ALMIR DEL PRETTE
adprette@ufscar.br
São Carlos, SP (Brasil)
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A quem devemos
obediência?
Por que as pessoas
obedecem às normas e
leis? Aparentemente, a
resposta parece bastante
simples. Normas e leis
devem ser seguidas
porque trazem benefícios
para todos e, além
disso, prescrevem
penalidades para aqueles
que as violam. Isso é
verdade, porém, com
muita frequência, normas
e leis precisam ser
desobedecidas para serem
aperfeiçoadas. Foi o que
Jesus propôs quando
afirmava, evocando o
passado: “Ouvistes o que
foi dito aos
antigos...”. Na
sequência, o mestre
trazia a questão para o
presente e interpolava,
“porém eu vos digo...”.
A questão sobre
obediência/desobediência
é importante porque é um
processo de controle ou
contracontrole inerente
à organização da
sociedade. Não se pode
dizer, de maneira
absoluta, que a
obediência às leis e às
autoridades é a
principal condição para
o progresso rumo à
civilização. Tampouco é
sensato incentivar a
desobediência ou a
insubmissão
generalizada. No
primeiro caso, ao longo
do tempo, teríamos
estagnação e inércia, e,
no segundo, anomia e
desequilíbrio.
A obediência à
autoridade pode chegar
ao extremo de se cumprir
ordens causadoras de
danos irreversíveis aos
demais. Torturas e
assassinatos cometidos
nos campos de
concentração
exemplificam essa
situação. Stanley
Milgran, da Yale
University, realizou em
1961 uma pesquisa para
verificar o quanto a
obediência à autoridade
ocorria, mesmo quando
causava danos a outrem.
Milgran criou em seu
laboratório, um aparato
elétrico-mecânico, que
simulava voltagem de
intensidade variável de
choques, dos mais leves
até os letais. Os
participantes dessa
investigação pensavam se
tratar de pesquisa sobre
aprendizagem, sendo
esclarecidos ao término
do estudo. Eles
recebiam,
individualmente, ordens
de um colaborador de
Milgran, designado por
“professor”, para
“aplicarem choques” em
alguém conectado ao
aparelho. A “suposta
vítima”, representando
receber o choque pedia
que parassem, mas “o
professor” instruía o
participante para
continuar e aumentar o
grau dos choques. A
pesquisa revelou que uma
alta percentagem das
pessoas (65%) aceitava a
ordem dada enquanto uma
proporção menor (35%) a
recusava.
Esses dados da pesquisa
de Milgran nos levam ao
título deste artigo: A
quem devemos obediência?
Essa pergunta não é tão
simples quanto parece e,
ao longo do tempo, a
humanidade não encontrou
uma resposta única, que
encerrasse a questão. O
dilema obedecer ou não
obedecer é uma realidade
na vida das pessoas.
Para enfrentar essa
questão sobre a
obediência/desobediência,
precisamos estabelecer
princípios
suficientemente claros e
comprometidos com
valores humanistas. Em
nosso entendimento, o
princípio mais
abrangente, passível de
ser incluído em nossa
educação
familiar/escolar é o de
“Fazer ao outro o que
gostaríamos que ele nos
fizesse”. Esse princípio
apareceu em vários povos
do mundo (judeu, persa,
chinês, grego e romano),
sendo então referido por
Lei Áurea.
A disseminação desse
princípio e o seu uso,
como um recurso na
solução dos conflitos
entre seguir ou não uma
ordem, trariam segurança
para aquele que vivencia
o problema e serviriam
de base para o
aperfeiçoamento da
legislação. Tal
princípio poderia ser
utilizado em qualquer
relação entre pessoas,
grupos e nações. Alguns
exemplos: uma nação quer
ter o direito de
autogoverno e, então,
decide não interferir em
outro país; uma empresa
quer vender seu produto
por valor compatível com
a sua qualidade e,
portanto, paga o valor
justo aos fornecedores
da matéria-prima
utilizada; um pai fala
baixo (não grita) com
seus filhos e exige que
eles o tratem da
mesma forma. O leitor
pode exercitar sua
criatividade, lembrando
outras situações em que
o “fazer ao outro o que
gostaria que ele lhe
fizesse” evitaria
problemas de maior ou
menor gravidade.
Portanto, obedecer ou
desobedecer teriam como
base um princípio de
justiça maior, acessível
via processo educativo e
pela prática, desde a
infância.