O leitor Ronaldo Silva
Lopes, em carta publicada
nesta mesma edição,
pergunta-nos: “Como nos
colocarmos quando surgem
dúvidas quanto à formação do
corpo de Mestre Jesus? Jesus
encarnou em um corpo físico?
Jesus utilizou um corpo
fluídico (agênere)?”
Há no meio espírita duas
correntes diametralmente
opostas quanto à discussão
sobre a natureza do corpo
que Jesus utilizou em sua
estada entre nós, como filho
de Maria de Nazaré.
Uma corrente, com fundamento
na obra Os Quatro
Evangelhos, de
Jean-Baptiste Roustaing, crê
firmemente que Jesus
valeu-se tão somente de um
corpo fluídico, ou seja,
teria sido um agênere.
A outra corrente,
fundamentada na obra A
Gênese, de Allan Kardec,
entende que Jesus teve sim,
como todos os homens, um
corpo material, além do
corpo fluídico inerente às
criaturas humanas.
Aliam-se à corrente
kardequiana escritores de
renome no meio espírita,
como J. Herculano Pires,
Carlos Imbassahy e Deolindo
Amorim, entre outros.
Os argumentos utilizados por
Allan Kardec podem ser
vistos no cap. XV, itens 64
a 66, do livro A Gênese,
sua última obra publicada em
vida, fato que se deu em
1868. Kardec, como se sabe,
desencarnou em março de
1869.
Pela lógica e pela
racionalidade de sua
exposição, aliamo-nos também
ao pensamento do Codificador
do Espiritismo, que
reproduzimos em seguida:
64. O desaparecimento do
corpo de Jesus após sua
morte há sido objeto de
inúmeros comentários.
Atestam-no os quatro
evangelistas, baseados nas
narrativas das mulheres que
foram ao sepulcro no
terceiro dia depois da
crucificação e lá não o
encontraram. Viram alguns,
nesse desaparecimento, um
fato milagroso, atribuindo-o
outros a uma subtração
clandestina.
Segundo outra opinião, Jesus
não teria tido um corpo
carnal, mas apenas um corpo
fluídico; não teria sido, em
toda a sua vida, mais do que
uma aparição tangível; numa
palavra: uma espécie de
agênere. Seu nascimento, sua
morte e todos os atos
materiais de sua vida teriam
sido apenas aparentes. Assim
foi que, dizem, seu corpo,
voltado ao estado fluídico,
pôde desaparecer do sepulcro
e com esse mesmo corpo é que
ele se teria mostrado depois
de sua morte.
É fora de dúvida que
semelhante fato não se pode
considerar radicalmente
impossível, dentro do que
hoje se sabe acerca das
propriedades dos fluidos;
mas, seria, pelo menos,
inteiramente excepcional e
em formal oposição ao
caráter dos agêneres. (Cap.
XIV, nº 36.) Trata-se, pois,
de saber se tal hipótese é
admissível, se os fatos a
confirmam ou contradizem.
65. A estada de Jesus na
Terra apresenta dois
períodos: o que precedeu e o
que se seguiu à sua morte.
No primeiro, desde o momento
da concepção até o
nascimento, tudo se passa,
pelo que respeita à sua mãe,
como nas condições
ordinárias da vida. Desde o
seu nascimento até a sua
morte, tudo, em seus atos,
na sua linguagem e nas
diversas circunstâncias da
sua vida, revela os
caracteres inequívocos da
corporeidade. São acidentais
os fenômenos de ordem
psíquica que nele se
produzem e nada têm de
anômalos, pois que se
explicam pelas propriedades
do perispírito e se dão, em
graus diferentes, noutros
indivíduos. Depois de sua
morte, ao contrário, tudo
nele revela o ser fluídico.
É tão marcada a diferença
entre os dois estados, que
não podem ser assimilados.
O corpo carnal tem as
propriedades inerentes à
matéria propriamente dita,
propriedades que diferem
essencialmente das dos
fluidos etéreos; naquela, a
desorganização se opera pela
ruptura da coesão molecular.
Ao penetrar no corpo
material, um instrumento
cortante lhe divide os
tecidos; se os órgãos
essenciais à vida são
atacados, cessa-lhes o
funcionamento e sobrevém a
morte, isto é, a do corpo.
Não existindo nos corpos
fluídicos essa coesão, a
vida aí já não repousa no
jogo de órgãos especiais e
não se podem produzir
desordens análogas àquelas.
Um instrumento cortante ou
outro qualquer penetra num
corpo fluídico como se
penetrasse numa massa de
vapor, sem lhe ocasionar
qualquer lesão. Tal a razão
por que não podem morrer os
corpos dessa espécie e por
que os seres fluídicos,
designados pelo nome de
agêneres, não podem ser
mortos.
Após o suplício de Jesus,
seu corpo se conservou
inerte e sem vida; foi
sepultado como o são de
ordinário os corpos e todos
o puderam ver e tocar. Após
a sua ressurreição, quando
quis deixar a Terra, não
morreu de novo; seu corpo se
elevou, desvaneceu e
desapareceu, sem deixar
qualquer vestígio, prova
evidente de que aquele corpo
era de natureza diversa da
do que pereceu na cruz;
donde forçoso é concluir
que, se foi possível que
Jesus morresse, é que carnal
era o seu corpo.
