença e se pôs a
gritar, positivamente
obsidiada: "Maldito!...
Maldito!... fora daqui,
Tinhoso!... Fora daqui,
assassino!...
Assassino!... Socorro,
Dedé!... Socorro, Dedé!
Leva este infame para
fora! Sai, Ernesto! Sai!
Matador!... Matador!..."
Ouvindo esses gritos,
Caio e Vera invadiram o
quarto, terrificados. A
jovem acercou-se da mãe,
que bradava impropérios
segurando a própria
cabeça entre as mãos,
num esgar de espanto, e
tentou consolá-la:
"Mãezinha, que há?
estamos aqui, não
precisa temer..." Elisa
agarrou-se à moça, qual
criança assustada, e
esticou o clamor, dando
a Caio a impressão de
uma alienada mental, no
mais fundo
desequilíbrio: "Seu pai
está aqui, aquele
canalha! Não quero
vê-lo!... Defenda-me,
pelo amor de Deus!
Voltemos para São Paulo,
hoje mesmo!... Tire-me
daqui!..." Dos olhos de
Ernesto o pranto jorrou
em maré de angústia.
Fizera tantos projetos
de reencontro; no
entanto, chegava até
ali, na condição de
hóspede indesejável,
abominado pelos seus.
"Elisa!" – implorou.
"Elisa! Elisa, ouve!...
eu sempre te amei..."
Iniciou-se então uma
conversação entre os
dois, sem que a filha e
Caio pudessem ouvir
senão metade. "Cala-te,
infame! Recuso uma
afeição que sempre
detestei." Dito isto,
Elisa acrescentou ser
livre para dizer o que
quisesse e confessou que
sempre o desprezara. Ela
sabia que ele matara
Dedé. Ele não negou sua
culpa, mas justificou-se
alegando seu extremado
apego ao carinho dela.
(Cap. 19, pp. 154 a
156)
74. Dedé acusa
Ernesto e promete
vingança –
Irônica e visivelmente
em estado de demência,
Elisa informou ter
gostado de Dedé a partir
do instante em que
ocorreu o crime. "A
qualquer momento a que
vinhas em casa –
confessou Elisa –, isso
acontecia sempre para
infelicidade nossa,
porque vivíamos juntos
aqui, antes de tua
morte, e vivemos juntos
depois... Olha este
quarto! Dedé está no
lugar onde sempre
esteve!..." Semelhantes
declarações foram
suplementadas de
informes, sobre os quais
a caridade pede se faça
silêncio. Ernesto
chorava e, diante dele,
Dedé ria. Caio trouxe a
injeção calmante que
Vera aplicou na doente
agitada. Elisa atirou-se
ao leito, desfigurada,
abatida. Ernesto já se
retirava do quarto,
quando Desidério dos
Santos saltou do leito e
tomou-lhe a frente,
desferindo brados
terríveis. "Patife!...
Celerado!... – vociferou
o agressor – você não se
afastará sem contas!...
Você acreditava que era
só acabar comigo, hein?
Fique sabendo que,
intentando privar-me do
corpo, não obteve outra
coisa senão colocar-me
em sua própria casa...
Vivo aqui, moro aqui e
sua mulher me
pertence!..." Ernesto,
de sentimento apurado,
qual se achava, depois
de tanto sofrimento,
implorou: "Oh! Desidério!
estou arrependido,
perdoe-me!..." Dedé foi
inflexível: "Perdoar!
Isso nunca. Estou longe
do fim. Vocês me
pagarão, ceitil por
ceitil...
Miseráveis!... Vocês
ocultam aí na Terra o
sangue do crime na capa
do arrependimento e
julgam que conseguem
lavá-lo com lágrimas
falsas..." E ajuntou:
"Ninguém morre. Vocês,
bandidos, que burlam a
justiça do mundo, serão
punidos pela Justiça
Divina!... E a Justiça
Divina, em meu caso, sou
eu mesmo... Espírito
vingador, sim... Sou...
E quem me contestará
esse direito?" (Cap. 19
e 20, pp. 156 e 157)
75. Cada Espírito
recebe da vida o que lhe
dá – A
superexcitação de Dedé
provocou nele mesmo o
corrompido pranto do
ódio, e foi assim,
chorando, que
profligou: "Cretinos
delinquentes!... Perdi a
existência, meu lar,
minha esposa, minha
filha... e vocês esperam
de mim um prêmio à
crueldade com que me
aniquilaram!... Então,
vocês exterminam um
homem e exigem que esse
homem lhes beije as
mãos? Abusam da
impunidade com que a
terra do sepulcro lhes
cobre os atos perversos
e ainda reclamam o
louvor das vítimas
tombadas indefesas?!..."
Ernesto soluçava...
Depois, ajoelhou-se, de
mãos postas, diante do
vencido de outro tempo,
em sinal de humildade.
