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Entrevista Espanhol Inglês    
Ano 7 - N° 337 - 10 de Novembro de 2013
ORSON PETER CARRARA
orsonpeter92@gmail.com
Matão, SP (Brasil)
 

 
André Luís Bordini: 

“O desejo é motor que impulsiona as grandes guinadas pessoais
e coletivas”

O conhecido palestrante e psicoterapeuta paulista faz nesta entrevista uma abordagem psicológica sobre o desejo

André Luís Bordini (foto) nasceu e reside em Ribeirão Preto, no interior paulista. De família espírita, tem formação em Psicologia, Ciências Sociais e Jurídicas pela UNESP e é professor de Interpretação de Texto nos Cursinhos SEB-COC e Objetivo, Psicoterapeuta Especialista, com formação pelo Instituto de Psicologia Fenomenoló-

gico-existencial do Rio de Janeiro. Vinculado à Sociedade Espírita Allan Kardec, é diretor de reuniões de estudos e conselheiro, além de ex-presidente da mesma instituição. Palestrante muito querido em sua região, entrevistamo-lo sobre a temática desejo, sob o ponto de vista da psicologia. 


Há uma definição para a palavra desejo, sob o ponto de vista da psicologia?

Do ponto de vista etimológico, desejo vem do vocábulo latino "desiderium", "des"+"siderium", algo como "na direção das estrelas". Porém, com o tempo, embora tenha adquirido um conteúdo mais sofisticado, nunca perdeu o caráter de busca incessante, especialmente por algo difícil, proibido, inacessível, mas invariavelmente prazeroso. Para os psicanalistas, grosso modo, o desejo é a expressão mais intensa do Id ou inconsciente (uma dimensão profunda do aparelho mental), resultado da busca inesgotável e irracional pela reprodução de experiências prazerosas (princípio do prazer), e que traz em si, amalgamadas, as pulsões de vida e de morte, uma vez que a satisfação do desejo representa a morte temporária desse mesmo desejo que, dentro em pouco, voltará à vida pedindo nova morte, num ciclo incessante e, não raro, obsessivo ou compulsivo, embora natural e inevitável em todo ser humano.

Para a fenomenologia existencial, particularmente em Heidegger, o desejo é parte do modo de "ser-no-mundo" próprio do "das-ein" ou, numa tradução aproximada do alemão para o português, “ser-aí”, ente cujo modo de ser está permanentemente em jogo no tempo, com outros entes “aí”, com outros entes simplesmente dados, com utensílios resultantes do universo da técnica, e em direção à morte. Kierkegaard, por sua vez, considera que o homem é desespero e angústia, transitando entre finito e infinito, real e eterno, desejos, escolhas e débitos (culpas) consequentes dessas mesmas escolhas, sendo o desejo elemento da paixão, único afeto realmente digno de atribuir verdadeiro sentido à existência.

De qualquer maneira, independentemente da abordagem filosófica ou psicológica, é ponto pacífico que o homem é um ser desejante, e isso traz inevitáveis consequências práticas e teóricas à sua experiência de mundo. 

Como entender o desejo, suas manifestações, e a necessidade de submetê-lo a determinados critérios? Seria possível educá-lo?

Em “O mal-estar na civilização”, Freud assevera que a civilização é produto da repressão ao desejo. Não refreasse seus desejos e instintos, a humanidade não conheceria o progresso técnico, intelectual, moral, político, jurídico ou social. A capacidade do homem de dizer não à satisfação daquilo que deseja foi essencial na construção das grandes obras do espírito humano, das noções de limite, e até de liberdade. Sem dizer que, quando de natureza sexual, sua energia pode ser sublimada para grandes realizações da ciência, da arte, da religião ou da política. Para o psicanalista brasileiro Jorge Forbes, introdutor do pensamento lacaniano (Jacques Lacan) no Brasil, “desejar” é diferente de “querer”. Seu livro já clássico “Você quer o que deseja?” identifica claramente essa diferença. O desejo é espontâneo, afetivo, pulsional, simbólico, fantasioso, lúdico. Desejamos um milhão de coisas, mas sabemos, por bom senso, que teremos apenas o mínimo delas. Além disso, realizar desejos cobra um preço às vezes muito alto. Daí nem sempre estarmos dispostos a pagar o preço que a vida cobra pela realização dos desejos. O adolescente deseja ser médico, fantasia a ideia de vestir jaleco branco com seu nome de doutor bordado na lapela, estetoscópio pendurado no pescoço, prestígio, fortuna, respeito social... Mas, quando se depara com a necessidade de estudar com afinco, abrir mão das baladas de fim de semana, ler até tarde da noite os livros obrigatórios dos vestibulares, fazer aulas particulares de física, química, biologia e matemática, enfrentar concorrentes brilhantes, renunciar a passeios, à academia, ao clube ou a um namoro naquela fase da vida, noites de plantão, provas difíceis, necessidade de fluência e leitura em inglês, etc. Para... Pensa bem... E enfim descobre que, embora deseje muito ser médico, não quer. Da mesma forma o marido ou esposa que desejam outro parceiro, mas que não pagam o preço de ver seu lar arruinado por uma traição, e descobrem que desejam, mas não querem. Uma pessoa que deseja emagrecer, mas detesta fazer dieta, ou seja, deseja, mas não quer, e assim por diante.

O desejo, em si, é uma experiência incontrolável, embora caiba ao sujeito, no exercício de sua liberdade, decidir o que deve ou não fazer com ele. Na ontologia sartreana (Jean Paul Sartre), o desejo está no âmbito da experiência pré-reflexiva, portanto anterior à autonomia enquanto normatização de si mesmo. A “pré-sença” do desejo se dá num fluxo que se “pró-jecta” no tempo, lançando o ser na angústia própria da liberdade, ou seja, não somos livres para desejar, pois o desejo é automático e estamos condenados a tê-lo, mas somos responsáveis por tudo que decidimos fazer com ele, seja buscar sua realização, reprimi-lo, sentir culpa por senti-lo, ocultá-lo, revelá-lo ao mundo, etc. Assim, numa perspectiva existencial, só é verdadeiramente livre o homem capaz de dizer não aos seus próprios desejos. Aquele que não o é, torna-se automaticamente escravo dos desejos, e equipara-se aos animais, ressalvando-se que o animal é condicionado aos instintos, dimensão bem menos sofisticada que o desejo humano, experiência afetiva esta que implica fenômenos que envolvem memória, linguagem, representação, etc. Portanto, aquela visão do senso comum que traz o animal solto na floresta como modelo de liberdade é totalmente equivocada. O modo de ser do animal é simplesmente dado pela sua condição de animal em que jaz, sem a menor possibilidade de escolher ser outra coisa que não seja aquilo que a natureza o condenou a ser, sem nenhuma liberdade de escolha, nenhum desejo, totalmente atado aos imperativos de sobrevivência e instinto pertinentes à sua espécie, pelo menos enquanto nessa fase de sua evolução anímica.

Ainda por essa abordagem, é preciso considerar que o desejo é vivência da ordem exclusiva da consciência, que, numa visão fenomenológica, será sempre consciência intencional, isto é, consciência “de” “alguma coisa”. Por isso, a depender do caráter dessa “alguma coisa”, o ser prova verdadeiros “dramas de consciência” por manifestar desejos nem sempre considerados bons, aceitáveis, positivos, belos, enobrecedores etc. Aliás, em geral, mais que estando no mundo, mas, antes, “sendo mundo”, o que o homem comum deseja, como se diz popularmente, “é ilegal, é imoral, ou engorda”.

