O pintor
Certo pintor foi
contratado para
pintar o barco
de um homem
rico, que morava
na mesma cidade
que ele. Durante
seu trabalho,
percebeu um furo
no casco, que
poderia provocar
o afundamento da
embarcação e pôr
em risco seus
ocupantes.
Reparou o
problema e
concluiu seu
trabalho,
deixando o barco
como novo.
Dias depois, o
dono do barco o
procurou para
pagar pelo
serviço feito.
Ao receber o
cheque, o pintor
notou que o
valor era muito
superior ao
combinado.
Estende-o de
volta, informa o
emitente sobre o
erro e o valor
correto. E o
homem rico se
explica:
― O cheque é seu
e você merece o
valor que
registrei aí.
Depois que
recebi o barco
de volta,
pintado, e
deixei que meus
filhos saíssem
nele, é que me
lembrei do furo
no casco, que
queria ter-lhe
pedido que
reparasse antes
da pintura.
Corri,
desesperado, até
à beira do lago,
imaginando que o
barco teria
afundado e meus
filhos morrido.
Encontrando-os
de volta à terra
firme, tomei
conhecimento de
que você havia
feito o conserto
sem que eu lhe
pedisse. Além do
serviço
perfeito, você
não me cobrou
por ele. Aliás,
sequer o
mencionou. Você
tem ideia do que
fez? Foi além do
demandado e
salvou a vida
dos meus filhos.
Receba o cheque
– você merece
cada centavo.
O pintor ouviu
com atenção e
retrucou:
― Por favor,
pegue seu cheque
de volta e me
faça outro, no
valor que
havíamos
combinado pela
pintura. Não me
tire a
oportunidade e o
prazer de ter
sido útil sem
ganho
financeiro. A
alegria que
sinto, sabendo
que fui útil,
ainda mais
acrescido com a
possibilidade de
ter salvado as
vidas de seus
filhos, é
pagamento mais
do que
suficiente pelo
que fiz. Além
disso, creio que
a vida deles
vale muito mais
do que isso.
Mesmo que eu
aceitasse seu
dinheiro, não
creio que você
consideraria que
foi o
suficiente.
Essa parábola,
cuja origem
desconhecemos,
nos leva a
refletir nas
nossas
motivações. De
tudo o que
fazemos num dia
de trabalho, o
que é motivado
pela remuneração
pretendida, e o
que é pelo
espírito de
servir além do
pagamento?
Quanto somos
levados a agir
em troca de
algo, e quanto
apenas pelo
prazer de fazer
um bem, mesmo
que pequeno? Que
fração de nós é
mercantil, e que
fração é
benemérita? Já
aprendemos a
agir de forma
totalmente
desinteressada,
pelo menos em
algumas
oportunidades,
ou só nos
movimentamos
tendo em vista
alguma
compensação?
Trabalhar por um
salário é justo
e necessário,
afinal de contas
precisamos
sobreviver. Mas
trabalhar só
pelo salário é
muito
empobrecedor.
Qualquer um que
só vise o ganho,
financeiro ou
não, sempre
recebe mais do
que vale.
O espírito de
servir vai muito
além do simples
trabalhar.
Implica uma
doação de algo
que flui da alma
e só pode
fazê-lo quem tem
o que doar.
Mercenários que
somos na maior
parte do tempo,
sempre pensamos
em termos de
reciprocidade.
Num mundo
mesmerizado pelo
consumismo
exacerbado,
pensamos o tempo
todo em termos
de troca – o que
ganho, se lhe
dou isso? Qual a
paga pelo meu
esforço extra?
Quanto vale cada
gesto que faço?
Nessa pauta,
perdemos um dos
prazeres mais
puros e, talvez,
o que mais
dignifica o
homem – o prazer
de servir por
servir, de fazer
o bem pelo bem.
Essa
incapacidade é
que nos leva a
cobrar a
gratidão do
outro – “Não
precisa me
pagar; basta-me
um ‘muito
obrigado’!” Na
própria
expressão de
agradecimento
está o
aprisionamento
moral do
beneficiado, que
passa a estar
obrigado a
uma
contrapartida. E
recusamos novos
préstimos, se o
outro não é
agradecido o
suficiente.
Doadores não
cogitam retorno.
Conta-se que
alguém,
observando o
trabalho
abnegado de
Madre Teresa de
Calcutá,
disse-lhe: ―
“Irmã, por
dinheiro nenhum
do mundo eu
faria o que a
senhora faz!”. E
ela respondeu: ―
“Nem eu, meu
filho, nem eu.”
Poucos entendem
essa postura, e
muitos a
reprocham.
O ato de bondade
desinteressado é
alimento para
nossas almas. Se
anônimo, então,
é néctar divino,
ambrosia que só
os moradores do
Olimpo do
espírito podem
apreciar.
Apesar de tudo,
esse tipo de
realização não é
difícil.
O indivíduo que
dedique um pouco
de atenção para
descobrir em
todo trabalho
que execute a
oportunidade de
servir,
encontrará
inúmeras
possibilidades.
É um motorista?
Dirija com
cuidado extra,
zelando algo
mais pela
segurança de
seus passageiros
e do trânsito em
volta. É um
atendente de
balcão ou
telefone? Seja
cortês além do
que lhe exige o
treinamento
recebido e a
etiqueta da
função. É um
artesão? Faça
seu produto como
quem executa uma
obra de arte,
não como um mero
objeto de
consumo. É um
gestor? Gerencie
com espírito de
líder, que se
sabe responsável
pela felicidade
de seus
liderados. É um
médico? Veja seu
paciente como
uma vida
demandando sua
cooperação para
prosseguir sua
caminhada, em
vez de apenas
mais um nome na
lista do
convênio.
Tudo na vida é
trabalho, e em
todo trabalho há
oportunidade de
servir, embora
nem sempre nos
preocupemos com
isso. E, se “o
trabalho-ação
transforma o
ambiente, o
trabalho-serviço
transforma o
homem”
(Emmanuel).
Estamos
servindo, para
construir um
mundo melhor, ou
apenas
trabalhando para
manter o que aí
está?