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O Espiritismo responde
Ano 8 - N° 370 - 6 de Julho de 2014
ASTOLFO O. DE OLIVEIRA FILHO
aoofilho@oconsolador.com.br
Londrina, Paraná (Brasil)
 
BLOG
ESPIRITISMO SÉCULO XXI
 


 
Com a fidalguia que se espera de um espírita verdadeiro, três leitores de nossa revista – Leandro Cosme Oliveira Couto (Belo Horizonte, MG), Luiz Alberto Cunha da Silva (Viamão, RS) e Fernando Rosemberg Patrocínio (Uberaba, MG) –, conforme mensagens publicadas na seção de Cartas desta mesma edição, estranharam a resposta dada à leitora Zilma Dias Keown na edição 369 desta revista.

Eis a mensagem recebida da leitora:  

De: Zilma Dias Keown (Jacksonville – Flórida, Estados Unidos)
Sexta-feira, 20 de junho de 2014 às 14:27:33
Boa tarde! Gostaria muito de saber se Maria mãe de Jesus teve outros filhos além de Jesus. Li a respeito no livro A Gênese, mas, burrinha como sou, não entendi muito bem. Desde já agradeço-lhe pela atenção.
Zilma

Eis o que lhe foi respondido: 

“A questão proposta pela leitora não foi jamais examinada por Kardec nem, ao que sabemos, por nenhum autor espírita. Sempre que esse assunto vem à baila, dizemos o que está escrito em nota de rodapé constante da pág. 11 da edição do Novo Testamento publicada em 1980 por LEB – Edições Loyola, a saber: o Novo Testamento não conhece outros filhos de Maria, nem de José; nunca, em nenhuma passagem do NT, ninguém é chamado filho de Maria, a não ser Jesus, e nunca, em nenhum texto, de ninguém Maria é chamada mãe, a não ser de Jesus.”

A estranheza dos leitores acima citados prende-se ao fato de que o próprio Allan Kardec referiu-se no cap. XIV d´O Evangelho segundo o Espiritismo aos irmãos de Jesus, o que, para eles, é uma clara evidência de que José e Maria tiveram outros filhos. Além da referência feita a Kardec, os leitores mencionaram várias passagens do Novo Testamento em que se faz alusão aos irmãos de Jesus, fato que serviria como comprovação do que o Codificador do Espiritismo escreveu.

Não ignoramos que Kardec e o Novo Testamento fizeram referência ao termo “irmãos”, aludindo com isso a Jesus de Nazaré, mas é preciso convir, como dissemos inicialmente, que o Novo Testamento, em nenhum de seus livros, fala sobre “filhos” de Maria. E foi essa, exatamente essa, a questão tratada na resposta dada à leitora Zilma Dias Keown.

Ela não perguntou se Jesus teve “irmãos”: ela perguntou se Maria teve outros “filhos”, o que é coisa bem diferente.

Filhos de Jacó, José e Benjamim, cuja mãe se chamava Raquel, tinham dez irmãos e uma irmã de nome Dina. Raquel, porém, foi mãe apenas de dois filhos, visto que os outros filhos de Jacó e irmãos de José e Benjamim foram gestados por Bala (Dan e Nefthali), Zelfa (Gad e Aser) e Lia (Ruben, Simeão, Levi, Judá, Isacar e Zabulon).

O Novo Testamento faz, realmente, diversas referências aos “irmãos” de Jesus, como mostram os trechos abaixo: 

E não vi a nenhum outro dos apóstolos, senão a Tiago, irmão do Senhor. Gálatas 1:19

Todos estes perseveravam unanimemente em oração e súplicas, com as mulheres, e Maria mãe de Jesus, e com seus irmãos. Atos 1:14

Não temos nós direito de levar conosco uma esposa crente, como também os demais apóstolos, e os irmãos do Senhor, e Cefas? Ou só eu e Barnabé não temos direito de deixar de trabalhar? 1 Coríntios 9:5-6

Chegaram, então, seus irmãos e sua mãe; e, estando fora, mandaram-no chamar. E a multidão estava assentada ao redor dele, e disseram-lhe: Eis que tua mãe e teus irmãos te procuram, e estão lá fora. E ele lhes respondeu, dizendo: Quem é minha mãe e meus irmãos? Marcos 3:31-33

E, chegando o sábado, começou a ensinar na sinagoga; e muitos, ouvindo-o, se admiravam, dizendo: De onde lhe vêm estas coisas? e que sabedoria é esta que lhe foi dada? e como se fazem tais maravilhas por suas mãos? Não é este o carpinteiro, filho de Maria, e irmão de Tiago, e de José, e de Judas e de Simão? e não estão aqui conosco suas irmãs? E escandalizavam-se nele. Marcos 6:2-3

E, falando ele ainda à multidão, eis que estavam fora sua mãe e seus irmãos, pretendendo falar-lhe. E disse-lhe alguém: Eis que estão ali fora tua mãe e teus irmãos, que querem falar-te. Ele, porém, respondendo, disse ao que lhe falara: Quem é minha mãe? E quem são meus irmãos? Mateus 12:46-48

E, chegando à sua pátria, ensinava-os na sinagoga deles, de sorte que se maravilhavam, e diziam: De onde veio a este a sabedoria, e estas maravilhas? Não é este o filho do carpinteiro? e não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos Tiago, e José, e Simão, e Judas? E não estão entre nós todas as suas irmãs? De onde lhe veio, pois, tudo isto? Mateus 13:54-56

Disseram-lhe, pois, seus irmãos: Sai daqui, e vai para a Judeia, para que também os teus discípulos vejam as obras que fazes. Porque não há ninguém que procure ser conhecido que faça coisa alguma em oculto. Se fazes estas coisas, manifesta-te ao mundo. Porque nem mesmo seus irmãos criam nele. João 7:3-5 

Tantas passagens não permitem que se negue o fato. Mas – perguntamos – o termo “irmãos” usado por Paulo e pelos evangelistas teria o sentido estrito que damos usualmente a essa palavra?

Carlos Torres Pastorino estudou meticulosamente o assunto e chegou a uma conclusão diferente da opinião dos nossos três leitores.

Segundo Pastorino, como se pode ler em sua obra Sabedoria do Evangelho - Volume 2, os quatro personagens citados como “irmãos” de Jesus – Tiago, José, Simão e Judas – seriam, em verdade, primos-irmãos de Jesus, parentesco que costumava ser abreviado com a simples palavra "irmão".

Alguns pais da Igreja, como Orígenes, Epifânio, Gregório de Nissa, Hilário, Ambrósio e Eusébio, entendiam que eles fossem filhos de José, frutos de um primeiro matrimônio que o pai de Jesus teria tido, hipótese que Jerônimo refutou. Na obra de Pastorino a que nos reportamos, os interessados podem verificar as fontes em que Pastorino se baseou para expressar suas conclusões.

Registra o evangelista João, na parte final de suas anotações, uma passagem importante que dá apoio ao pensamento de Pastorino. Ei-la:

“E junto à cruz de Jesus estava sua mãe, e a irmã de sua mãe, Maria mulher de Clopas, e Maria Madalena. Ora, Jesus, vendo ali sua mãe, e que o discípulo a quem ele amava estava presente, disse a sua mãe: Mulher, eis aí o teu filho. Depois disse ao discípulo: Eis aí tua mãe. E desde aquela hora o discípulo a recebeu em sua casa.” (João 19:25-27.)

Eis os comentários feitos por Pastorino à passagem transcrita:

“Foi quando Jesus cônscio de si e com todas as Suas energias, percorreu o olhar pelas pessoas ali presentes, e proferiu as frases curtas e incisivas: Mulher, eis teu filho (gynai, híde ho huiós sou). Com isso nomeava João, o discípulo amado, como Seu substituto legal no afeto de Maria. Voltando-se, depois, para João, ratifica o mesmo legado: eis tua mãe (híde hê mêtêr sou). E o evangelista acrescenta: e desde essa hora, tomou-a o discípulo como coisa própria (eis tà ídia), ou a seu cargo.

(...)

Anotemos, de passagem, que se Maria tivesse tido outros filhos, ou mesmo enteados (filhos do primeiro matrimônio de José), esse gesto de Jesus tem ensanchas de magoá-los profundamente. Daí termos aceitado, desde o início, a hipótese da expressão ‘irmãos de Jesus’, como sendo seus primos irmãos.

(...)

João, a essa época, parece que contava cerca de 21 ou 22 anos. A partir daí, João manteve Maria a seu lado, tendo-a levado para Éfeso, segundo a tradição, onde ela veio a falecer muitos anos depois.” (Sabedoria do Evangelho, Volume 8, p. 154 a 158.) 

No cap. 5 do livro Boa Nova, psicografia de Chico Xavier, Humberto de Campos (Espírito) diz que Levi, Tadeu e Tiago, filhos de Alfeu e sua esposa Cleofas, parenta de Maria, eram nazarenos e amavam a Jesus desde a infância, sendo muitas vezes chamados “os irmãos do Senhor”, à vista de suas profundas afinidades afetivas.

Quanto à informação de que Maria foi efetivamente morar em Éfeso com o evangelista João, o cap. 30 da mesma obra é recheado de preciosas informações, que vale a pena ler.

Eis alguns trechos do citado capítulo:

Maria deixou-se enlaçar pelo discípulo querido e ambos, ao pé do madeiro, em gesto súplice, buscaram ansiosamente a luz daqueles olhos misericordiosos, no cúmulo dos tormentos. Foi aí que a fronte do divino supliciado se moveu vagarosamente, revelando perceber a ansiedade daquelas duas almas em extremo desalento. “Meu filho! Meu amado filho!“ exclamou a mártir, em aflição diante da serenidade daquele olhar de melancolia intraduzível.

O Cristo pareceu meditar no auge de suas dores, mas, como se quisesse demonstrar, no instante derradeiro, a grandeza de sua coragem e a sua perfeita comunhão com Deus, replicou com significativo movimento dos olhos vigilantes: “Mãe, eis aí teu filho!. . .“ E dirigindo-se, de modo especial, com um leve aceno, ao apóstolo, disse: “Filho, eis aí tua mãe!”

(...)

Após a separação dos discípulos, que se dispersaram por lugares diferentes, para a difusão da Boa Nova, Maria retirou-se para a Betaneia, onde alguns parentes mais próximos a esperavam com especial carinho. Os anos começaram a rolar, silenciosos e tristes, para a angustiada saudade de seu coração.

Tocada por grandes dissabores, observou que, em tempo rápido, as lembranças do filho amado se convertiam em elementos de ásperas discussões, entre os seus seguidores. Na Bataneia, pretendia-se manter uma certa aristocracia espiritual, por efeito dos laços consanguíneos que ali a prendiam, em virtude dos elos que a ligavam a José. Em Jerusalém, digladiavam-se os cristãos e os judeus, com veemência e acrimônia. Na Galileia, os antigos cenáculos simples e amoráveis da Natureza estavam tristes e desertos.

Para aquela mãe amorosa, cuja alma digna observava que o vinho generoso de Caná se transformara no vinagre do martírio, o tempo assinalava sempre uma saudade maior no mundo e uma esperança cada vez mais elevada no céu.

Sua vida era uma devoção incessante ao rosário imenso da saudade, às lembranças mais queridas. Tudo que o passado feliz edificara em seu mundo interior revivia na tela de suas lembranças, com minúcias somente conhecidas do amor, e lhe alimentavam a seiva da vida.

Relembrava o seu Jesus pequenino, como naquela noite de beleza prodigiosa, em que o recebera nos braços maternais, iluminado pelo mais doce mistério. Figurava-se-lhe escutar ainda o balido das ovelhas que vinham, apressadas, acercar-se do berço que se formara de improviso.

E aquele primeiro beijo, feito de carinho e de luz? As reminiscências envolviam a realidade longínqua de singulares belezas para o seu coração sensível e generoso. Em seguida, era o rio das recordações desaguando, sem cessar, na sua alma rica de sentimentalidade e ternura. Nazaré lhe voltava à imaginação, com as suas paisagens de felicidade e de luz. A casa singela, a fonte amiga, a sinceridade das afeições, o lago majestoso e, no meio de todos os detalhes, o filho adorado, trabalhando e amando, no erguimento da mais elevada concepção de Deus, entre os homens da Terra. De vez em quando, parecia vê-lo em seus sonhos repletos de esperança. Jesus lhe prometia o júbilo encantador de sua presença e participava da carícia de suas recordações.

A esse tempo, o filho de Zebedeu, tendo presentes as observações que o Mestre lhe fizera da cruz, surgiu na Bataneia, oferecendo àquele espírito saudoso de mãe o refúgio amoroso de sua proteção. Maria aceitou o oferecimento, com satisfação imensa.

E João lhe contou a sua nova vida. Instalara-se definitivamente em Éfeso, onde as ideias cristãs ganhavam terreno entre almas devotadas e sinceras. Nunca olvidara as recomendações do Senhor e, no íntimo, guardava aquele título de filiação como das mais altas expressões de amor universal para com aquela que recebera o Mestre nos braços veneráveis e carinhosos.

Maria escutava-lhe as confidências, num misto de reconhecimento e de ventura. João continuava a expor-lhe os seus planos mais insignificantes. Levá-la-ia consigo, andariam ambos na mesma associação de interesses espirituais. Seria seu filho desvelado, enquanto receberia de sua alma generosa a ternura maternal, nos trabalhos do Evangelho. Demorara-se a vir, explicava o filho de Zebedeu, porque lhe faltava uma choupana, onde se pudessem abrigar; entretanto, um dos membros da família real de Adiabene, convertido ao amor do Cristo, lhe doara uma casinha pobre, ao sul de Éfeso, distando três léguas aproximadamente da cidade.

A habitação simples e pobre demorava num promontório, de onde se avistava o mar. No alto da pequena colina, distante dos homens e no altar imponente da Natureza, se reuniriam ambos para cultivar a lembrança permanente de Jesus. Estabeleceriam um pouso e refúgio aos desamparados, ensinariam as verdades do Evangelho a todos os espíritos de boa-vontade e, como mãe e filho, iniciariam uma nova era de amor, na comunidade universal.

Maria aceitou alegremente. Dentro de breve tempo, instalaram-se no seio amigo da Natureza, em frente do oceano. Éfeso ficava pouco distante; porém, todas as adjacências se povoavam de novos núcleos de habitações alegres e modestas.

A casa de João, ao cabo de algumas semanas, se transformou num ponto de assembleias adoráveis, onde as recordações do Messias eram cultuadas por espíritos humildes e sinceros.

Maria externava as suas lembranças. Falava dele com maternal enternecimento, enquanto o apóstolo comentava as verdades evangélicas, apreciando os ensinos recebidos. Vezes inúmeras, a reunião somente terminava noite alta, quando as estrelas tinham maior brilho. E não foi só. Decorridos alguns meses, grandes fileiras de necessitados acorriam ao sitio singelo e generoso. A notícia de que Maria descansava, agora, entre eles, espalhara um clarão de esperança por todos os sofredores. Ao passo que João pregava na cidade as verdades de Deus, ela atendia, no pobre santuário doméstico, aos que a procuravam exibindo-lhe suas úlceras e necessidades. Sua choupana era, então, conhecida pelo nome de “Casa da Santíssima”. (Boa Nova, cap. 30.) 

Se Maria tivesse outros filhos, motivo nenhum haveria para ser levada para tão longe, seguindo o evangelista João, que para ali havia ido por imposição do Sinédrio, como é relatado em minúcias no livro Paulo e Estêvão, de autoria de Emmanuel, psicografia de Chico Xavier.

Esperamos que estas observações satisfaçam a todos aqueles que se interessam pelo assunto de que ora tratamos, conquanto não tenhamos a pretensão de haver esgotado o palpitante tema.
 

 


 
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