Em carta publicada nesta
mesma edição, o leitor
Manoel Goulart, de Serra
(ES), diz-nos o seguinte:
–
Trabalho em reunião
mediúnica e tem vezes que o
Espírito se aproxima mas não
fala. Ele é socorrido? Como?
O fato é conhecido de todas
as pessoas que lidam com as
sessões práticas do
Espiritismo, mas é provável
que nem todos saibam que
dois importantes estudiosos
da matéria já se
manifestaram a respeito.
Referimo-nos a Suely Caldas
Schubert e Hermínio Corrêa
de Miranda.
No livro Diálogo com as
Sombras, Hermínio
refere-se ao fato em várias
oportunidades. Eis trechos
do seu livro que focalizam o
assunto:
Às vezes, o Espírito começa
logo a falar, ou a
esbravejar, mas, usualmente,
ele precisa de alguns
segundos para apossar-se dos
controles psíquicos do
médium, e não consegue
falar senão depois de se
ter acomodado bem à
organização do seu
instrumento; o doutrinador
deve aproveitar esses
momentos para uma palavra de
boas-vindas, saudando-o com
atenção, carinho e respeito.
Em alguns casos o Espírito
somente consegue
expressar-se a muito custo,
em virtude de seu estado de
perturbação, de indignação,
ou por estar com deformações
perispirituais que o inibem.
De outras vezes, usando de
ardis, ou preparando
ciladas, mantém-se em
silêncio, para que o
doutrinador se esgote, na
tentativa de descobrir suas
motivações, a fim de tentar
ajudá-lo, com o que ele se
diverte bastante.
(Diálogo com as Sombras,
cap. 29.)
Em uma oportunidade, tivemos
também um caso, intensamente
dramático, de um pobre
sofredor, guilhotinado na
França, durante a Revolução.
Desde então — segundo
apuramos em seguida — trazia
a cabeça “destacada do
corpo”, na mão direita,
segura pelos cabelos. O
diálogo inicial foi difícil,
pois convicto de que estava
sem cabeça, ele não tinha
condições de falar. A
custo, porém, o fui
convencendo de que podia
falar através do médium.
Vivia apavorado ante a ideia
de perder de vista a cabeça
e nunca mais recuperá-la.
Enquanto a tivesse ali, à
mão, mesmo decepada,
alimentava a esperança de
“repô-la” no lugar. Isto foi
possível fazer, com a graça
de Deus. Oramos e lhe demos
passes. Subitamente, ele
sentiu que a cabeça voltara
à sua posição correta. Louco
de alegria, ele apalpava-se
e só sabia repetir:
— Ela está aqui! Ela está
aqui!...
E conferia, com a ponta dos
dedos, toda a anatomia
facial e craniana: os olhos,
o nariz, a boca, as orelhas.
Estava tudo lá. E dizia:
— Posso falar! Estou
falando! (Obra citada,
cap. 30.)
De outras vezes,
apresentaram-se pobres
infelizes, que não podiam
expressar-se senão por
gestos, porque a língua
lhes tinha sido extirpada.
Um destes, depois de
reconstituída a sua
condição, em vez de
agradecer a Deus o benefício
que acabava de receber,
declarou que se vingaria
daquele que, em antiga
existência, mandara
mutilá-lo. Foi-lhe mostrado,
então, que, em existência
anterior àquela, ele próprio
mandara cortar a língua
daquele mesmo que, depois,
ordenou a sua mutilação. Nem
assim ele se deu por achado:
aquele a quem ele privara da
língua não passava de um
cão, pois era um mero
escravo... Havia, porém,
chegado a sua vez, e ele,
não resistindo à realidade,
entrou numa crise de
arrependimento que o salvou.
Um dos casos mais dramáticos
que presenciei foi o de um
companheiro que havia sido
reduzido, por métodos
implacáveis de hipnose, à
condição de um fauno. Estava
de tal maneira preso à sua
indução, que não podia
falar, pois um fauno não
fala. A despeito de
tudo, porém, acabou falando
inteligivelmente, para
enorme surpresa sua.
(Obra citada, cap. 12.)
Tivemos, certa ocasião, um
doloroso caso de
licantropia. Ao
apresentar-se, incorporado
no médium, o Espírito não
consegue articular
nenhuma palavra.
Inteiramente animalizado,
sabe apenas rosnar,
esforçando-se por me morder.
Embora o médium se mantenha
sentado, ele investe contra
mim, procurando atingir-me
com as mãos, dobradas, como
se fossem patas; de vez em
quando, ameaça outro
componente do grupo.
Lembro-me de vagas cenas de
atividades em desdobramento
noturno, quando resgatamos,
de sinistra região das
trevas, um ser vivo que, em
estado de vigília, não
consegui caracterizar.
Como ele não tinha
condições de falar,
falei eu, tentando
convencê-lo de que era um
ser humano, e não um animal.
A conversa foi longa e
difícil. Sabia que,
diretamente, ele ainda não
tinha possibilidade de
entender com clareza as
palavras que eu dizia, mas
estava certo de que, aos
poucos, se tornaria sensível
às vibrações de carinho e
compreensão que sustentavam
aquelas palavras. Falei-lhe,
pois, continuamente, por
longo tempo, procurando
desimantá-lo, para
libertá-lo do seu terrível
condicionamento. Repetia-lhe
que era um ser humano e não
um animal; que tinha mãos, e
não patas, unhas e não
garras. (Obra citada,
cap. 12.)
(Os grifos são nossos.)
As situações referidas acima
não esgotam o assunto,
porque há outros motivos que
podem levar determinado
Espírito, numa sessão
mediúnica, a não falar.
Segundo o que Suely Caldas
Schubert expôs no cap. 12 da
3ª parte do livro
Obsessão/Desobsessão,
podem apresentar-se mais os
seguintes motivos:
-
problemas de ordem
mental que interferem no
centro da fala
-
ódio intenso que
oblitera a capacidade do
Espírito de transmitir o
que sente ou pensa
-
reflexo de doenças
contraídas antes da
desencarnação e que
persistem no além-túmulo
por algum tempo
-
desejo do Espírito de
não revelar o que pensa,
em uma atitude de defesa
contra o trabalho que
julga estar sendo feito
junto dele.
Em face da mudez do
Espírito, que deve fazer o
doutrinador?
Não existe uma norma escrita
que devamos seguir. O bom
senso e a intuição exercem
em casos assim um papel
importante.
Suely Caldas Schubert, no
mesmo capítulo da obra acima
mencionada, diz que não
existe necessidade real de
insistir para que a entidade
fale, forçando-a com
perguntas, porque nem sempre
isso é o melhor para o
comunicante. O doutrinador
deve, então, procurar
sentir, sondar, captar os
sentimentos que o Espírito
revele, fato que não é tão
difícil quanto parece, visto
que
os que sofrem ou os que se
comprazem no ódio deixam
transparecer seu estado
íntimo. Necessitado do nosso
amor e da nossa atenção, o
doutrinador deve dizer-lhe
palavras de reconforto,
aguardando que responda
espontaneamente.
Os Espíritos que tiverem
realmente problema de mudez
conseguirão, por meio de
gestos, demonstrá-lo. O
doutrinador irá, então, aos
poucos, conscientizando-os
de que esse problema pode
ser resolvido, porque nada
mais é que uma consequência
da deficiência do corpo
físico. Claro que, em
condições como essas, o
passe e a prece ajudarão de
forma significativa na
superação do obstáculo.
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