Ah! se soubesse o que o
aguardava, nunca teria
empreendido o retorno a
casa. Aprendera,
contudo, em dois anos de
estudo e meditação, que
cada Espírito recebe da
vida, nas Leis de Deus,
segundo as próprias
obras e que criatura
alguma logra desertar da
própria consciência,
porque para o culpado
chega, invariavelmente,
o dia da expiação e do
reajuste. Desidério,
apesar do gesto de
humildade do ex-amigo,
continuou: "Covarde!...
Levante-se para
enfrentar as
consequências de sua
falta... Somos agora
dois homens, nas mesmas
condições, sem a máscara
do corpo, qual você me
quis, há mais de vinte
anos!... Onde estão
agora sua prosápia, seu
sorriso de mentira, sua
arma frouxa?" Ernesto,
buscando a paz,
insistiu: "Perdoe-me
pelo amor que você tem a
Elisa e que Elisa lhe
tem!... Ignorava que
minha esposa o amasse
tanto!... Sou um
réprobo, bem o sinto...
entretanto, fiz-me
criminoso por muito amar
a esposa que o Céu me
havia dado!..." Dedé
pareceu comover-se
diante daquela atitude,
mas replicou: "Por que
não escolheu outro
processo para remover-me
do caminho? Adotando a
violência, nada mais
conseguiu senão
atirar-me mais
intensivamente para os
braços de sua mulher...
E, enquanto você viveu
nesta casa, após
acreditar-me morto,
partilhei sua mesa e sua
vida... Você supunha
surpreender-me com os
olhos da imaginação, na
tela do remorso, mas via
realmente a mim, a mim
mesmo, Desidério dos
Santos, com os olhos da
mente, no espelho da
consciência... Hoje,
chamam-me os amigos, sem
corpo terrestre, de
Espírito obsessor... que
mais posso ser? Sou quem
sou, o homem ultrajado,
o empreiteiro de minha
própria vingança!..."
Ernesto, lamentando
profundamente o seu ato
infeliz, gemeu: "Oh!
Deus de Misericórdia,
sou o culpado, o único
responsável..." Dedé,
desferindo ruidosa
gargalhada, refutou:
"Não, não!... Você não é
o único... Você fez a
ideia e o modelo do
crime que me arredou da
existência física, mas o
verdadeiro homicida,
aquele que se valeu de
sua maldade para
destruir-me, foi
outro..." (Cap. 20, pp.
157 a 159)
76. Como ocorreu o
crime –
Desidério prosseguiu:
"Você disparou o tiro
contra mim, no intuito
de afastar-me de sua
esposa, e Amâncio,
aquele canalha,
observando que você
errara o alvo,
aproveitou a ocasião a
fim de eliminar-me e
apossar-se da minha
esposa!..." Amâncio era
o terceiro companheiro
da fatídica caçada,
cuja lembrança
apresentou-se nítida na
tela mental de Ernesto.
Desidério havia escalado
um tronco de árvore
velha e cravara-se entre
galhos robustos, de
espingarda na mira das
aves em voo. Ao vê-lo,
Ernesto disparou contra
ele e recuou espavorido,
a ocultar-se na mata,
esperando os efeitos do
seu ato. Não percebera
qualquer grito, mas sim
outros tiros que
atribuiu à arma de
Amâncio em ação de caça.
Pouco depois vieram os
brados do companheiro.
Desidério se retorcia
no fim... Transtornado,
ele não pensava em outra
coisa senão no seu gesto
tresloucado e, por isso,
aceitou com alívio a
versão do amigo que
anunciava em alta voz:
"acidente horrível!...
acidente horrível!..." O
que aconteceu depois
estava ainda vívido em
sua mente. Após o
enterro de Dedé, ele se
desligou para sempre de
Amâncio e se empenhou,
com todas as forças de
que dispunha, a olvidar
a esposa e a filha
pequenina do
assassinado, cujos
gritos, no dia
inesquecível, lhe haviam
conturbado o coração,
convencido qual se
achava de que fora ele o
único culpado. Transido
de assombro, Ernesto
pôde verificar que todas
as cenas da tragédia se
lhe reconstituíam na
delicada película da
memória, em apenas
segundos, e Desidério, a
seu lado, insistia,
implacável: "Lembre-se,
miserável!... Lembre-se
de como vocês dois,
cínicos matadores, me
eliminaram... Como
afastar-me do corpo
inerte, sem detestá-los?
Enlouquecido de
sofrimento e revolta,
recusei, enojado, os
braços piedosos de
enfermeiros que me
buscaram para outras
terras, não sei... Já
que outra vida me
surpreendia, depois da
morte, não a desejava
senão para a
desforra..." (Cap. 20,
pp. 160 e 161)(Continua na próxima
semana.)