Por virtude das suas
propriedades materiais, o
corpo carnal é a sede das
sensações e das dores
físicas, que repercutem no
centro sensitivo ou
Espírito. Quem sofre não é o
corpo, é o Espírito
recebendo o contragolpe das
lesões ou alterações dos
tecidos orgânicos. Num corpo
sem Espírito, absolutamente
nula é a sensação. Pela
mesma razão, o Espírito, sem
corpo material, não pode
experimentar os sofrimentos,
visto que estes resultam da
alteração da matéria, donde
também forçoso é se conclua
que, se Jesus sofreu
materialmente, do que não se
pode duvidar, é que ele
tinha um corpo material de
natureza semelhante ao de
toda gente.
66. Aos fatos materiais
juntam-se fortíssimas
considerações morais. Se as
condições de Jesus, durante
a sua vida, fossem as dos
seres fluídicos, ele não
teria experimentado nem a
dor, nem as necessidades do
corpo. Supor que assim haja
sido é tirar-lhe o mérito da
vida de privações e de
sofrimentos que escolhera,
como exemplo de resignação.
Se tudo nele fosse aparente,
todos os atos de sua vida, a
reiterada predição de sua
morte, a cena dolorosa do
Jardim das Oliveiras, sua
prece a Deus para que lhe
afastasse dos lábios o
cálice de amarguras, sua
paixão, sua agonia, tudo,
até ao último brado, no
momento de entregar o
Espírito, não teria passado
de vão simulacro, para
enganar com relação à sua
natureza e fazer crer num
sacrifício ilusório de sua
vida, numa comédia indigna
de um homem simplesmente
honesto, indigna, portanto,
e com mais forte razão, de
um ser tão superior. Numa
palavra: ele teria abusado
da boa-fé dos seus
contemporâneos e da
posteridade. Tais as
consequências lógicas desse
sistema, consequências
inadmissíveis, porque o
rebaixariam moralmente, em
vez de o elevarem.
Jesus, pois, teve, como todo
homem, um corpo carnal e um
corpo fluídico, o que é
atestado pelos fenômenos
materiais e pelos fenômenos
psíquicos que lhe
assinalaram a existência.
*
No texto acima é importante
atentar para este trecho:
“Depois de sua morte, ao
contrário, tudo nele revela
o ser fluídico. É tão
marcada a diferença entre os
dois estados, que não podem
ser assimilados”.
Eis, quanto a essa
assertiva, uma prova mais
que evidente, narrada pelo
evangelista João:
E Maria estava chorando
fora, junto ao sepulcro.
Estando ela, pois, chorando,
abaixou-se para o sepulcro.
E viu dois anjos vestidos de
branco, assentados onde
jazera o corpo de Jesus, um
à cabeceira e outro aos pés.
E disseram-lhe eles: Mulher,
por que choras?
Ela lhes disse: Porque
levaram o meu Senhor, e não
sei onde o puseram.
E, tendo dito isto,
voltou-se para trás, e viu
Jesus em pé, mas não
sabia que era Jesus.
Disse-lhe Jesus: Mulher, por
que choras? Quem buscas?
Ela, cuidando que era o
hortelão, disse-lhe:
Senhor, se tu o levaste,
dize-me onde o puseste, e eu
o levarei.
Disse-lhe Jesus: Maria!
Ela, voltando-se, disse-lhe:
Raboni, que quer dizer:
Mestre.
Disse-lhe Jesus: Não me
detenhas, porque ainda não
subi para meu Pai, mas vai
para meus irmãos, e
dize-lhes que eu subo para
meu Pai e vosso Pai, meu
Deus e vosso Deus. Maria
Madalena foi e anunciou aos
discípulos que vira o
Senhor, e que ele lhe
dissera isto. (João
20:11-18.) (Grifamos.)
O episódio narrado por João
comprova dois fatos:
1º - que havia notável
diferença entre o corpo de
Jesus que Maria Madalena
conhecera de perto e o corpo
de Jesus pós-crucificação;
2º - que o corpo de Jesus
pós-crucificação, além de
diferente do outro, a ponto
de não ter sido reconhecido
por Maria, não continha as
marcas de sangue e os
ferimentos que lhe foram
causados por seus algozes.
A conclusão é óbvia e fácil:
o corpo de Jesus
pós-crucificação era seu
corpo espiritual ou
perispírito, em uma
manifestação vaporosa ou
tangível, tal como já foi
verificado em inúmeros casos
relatados na literatura
espírita, dos quais os
exemplos mais significativos
foram as materializações de
Katie King, entidade
espiritual que foi examinada
e fotografada pelo cientista
inglês Sir William Crookes.
(Sobre o caso Katie King, o
leitor pode obter outras
informações no texto
publicado na edição 59 desta
revista. Eis o link:
http://www.oconsolador.com.br/ano2/59/classicosdoespiritismo.html/.)
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