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Crônicas e Artigos

Ano 7 - N° 348 - 2 de Fevereiro de 2014

CHRISTINA NUNES
cfqsda@yahoo.com.br
Rio de Janeiro, RJ (Brasil)

 
 
 


A moeda de troca – crônica espírita


Bom dia, e de antemão meus votos de ótimas festas a todos os amigos, administradores da revista O Consolador, e aos leitores! O caso a seguir é um relato de mentores espirituais, transmitido através da ferramenta mediúnica da psicografia.

Em uma das múltiplas habitações da invisibilidade, acima da crosta planetária, um rapaz trajado de branco e de fisionomia simpática anuncia sua entrada na saleta onde um círculo de amigos ativos nas tarefas de assistência a reencarnados troca ideias em meio a sorrisos e comentários otimistas. O rapaz de aparência jovem, em questão, é aprendiz do ofício junto a eles, e traz consigo, por indicação de um amparador missionário da Terra, de seu conhecimento, um indivíduo de modos desconfiados e, até certo ponto, evidentemente perplexos. Um homem maduro, que observa tudo em volta como se inesperadamente se visse constrangido à visita ao ambiente de um outro país, estranho a seus hábitos e costumes. É este personagem, de seu lado, ligado a um dos presentes em reunião na saleta, que age à conta de protetor espiritual desde a data do seu renascimento na matéria.

- “Inácio, meus cumprimentos! Este irmão, ao que me informaram, é esperado por você hoje, para uma entrevista. Só agora se desligou pelo sono, e me pediram para conduzi-lo até a sua presença!” E fazendo ao cidadão um gesto cordial para que o seguisse, encaminhou-se com ele de encontro ao mentor de atitude acolhedora que, de imediato, interrompeu sua participação na conversa com seus pares, para destacar-se e dar-lhes a devida atenção. – “Deise pediu também para que lhe informasse de que ele, não necessariamente, solicitou este encontro, por meio de preces ou convites mentais que fossem; mas mencionou que você já está bem inteirado da situação, que pede sua interveniência, para um quadro delicado que vem persistindo no cotidiano terrestre do irmão aqui presente!”.

A isso, o outro, de pronto, devolveu-lhe o cumprimento, com um aperto de mão cordial, e confirmou com simplicidade: - “Sim! Obrigada, Elias! Em verdade, este encontro, aqui, deve-se mais à minha providência! O irmão Cláudio, de fato, precisa de instruções! Mas não pude esperar mais que ele mesmo se voltasse espontaneamente para esta necessidade individual, de vez que ignora os mecanismos que o auxiliariam. Houve que requisitar o seu encaminhamento diretamente a mim, nessas condições, sem mais demora!”. E sorriu ao rapaz solícito que o escutava, com serenidade: - “Agradeço-lhe a tutela ao meu convidado! Você pode ir, e informar à Deise que já nos achamos em entrevista, estendendo a ela os meus cumprimentos pelo favor do auxílio!”.

Assim, Isaías despediu-se. Inácio escusou-se com os demais presentes na sala, sempre sob a observação aturdida do personagem em situação de desprendimento temporário do corpo físico, e depois depositou nele, em definitivo, sua atenção paternal. Cumprimentou-o também, com breve aperto de mão, e explicou com brevidade, convidando-o a acompanhá-lo a um ambiente paralelo daquela Instituição, de menores dimensões, onde poderiam palestrar com privacidade. No caminho, esclareceu:

- “O irmão, naturalmente, não entende de pronto o que acontece aqui e agora. E a ocasião não permite que me estenda em explicações detalhadas de como é possível que esteja na minha presença no momento de seu sono noturno, quando lhe é possível vir de encontro a amigos seus, que residem no outro lado da vida, Cláudio! Seu condicionamento reencarnatório de momento dificulta sua compreensão para essas coisas, então devemos nos ater ao que de mais prático e útil posso mobilizar para ajudá-lo no seu quadro de vida atual, onde vem, voluntariamente, de há tempos, se envolvendo em dificuldades criadas por você mesmo!”.

O visitante enfim o encarou, ante a alusão mais clara às causas incompreensíveis de sua presença naquele lugar e com companhias que lhe pareciam, em tudo, estranhas. – “Dificuldades criadas por mim?! A que se refere? E quem é o senhor, afinal, se me permite perguntar?!”.

