Um amigo radicado em
Campinas (SP) enviou-nos uma
interessante pergunta,
redigida nestes termos:
– É comum vermos aqui no
Brasil o nome de J.
Herculano Pires associado a
eventos promovidos por
confrades que divulgam o
pensamento laico, segundo o
qual o Espiritismo não seria
uma religião. Afinal,
Herculano Pires também tinha
esse pensamento? Que é que
ele escreveu sobre o
assunto?
Não, J. Herculano Pires não
comungava essa ideia.
O que ele escreveu sobre a
natureza religiosa do
Espiritismo é bastante claro
e bem conhecido. O leitor
pode conferir suas ideias
lendo a tradução d´O
Livro dos Espíritos que
ele fez, a pedido da LAKE,
por ocasião das comemorações
do centenário da mencionada
obra, ideias essas por ele
reiteradas quando da
publicação pela Edicel do
livro O Tesouro dos
Espíritas, de Miguel
Vives y Vives.
Escreveu Herculano Pires:
“A religião espírita se
traduz em espírito e
verdade. O que interessa a
Deus não é a precária
exterioridade dos ritos e do
culto convencional, quase
sempre vazio: é o pensamento
e o sentimento do homem. A
adoração da divindade é uma
lei natural, tanto quanto a
lei de gravidade. O homem
gravita para Deus como a
pedra gravita para a Terra e
esta para o Sol. Mas as
manifestações exteriores da
adoração não são
necessárias.
"No item 653 vemos a clara
resposta dos Espíritos a
respeito: ’A verdadeira
adoração é a do coração. Em
todas as vossas ações,
pensai sempre que o Senhor
vos observa’. A vida
contemplativa é condenada,
porque inútil, assim também
a monacal, pois Deus não
quer o cultivo egoísta do
sentimento religioso, mas a
prática da caridade, a
experiência viva e constante
do amor, através das
relações humanas.
“O Livro dos Espíritos
não deixa de lado o problema
do culto religioso, que
necessita manifestar a sua
religiosidade: essa
manifestação se verifica nas
formas naturais de adoração,
uma das quais é a prece.
Pela prece o homem pensa em
Deus, aproxima-se dele,
põe-se em comunicação com
ele. É o que vemos a partir
do item 658. Pela prece, o
homem pode evoluir mais
depressa, elevar-se mais
rapidamente sobre si mesmo.
Mas a prece também não pode
ser apenas formal. Por ela,
podemos fazer três coisas:
louvar, pedir e agradecer a
Deus, mas desde que o
façamos com o coração, e não
apenas com os lábios.
“Temos assim a religião
espírita, que mais tarde se
definirá de maneira mais
objetiva ou direta em O
Evangelho segundo o
Espiritismo. Uma
religião psíquica, como a
chamou Conan Doyle,
equivalente à ‘religião
dinâmica’ de Bergson. No
capítulo V da Conclusão
Kardec afirma: ‘O
Espiritismo é forte porque
se apoia nas próprias bases
da religião: Deus, a alma,
as penas e recompensas
futuras, e porque sobretudo
mostra essas penas e
recompensas como
consequências naturais da
vida terrena, oferecendo um
quadro do futuro em que nada
pode ser contestado pela
mais exigente razão’.
Enfim: religião positiva,
baseada nas leis naturais,
destituída de aparatos
misteriosos e de teologia
imaginosa.”
(Introdução ao Livro dos
Espíritos, redigida por J.
Herculano Pires por ocasião
da edição especial da LAKE,
comemorativa do centenário
d´O Livro dos Espíritos,
em 18 de abril de 1957.)
Anos mais tarde, no livro
O Tesouro dos Espíritas,
por ele traduzido, Herculano
Pires voltou ao tema. Eis
então, de forma sintética, o
que ele escreveu:
O Espiritismo é a Religião
em espírito e verdade, de
que Jesus falou à mulher
samaritana. Mas há espíritas
que não compreendem isso e
negam a religião espírita.
“É possível tirarmos do
Espiritismo a fé em Deus e a
lei da caridade?”
(O Tesouro dos Espíritas, p.
174.)
Todo o problema, que tanta
celeuma tem levantado entre
alguns irmãos intelectuais,
se resume na falta de
compreensão do que seja
religião. Os confrades
antirreligiosos gastam tinta
e papel em quantidade por
quererem provar um
absurdo. “Alegam que Kardec
se recusou a chamar o
Espiritismo de religião. Mas
o próprio Kardec explicou
por que o evitou – não se
recusou, mas apenas evitou –
chamar o Espiritismo de
religião: não queria
confundir uma doutrina de
luz e liberdade com as
organizações dogmáticas e
fanáticas do mundo
religioso.”
(Obra citada, pp. 174 e
175.)
Todo homem de cultura hoje
compreende que religião não
é igreja, mas sentimento.
Henri Bergson ensinou que há
dois tipos de religião: a
social, que é dogmática e
estática, e a individual,
que é livre e dinâmica.
Assim pensava também
Henrique Pestalozzi, para
quem a religião verdadeira é
a Moralidade. Vemos aí um
dos motivos por que Kardec
dizia que o Espiritismo tem
consequências morais, em vez
de referir-se a
consequências religiosas.
“Hoje em dia, o Codificador
não teria dúvida em falar de
religião, porque o conceito
atual de religião é muito
mais amplo.”
(Obra citada, pp. 175 e
176.)
O Espiritismo tem três
aspectos, como sabemos: o
científico, no qual ele se
apresenta como ciência de
observação e investigação,
tratando dos fenômenos
espíritas; o filosófico, no
qual procura interpretar os
resultados da investigação
científica e dar-nos uma
visão nova do mundo; e o
religioso, no qual nos
ensina como aplicar, na vida
prática, os princípios da
filosofia espírita.
“Queremos, acaso, ficar
apenas nos princípios, sem
aplicá-los?”
(Obra citada, p. 176.)
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