Continuamos o estudo metódico do livro “O Céu e o Inferno, ou a Justiça Divina segundo o Espiritismo”, de Allan Kardec, cuja primeira edição foi publicada em 1º de agosto de 1865. A obra integra o chamado Pentateuco Kardequiano. As respostas às questões sugeridas para debate encontram-se no final do texto abaixo.
Questões para debate
A. Há incoerências na doutrina da Igreja acerca dos demônios?
B. Segundo o Espiritismo, há demônios?
C. Os Espíritos realizam alguma missão na obra da Natureza?
D. As manifestações espíritas são atribuídas pela Igreja a qual agente?
Texto para leitura
79. Segundo o Espiritismo, nem anjos nem demônios são entidades distintas, porque a criação de seres inteligentes é uma só. Unidos a corpos materiais, esses seres constituem a Humanidade que povoa a Terra e os outros globos. (Primeira Parte, cap. IX, item 20.)
80. Segundo a doutrina da Igreja, os demônios foram criados bons, mas tornaram-se maus por sua desobediência. Segundo o Espiritismo, os demônios são Espíritos imperfeitos, suscetíveis de regeneração, e que, colocados na base da escala, hão de nela graduar-se. (Primeira Parte, cap. IX, item 21.)
81. A doutrina vulgar acerca da natureza dos anjos, das almas e dos demônios, não admitindo a lei do progresso, mas percebendo a existência de seres de graus evolutivos diversos, concluiu que eles seriam produto de outras tantas criações especiais. Da mesma forma como fez as almas, Deus fez os anjos. E foi assim que chegou a fazer de Deus um pai parcial, que tudo concede a alguns de seus filhos, e a outros impõe os mais rudes trabalhos. (Primeira Parte, cap. IX, item 23.)
82. Não admira que por muito tempo os homens achassem justificação para tais preferências, quando eles mesmos delas usavam em relação a seus filhos, estabelecendo direitos de primogenitura e outros privilégios de nascimento. Poderiam tais homens acreditar que andavam mais errados do que Deus? Hoje, porém, alargou-se o círculo das ideias: o homem vê as coisas mais claramente e tem noções mais precisas de justiça. Desejando-a para si e nem sempre encontrando-a na Terra, ele quer pelo menos encontrá-la mais perfeita no Céu. Eis por que lhe repugna à razão toda e qualquer doutrina em que não resplandeça a Justiça Divina na plenitude de sua pureza. (Primeira Parte, cap. IX, item 23.)
83. As doutrinas acerca do demônio, prevalecendo por tanto tempo, haviam de tal maneira exagerado o seu poder, que fizeram, por assim dizer, esquecer Deus. Por toda a parte surgia o dedo de Satanás, bastando para tanto que o fato observado ultrapassasse os limites do poder humano. Até as coisas melhores, as descobertas mais úteis, sobretudo as que podiam abalar a ignorância e alargar o círculo das ideias – foram tidas muita vez por obras diabólicas. (Primeira Parte, cap. X, item 2.)
84. Os fenômenos espíritas de nossos dias, mais generalizados e mais bem observados à luz da razão e com o auxílio da Ciência, confirmaram a intervenção de inteligências ocultas, porém obrando dentro de Leis naturais e revelando por sua ação uma nova força e leis até então ignoradas. A questão reduz-se a saber, portanto, de que ordem são essas inteligências: almas dos mortos, anjos ou demônios? (Primeira Parte, cap. X, item 2.)
85. Das três categorias de anjos, admitidas pela Igreja, a primeira ocupa-se exclusivamente do Céu; a segunda, do governo do Universo, e a terceira, da Terra. É nesta última, pois, que se encontram os anjos de guarda encarregados da proteção de cada indivíduo. (Primeira Parte, cap. X, item 6.)
Respostas às questões propostas
A. Há incoerências na doutrina da Igreja acerca dos demônios?
Sim, incoerências há e são inúmeras.
Eis algumas delas:
1ª - Se Satã e os demônios eram anjos, eram eles perfeitos; como, sendo perfeitos, puderam falir a ponto de desconhecer a autoridade desse Deus, em cuja presença se encontravam? A conclusão é óbvia: Deus quis criar seres perfeitos, porquanto os favorecera com todos os dons, mas enganou-se: logo, segundo a Igreja, Deus não é infalível.
2ª - Pois que nem a Igreja nem os sagrados anais explicam a causa da rebelião dos anjos para com Deus e apenas dão como problemática a relutância deles no reconhecimento da futura missão do Cristo, que valor pode ter o quadro tão preciso e detalhado da cena então ocorrente? A que fonte recorreram, para inferir se de fato foram pronunciadas palavras tão claras e até simples colóquios?
3ª - As palavras que a Igreja atribui a Lúcifer revelam uma ignorância admirável num arcanjo. Com efeito, como poderia Lúcifer ter dito que fixaria residência acima dos astros, dominando as mais elevadas nuvens? (O Céu e o Inferno, Primeira Parte, cap. IX, itens 9 a 19.)
B. Segundo o Espiritismo, há demônios?
No sentido que a Igreja dá a essa palavra, não há demônios. Melhor dizendo: os anjos e os demônios não são entidades distintas. Trata-se tão somente de Espíritos que, quando unidos a corpos materiais, constituem a Humanidade que povoa a Terra e outras esferas habitadas; e que, libertos do corpo material, constituem o mundo espiritual ou dos Espíritos e assim povoam os Espaços. Deus criou-os perfectíveis e deu-lhes por meta a perfeição, com a felicidade que dela decorre. Em todos os graus existem, portanto, ignorância e saber, bondade e maldade. Nas classes inferiores destacam-se Espíritos ainda profundamente propensos ao mal e que se comprazem com o mal. A estes pode-se denominar demônios, pois são capazes de todos os malefícios aos ditos atribuídos. O Espiritismo não lhes dá tal nome por se prender ele à ideia de uma criação distinta do gênero humano, como seres de natureza essencialmente perversa, votados ao mal eternamente e incapazes de qualquer progresso para o bem. Aqueles a quem chamamos anjos conquistaram a sua graduação, passando, como os demais, pela rota comum pela qual todos haveremos de passar. (Obra citada, Primeira Parte, cap. IX, itens 20 e 21.)
C. Os Espíritos realizam alguma missão na obra da Natureza?
Sim. Chegados a certo grau de pureza, os Espíritos têm missões adequadas ao seu progresso; preenchem assim todas as funções atribuídas aos anjos de diferentes categorias. (Obra citada, Primeira Parte, cap. IX, item 22.)
D. As manifestações espíritas são atribuídas pela Igreja a qual agente?
A Igreja as atribui à intervenção dos demônios. (Obra citada, Primeira Parte, cap. X, itens 4 a 6.)