Na saleta de tamanho menor do que a anterior, mas confortável, silenciosa, e agradavelmente iluminada pelas claridades de janelas amplas por onde entravam as aragens perfumadas dos canteiros dos jardins do lado de fora, Inácio convidou seu tutelado a sentar-se no estofado confortável que tinham diante de si. Acomodou-se a seu lado, e começou a esclarecer:

- “Meu nome é Inácio. Sou seu guia espiritual na presente vida na Terra, e você me conhece, mas não haverá de se recordar agora; e, como disse há pouco, não dispomos de tempo suficiente a que lhe esclareça, neste sentido, todas as dúvidas. Então, vamos à sua pergunta. O seu contexto familiar, atualmente, vem lhe ocasionando lastimável estado de ânimo, e rumos equivocados de conduta, meu caro amigo. E, embora não nos solicite auxílio e apoio, todavia, acompanho de perto os acontecimentos de seus dias desde que se fez presente no seio familiar onde hoje habita, pela intermediação da irmã que o acompanha à conta de mãe! Ouço, nestas condições, reclamações mentais recorrentes a respeito da situação de seu casamento! Você precisa urgentemente entender pormenores importantes, que nunca serão demais reajustar para que nos encaminhemos, pelos próprios passos, num roteiro mais seguro de felicidade e maior harmonização com os que nos rodeiam em cada etapa da jornada material, que é curta!”.

Todavia, a cada palavra do mentor lúcido, em princípio, mais se confundia o homem em estágio de reencarnação terrena. Pediu que o outro fosse mais explícito, e este não se negou, recostando-se no assento e cruzando os braços, com bonomia. – “Meu irmão, o que entende, você, do que é a situação matrimonial no mundo?”.

- “O casamento?”

- “Sim!”

Cláudio deu de ombros: - “O que acontece com todos! Casamos com uma mulher, assinamos papéis, fazemos uma festa, e depois temos filhos!”.

Paciente, Inácio conduziu o diálogo: - “Apenas isso? Que entende do que deve acontecer depois? Da participação dos dois nos acontecimentos ao longo dos anos, no ambiente de uma família?”.

- “Eu não entendo o porquê disso tudo, de eu estar aqui falando nestes assuntos com o senhor!” - respondeu Cláudio, ainda intrigado, e já ameaçando uma condição de humor ingrata ante assuntos sobre os quais sentia inevitável incômodo.

- “Entenda que sou um seu grande amigo, e que pretendo ajudá-lo, Cláudio! Mesmo quando fazemos reclamações mentais, que acreditamos de posse só de nossa mente e de Deus, o pedido de socorro, de algum modo, é lançado e, como sempre acontece, amigos atendem e tentam oferecer apoio e amparo!”.

- “Mas..., que reclamações são estas?!”

- “Você reclama constantemente da irmã que participa a seu lado como esposa, já de há muitos anos!”.

- “É evidente! Ela me relega ao abandono e esquecimento! É indiferente comigo, e com as obrigações que lhe cabem no lar!”.

- “Vamos ver!” - pediu Inácio, confraterno – “Enumere-as! As obrigações que reputa faltantes às atenções de sua esposa!”.

- “Há muita coisa lançada ao descuido dentro de casa!”

- “Não cuida, ela, dos filhos?”

- “Não, não é bem isso! Pelo contrário!...”

- “Faltam os cuidados devidos à participação dela na manutenção do lar?”

- “Não, mas poderiam ser melhores!”

- “Trata-o com descortesia? Humilha-o, agride-o de algum modo vexatório? Deprecia sua pessoa na presença de estranhos?”

- “Não, se bem tenhamos nossos desentendimentos!...”

- “E não se dedica, ela, às obrigações conjugais que todos sabem indispensáveis ao repertório matrimonial! Eis, aí, o pormenor que mais lhe pesa aos ressentimentos! A frieza e desafeto da companheira!”

- “Não posso negar que sim!”

Claudio, sisudo, e já francamente incomodado naquele diálogo compulsório, admitiu, dando de ombros. E, neste ponto, o abnegado tutor das esferas espirituais mudou sua posição interna e externa, e conduziu a conversa para outro nível.

- “Bem. Vamos ao que lhe diz respeito! E qual sua participação na rotina do lar?”

- “Estou presente, durante todos estes anos!”

O tutelado de imediato assumiu a postura defensiva, desviando o olhar agora de brilho embaciado pelas sombras de descontentamento, a se adensarem, de momento para momento.

- “Mas, meu irmão, o que chama de "estar presente"? Repetirei para você as mesmas lembranças a que me referi em relação à irmã que lhe é esposa! Cuida dos detalhes que merecem reparo na casa onde habitam? Aqueles mesmos de que disse, há pouco, lançar ao descuido a sua companheira?...”

Houve uma pausa incômoda. Cláudio parou, em silêncio, e mexeu-se no estofado onde se acomodava.

- “Faço o que posso!...”

Largou a declaração um tanto perdida, enfim: - “Trabalho muito! Sinto cansaço!”

- “E sua esposa trabalha apenas no lar?”

- “Não, mas...”

- “Você observa se ela, também, faz o que pode?”

Novo silêncio. E, desta vez, uma expressão de pesar sombrio encobriu, involuntariamente, a fisionomia do visitante, que relanceou o olhar combalido de forma inusitada ao entrevistador amável que o fitava de dentro da mais franca cordialidade.

Não respondeu, e Inácio prosseguiu: - “Meu amigo. Não lhe ocorreu, ainda, que aqueles pormenores cotidianos que você acusa isentos de atenções melhores de sua esposa, poderiam, de fato, ser melhores com uma sua colaboração mais efetiva?”

- “Sim, mas o cansaço me impede!...”

- “Todavia...” - notou o interlocutor – “seu cansaço também, e certamente é o dela, uma vez que atende devidamente às necessidades dos seus filhos, e, ainda, ao trabalho profissional fora de casa! E em mencionando seus filhos... Reflitamos! Que cuidados vem somando aos dela às necessidades desses que lhes couberam para orientá-los e assegurar-lhes um caminho honrado nos palcos do mundo?”

- “Encaminhei-os, com ela, ao estudo. Supro algumas necessidades materiais!”

- “E as espirituais e emocionais? As mais importantes, meu amigo, porque, ainda que com o estômago cheio, se a alma se vê faminta de afeto e atenções a que tem direito pelo nascimento, existe grande risco de desequilíbrio na harmonia dos caminhos do mundo, de futuro!”

Nova pausa, e o entrevistado considerou: - “Ora, se eu não tenho muito tempo, minha esposa, de seu lado, os paparica sempre que pode!”

- “Meu irmão, julgo "paparicar" um termo um pouco inadequado para este alimento de espírito a que me refiro! Seus filhinhos não foram ao mundo somente para estudar, comer e vestir! E o estímulo do amor ostensivo em atitudes e palavras? Eis, aí, o maior esteio, fora do qual a humanidade se lança na mostra lamentável de invigilância e sofrimento na qual a vemos nos dias de hoje!”

E como Cláudio somente o encarasse, entre a perplexidade e um visível estado de conflito interior, Inácio inspirou, relanceando o olhar pensativo nos arredores agradáveis da saleta, e esboçou um gesto conciliador, acrescentando, oportuno: - “São estes os tópicos sobre os quais sugiro que medite com a devida seriedade, Cláudio! Porque pode estar aí a origem da insatisfação amarga de sua companheira, que determina todo o quadro conjugal que, no íntimo, você reputa injusto!”

- “Mas, apesar do que insinua, de fato é injusto comigo que ela não me dê atenção e a devida importância!

- “A relação matrimonial, à semelhança de todas as outras que experimentamos ao longo da vida, é uma troca confraterna! Já parou, porém, para avaliar, nos assuntos que aqui analisamos, a qualidade da importância que você mesmo vem dispensando a ela, e aos detalhes do cenário familiar que você mesmo elegeu para construir, ao lado da irmã que convidou a se unir pelos laços de amor?”

E como se nova pausa pesasse no diálogo delicado, Inácio, compadecido da amargura íntima de seu tutelado, cruzou as mãos sobre o colo, comentando a instrução final:

- “Filho, entenda uma verdade! O casamento é o rumo pelo qual os seres escolhem orientar sua afetividade por caminhos sãos, distanciados da promiscuidade deprimente que grassa no planeta! Mas o que pavimenta este caminho são justamente os pormenores diminutos da rotina diária! Você reclama direitos conjugais, como se o papel assinado no ato do sacramento representasse moeda de troca, pela qual sua esposa, obrigatoriamente, se visse constrangida a lhe ofertar determinadas primazias de sua intimidade; mas, em contrapartida, despojada de todos os demais direitos a que faz jus de sua parte, de amparo, companheirismo e afetividade, e que, por costume, dispensamos, muitas vezes e de boa vontade, aos mais distanciados conhecidos de nosso convívio consanguíneo!”. Fixou-o, como pai amoroso, e continuou: - “Entenda, então, Cláudio, onde está a raiz do problema! O laço matrimonial é condição escolhida, de própria iniciativa, por dois seres, para construção de relações de respeito, cumplicidade e harmonia, na criação dos filhos, e durante as lições oferecidas a ambos pela escola pródiga da vida!”

E, acentuando a seriedade do tom, arrematou:

- “Casamento não é pagamento efetivado com um tipo de moeda diversa e através dos papéis da celebração nos ofícios por serviços, que, apenas, neste caso, estariam travestidos pela legalidade civil, mas, em realidade, semelhantes às meras negociatas realizadas nas sarjetas das transações sombrias da venda vil da sexualidade feminina, nos recantos de maior sofrimento do mundo!...”.

Entreolharam-se, tutor espiritual e protegido.

E Cláudio, nada embora as condições precárias de alcance espiritual do seu presente estágio evolutivo, aparentou sentir como que uma nova luz, bruxuleante, acendendo-se no seu íntimo desalentado.

 

 

 

 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita