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Crônicas e Artigos

Ano 8 - N° 371 - 13 de Julho de 2014

ALMIR DEL PRETTE
adprette@ufscar.br

São Carlos, SP (Brasil)

 
 
 

A quem devemos obediência?


Por que as pessoas obedecem às normas e leis? Aparentemente, a resposta parece bastante simples. Normas e leis devem ser seguidas porque trazem benefícios para todos e, além disso, prescrevem penalidades para aqueles que as violam. Isso é verdade, porém, com muita frequência, normas e leis precisam ser desobedecidas para serem aperfeiçoadas. Foi o que Jesus propôs quando afirmava, evocando o passado: “Ouvistes o que foi dito aos antigos...”. Na sequência, o mestre trazia a questão para o presente e interpolava, “porém eu vos digo...”.

A questão sobre obediência/desobediência é importante porque é um processo de controle ou contracontrole inerente à organização da sociedade. Não se pode dizer, de maneira absoluta, que a obediência às leis e às autoridades é a principal condição para o progresso rumo à civilização. Tampouco é sensato incentivar a desobediência ou a insubmissão generalizada. No primeiro caso, ao longo do tempo, teríamos estagnação e inércia, e, no segundo, anomia e desequilíbrio.

A obediência à autoridade pode chegar ao extremo de se cumprir ordens causadoras de danos irreversíveis aos demais. Torturas e assassinatos cometidos nos campos de concentração exemplificam essa situação. Stanley Milgran, da Yale University, realizou em 1961 uma pesquisa para verificar o quanto a obediência à autoridade ocorria, mesmo quando causava danos a outrem. Milgran criou em seu laboratório, um aparato elétrico-mecânico, que simulava voltagem de intensidade variável de choques, dos mais leves até os letais. Os participantes dessa investigação pensavam se tratar de pesquisa sobre aprendizagem, sendo esclarecidos ao término do estudo. Eles recebiam, individualmente, ordens de um colaborador de Milgran, designado por “professor”, para “aplicarem choques” em alguém conectado ao aparelho. A “suposta vítima”, representando receber o choque pedia que parassem, mas “o professor” instruía o participante para continuar e aumentar o grau dos choques. A pesquisa revelou que uma alta percentagem das pessoas (65%) aceitava a ordem dada enquanto uma proporção menor (35%) a recusava.

Esses dados da pesquisa de Milgran nos levam ao título deste artigo: A quem devemos obediência? Essa pergunta não é tão simples quanto parece e, ao longo do tempo, a humanidade não encontrou uma resposta única, que encerrasse a questão. O dilema obedecer ou não obedecer é uma realidade na vida das pessoas. Para enfrentar essa questão sobre a obediência/desobediência, precisamos estabelecer princípios suficientemente claros e comprometidos com valores humanistas. Em nosso entendimento, o princípio mais abrangente, passível de ser incluído em nossa educação familiar/escolar é o de “Fazer ao outro o que gostaríamos que ele nos fizesse”. Esse princípio apareceu em vários povos do mundo (judeu, persa, chinês, grego e romano), sendo então referido por Lei Áurea.

A disseminação desse princípio e o seu uso, como um recurso na solução dos conflitos entre seguir ou não uma ordem, trariam segurança para aquele que vivencia o problema e serviriam de base para o aperfeiçoamento da legislação. Tal princípio poderia ser utilizado em qualquer relação entre pessoas, grupos e nações. Alguns exemplos: uma nação quer ter o direito de autogoverno e, então, decide não interferir em outro país; uma empresa quer vender seu produto por valor compatível com a sua qualidade e, portanto, paga o valor justo aos fornecedores da matéria-prima utilizada; um pai fala baixo (não grita) com seus filhos e exige que eles o tratem da mesma forma. O leitor pode exercitar sua criatividade, lembrando outras situações em que o “fazer ao outro o que gostaria que ele lhe fizesse” evitaria problemas de maior ou menor gravidade. Portanto, obedecer ou desobedecer teriam como base um princípio de justiça maior, acessível via processo educativo e pela prática, desde a infância.

 
 


 


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