Todavia, isso não precisa tornar-se um drama, pois seria, no mínimo, cruel, condenar-se um homem por aquilo que deseja. Daí o Direito penalizar o homicida e não o que deseja matar, o que pratica pedofilia e não o que sente atração sexual por crianças, o que fere e não o que guarda um desejo secreto de ferir, e assim por diante. Se assim não fosse, nos tornaríamos todos juízes de consciências alheias. Do ponto de vista ético, o que vale é a ação do ser no mundo, a maneira como conduz suas relações, independentemente dos seus desejos e ideações. Nesse caminho, é preferível uma humanidade que faz o bem (numa visão platônica e, pois, metafísica, do que seria “o bem” ideal; ou numa ótica aristotélica de que “bom” é tudo o que torna o homem feliz no contexto da pólis), embora não deseje, a uma que deseje o bem, mas faça o mal ou seja indiferente a esse bem. O filósofo contemporâneo Jürgen Habermas trata disso com segurança, fala de uma ética do discurso, em que o que as pessoas pensam ou sentem é secundário; o importante é que haja uma responsabilidade acerca da construção de uma sociedade em que as pessoas convivam bem e civilizadamente, em que ninguém faça mal a ninguém, e que o bem comum seja contemplado. Na esteira desse pensamento, questões de consciência, verdadeiramente, não são passíveis de conhecimento objetivo e nem são da conta de ninguém, e o desejo está naturalmente entre elas.

Se o desejo seria ou não educável? Acredito que não, pois sendo da ordem pré-reflexiva, pertence a uma dimensão sobre a qual, realmente, o homem não tem nenhum controle. O ser não deseja o que quer, ou o que é moralmente desejável, ou o que é bonito ou correto de se desejar; o ser deseja o que deseja, e pronto. A hora que percebe, já desejou, e não há nada a se fazer em relação a essa vivência em si. Mas é possível, sim, educar-se a liberdade, e é justamente para isso que serve a educação, para mostrar ao homem que ele deve viver eticamente, ou seja, para viver e sobreviver no mundo é fundamental resistir e sobreviver aos nossos próprios desejos. Eles são nossos, destarte podemos decidir o que fazer com eles, equacionando liberdade, responsabilidade, possibilidades, conveniência, valores sociais, valores pessoais, valores éticos, valores estéticos, eventualmente valores religiosos, facticidade, cultura, leis etc. 

Considerando-se a evolução humana, como situar o desejo? É possível estabelecer um parâmetro de comparação para dimensioná-lo de forma global?

Em se tratando da evolução civilizatória, é inegável que a educação da liberdade transforma o padrão de nossos desejos, tornando-os menos grosseiros num aspecto mais geral e, portanto, dentro de óbvias exceções. Por isso, o canibalismo, na atualidade, nos soa tão absurdo, embora já tenha sido prática extremamente prazerosa para a humanidade primicial. Ter fome, por exemplo, é da dimensão do instinto, porém, no homem, sentir fome aguça o desejo de comer este ou aquele prato, saborear essa ou aquela iguaria, doce ou salgada. Nesse contexto, embora não possa escolher o desejo propriamente considerado, o ser pode escolher, dentro de suas possibilidades físicas, financeiras, geográficas, mentais, morais, jurídicas, etc., se vai ou não satisfazer o seu desejo. O ser é livre para tal. Ontem, os primeiros hominídeos sonhavam rasgar suas presas com os dentes e deliciar-se com o sabor do sangue fresco a lhes escorrer pela face. Hoje, podemos salivar pensando num filé à parmegiana com batatas fritas. Amanhã, só Deus sabe. Nesse aspecto, vale o ditado: “o hábito faz o monge”. A cada encarnação vamos investindo na disciplina de nossa liberdade até, depois de muito tempo e muitas encarnações, sentirmos transformado o teor de nossos desejos. Isso é curioso porque é uma mudança que, contrariamente ao que se acredita em geral ocorra nas dinâmicas transformadoras do ser, se dá, literalmente, de fora para dentro: de tanto dizer não a um determinado desejo, chega um momento em que ele não mais emerge, à semelhança de uma mina de petróleo que simplesmente para de jorrar. Entretanto, a natureza não dá saltos, é preciso muita paciência conosco mesmos até que isso aconteça, e pode durar séculos ou mesmo milênios. Para uns mais rapidamente, para outros mais lentamente, cada qual no ritmo de transformações que consegue imprimir à sua própria história espiritual, produto de seus sucessivos projetos existenciais, sem comparações infantis. Cada ser humano, entenda-se Espírito, é um universo singular e imprevisível que se desdobra “em mundo” e guarda uma dinâmica absolutamente própria. E isso também vale para as humanidades, que se formam por afinidades múltiplas e se desdobram igualmente não só pela Terra, mas por todo o universo infinito da criação. 

Considerando os grandes pensadores e filósofos, do passado e do presente, há algumas frases marcantes que podemos oferecer à apreciação do leitor, com vistas ao tema?

Embora Sartre seja um filósofo ateu, quando aborda a questão da liberdade é muito pertinente, pois preconiza que “mais importante do que o que fizeram de nós, é o que nós fizemos com o que fizeram de nós”. Ou seja, por extensão, mais importante do que os desejos que temos é o que nós decidimos fazer com eles. Pelo menos no atual estágio de evolução espiritual em que estamos, o anseio pela mudança abrupta e radical de nossas inclinações automáticas será um caminho inevitável de frustrações. Devemos lidar com nossos desejos com indulgência, como velhos companheiros construídos durante séculos de hábitos prazerosos, por isso a necessidade de haver paciência com eles. No entanto, na medida do possível, se nos incomodam ou se a satisfação deles traz problemas para nós ou para os outros, apenas a mudança de hábitos e ocupações poderá nos ajudar na substituição dos seus automatismos, e isso é um trabalho para muitas encarnações.

Enquanto isso, vamos tentando ser úteis, mesmo por entre as sombras e pântanos de nossos próprios desejos. O nosso Chico Xavier, com quem tive o privilégio de privar, sempre nos ensinou que “a paz é algo que podemos oferecer aos outros, mesmo sem tê-la para nós mesmos”. Ninguém precisa saber o que desejamos ou não, pois isso é de nosso foro íntimo, pertence à nossa consciência, e, de acordo com o Espírito de Verdade, em O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, apenas a Deus devemos prestar contas do que vai em nossa consciência. Na vida prática, mais importante que tudo é o bem ou mal que objetivamente tenhamos feito uns aos outros. E Caetano Veloso é inspirado ao dizer que “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”. E o que somos? Sem dúvida somos imperfeitos. Se formos esperar a libertação de nossos desejos constrangedores pra fazer o bem, seremos, hoje, à face da Terra, imperfeitos e inúteis. Por isso, ainda o nosso Chico nos aclara a visão, afirmando que devemos trabalhar pelo bem mesmo tateando no escuro de nossas imperfeições, assim, pelo menos, seremos imperfeitos, mas úteis, e isso já contará a nosso favor na contabilidade espiritual perante a misericórdia divina. No fim, em algum instante da eternidade, alcançaremos a iluminação, que o príncipe Sidarta, o Buda, emissário de Jesus no Oriente, definiu como o estágio de absoluta libertação de todos os desejos: “quando o homem se libertar de todos os desejos, finalmente descobrirá que tem tudo o que deseja”. 

Alguma consideração final?

O desejo é motor que impulsiona as grandes guinadas pessoais e coletivas, e a experiência estética, através da arte, talvez seja dos caminhos mais eficazes para nos tornar seres mais sublimes, delicados, generosos e iluminados. Penso que a harmonia universal é a grande linguagem divina. Penso que Deus se comunica por música, e tudo no universo infinito é deslumbramento e caminha para uma inexplicável e espantosa sinfonia de luz, de cores sublimes e de aromas sutis. Por isso desejamos. Por isso o desejo é “de + siderium”, em direção às estrelas, não só as do céu, mas as estrelas que vamos todos nos tornando na incrível viagem dos milênios, unindo-nos, constituindo gigantescas constelações de amor a refletir o farol de Deus. 



 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita