"Morre um capim, nasce
outro."
Eram pouco mais de 19h30 de
domingo, 30 de junho de
2002, quando o coração de
Chico Xavier parou. Chico
tinha acabado de deitar-se
na cama estreita de seu
quarto acanhado para mais
uma noite de sono. Pouco
antes de dormir, ergueu as
mãos para o alto, como
sempre fazia, e rezou pela
última vez.
Chico morreu em casa, como
queria, sem dor nem
sofrimento. Poucas horas
antes, ele chamou o
enfermeiro que sempre o
acompanhava. Precisava de
ajuda para fazer a barba,
mas Sidnei tinha viajado. A
reação de Chico, ao saber da
viagem, foi rápida e
intrigante: Não vai dar
tempo.
Nos últimos dias, a
cozinheira da casa, Josiane
Alberto, estranhou o
comportamento de Chico.
Bastava ela trazer um copo
de água para Chico
agradecer: Jesus vai te
abençoar. Muito obrigado.
Passou a semana agradecendo.
Era como se estivesse se
despedindo.
Foi esta a sensação que teve
o médium Celso de Almeida
Afonso ao visitá-lo na
semana anterior. “Agora
vieram todos” – Chico disse
ao vê-lo, depois de uma
sucessão de visitas de
outros médiuns.
O líder espírita morreu
exatos oito dias antes da
data em que seria alvo de
uma série de homenagens e
comemorações: os 75 anos de
sua mediunidade.
Para os amigos mais íntimos,
a morte, naquele momento, o
poupou de novos desgastes
com eventos e compromissos.
Chico planejou com cuidado a
própria despedida. Uma de
suas principais preocupações
era impedir que impostores
divulgassem, após sua morte,
supostas mensagens
transmitidas por ele. Temia
que, em busca de projeção,
médiuns se apresentassem
como porta-vozes de seu
Espírito. Para evitar
fraudes, Chico combinou um
código secreto com três
pessoas de sua confiança: o
médico e amigo Eurípedes
Tahan Vieira, o filho
adotivo Eurípedes Higino dos
Reis e Kátia Maria, sua
acompanhante nos últimos
anos de vida. Três
informações deveriam constar
da primeira mensagem enviada
do além. Na tarde anterior à
própria morte, Chico
confirmou o código com
Eurípedes Tahan e avisou:
“Vocês saberão quem sou eu”.
Traduzindo: depois de morto,
Chico revelaria um dos seus
segredos mais bem guardados:
quem ele teria sido na
última encarnação. Ele
pensou em cada detalhe. Seu
corpo deveria ser velado no
Grupo Espírita da Prece
durante 48 horas, para que
todos tivessem tempo de se
despedir, sem confusão. O
enterro seria feito no
cemitério São João Batista,
em Uberaba, a cidade que o
acolheu em janeiro de 1959,
quando Chico deixou para
trás a família e os amigos
da cidade natal, a também
mineira Pedro Leopoldo.
Foram feitas, é claro, as
suas vontades.
Quando a notícia sobre a
morte dele se espalhou,
fogos de artifício ainda
espocavam nos céus de
Uberaba e do Brasil. O país
festejava a conquista do
pentacampeonato da Copa do
Mundo de futebol. O jogo
decisivo aconteceu na
madrugada de sábado para
domingo. Mas a principal
notícia em Uberaba logo se
tornou Chico Xavier.
Repórteres, fotógrafos e
cinegrafistas correram para
a casa dele. O corpo do
médium saiu de casa por
volta das 23h30 pelo portão
dos fundos, rumo ao Grupo
Espírita da Prece, o centro
fundado por ele em 1975.
Aplausos o saudaram na saída
de casa e na chegada ao
Centro.
Uma fila de admiradores logo
dobrou o quarteirão e se
prolongou dia e noite, por
dois dias. A Polícia Militar
e o Corpo de Bombeiros foram
mobilizados e, de todo canto
do país, chegaram os devotos
de Chico Xavier.
Mães e pais que perderam
filhos e foram consolados
por ele; pobres que teriam
morrido de fome ou de frio
sem a ajuda dos mutirões que
ele promovia; espíritas e
não espíritas de todo o
país, que aprenderam a ter
fé com a ajuda de Chico.
As 48 horas de velório foram
suficientes para que as
caravanas de ônibus
chegassem em paz. A Polícia
Militar fez as contas: 2.500
pessoas por hora, em média,
se despediram de Chico no
Grupo Espírita da Prece. Ao
todo, 120 mil pessoas. A
fila para ver o corpo
atingiu quatro quilômetros e
chegou a exigir uma espera
de aproximadamente três
horas.
Coroas de flores foram
enviadas de todo o país por
políticos, artistas,
admiradores anônimos,
enquanto o prefeito
decretava feriado na cidade,
o Governador anunciava luto
oficial por três dias, e o
Presidente Fernando Henrique
Cardoso divulgava uma
mensagem sobre a importância
do líder espírita para o
país e para os pobres.
Texto extraído do livro: “As
vidas de Chico Xavier”, de
Marcel Souto Maior, editora
Planeta do Brasil Ltda.
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