MARCUS
VINICIUS DE
AZEVEDO BRAGA
acervobraga@gmail.com
Rio de Janeiro,
RJ (Brasil)
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Com Kardec eu
aprendi
Com a devida
permissão do
leitor para me
utilizar de uma
experiência
pessoal,
lembro-me dos
tempos da
juventude,
passados quase
25 anos, quando
me tornei
espírita e
frequentava o
GECON-Grupo
Espírita do
Colégio Naval,
núcleo religioso
que funcionava
na escola
militar à qual
eu pertencia, na
aprazível cidade
de Angra dos
Reis-RJ, nos
idos de 1990, e
que até hoje
atende aqueles
jovens em regime
de internato.
Nesse grupo,
formado de
adolescentes
estudiosos e
disciplinados, a
nossa breve
reunião ocorria
de 17h às 17h50,
alterando-se
entre terças com
o estudo de “O
Livro dos
Espíritos” e nas
quintas com o
Estudo de “O
Evangelho
segundo o
Espiritismo”.
Aprendi muito
naqueles
crepúsculos de
discussão se
abeirando nas
obras básicas.
Aprendi e
aprendemos
todos,
amadurecendo
nesse processo
de interação
mútua, de hora
marcada, que às
vezes se
espraiava por
discussões na
hora do almoço.
Dessa
experiência
inicial, que
compartilhei em
outros grupos de
outras casas
espíritas de
maneira similar,
colhi duas
percepções que
trago comigo e
que penso serem
úteis se
trazidas à
reflexão, em
especial no
contexto atual
do movimento
espírita e a sua
relação com o
estudo
doutrinário e
temáticas
correlatas.
Primeiro, tem-se
a importância de
se prestigiar o
estudo das obras
da codificação
kardequiana, as
chamadas obras
básicas. Isso se
deve à
necessidade de
entender uma
doutrina pelas
suas bases, pelo
seu fundamento,
entendendo as
origens, da
mesma forma que,
em qualquer área
do conhecimento
humano,
estudamos seus
autores
clássicos e a
sua história.
Além disso, as
questões postas
por Kardec, sua
metodologia, os
problemas por
ele enfrentados
encontram-se
atuais. Às vezes
assistimos a
programas de
televisão com
estudos de
reencarnação,
sobre a vida
após a morte e
aquele batalhão
de céticos e,
quando vemos,
está tudo ali
nas obras
básicas, as
ponderações, as
argumentações no
bom senso que
tornaram o
mestre lionês
tão peculiar.
Não se trata de
ortodoxia ou
bitolação, mas
falamos de um
contexto de
grande profusão
de editoras e
obras espíritas,
de
supervalorização
de textos
psicografados e
ainda, de buscas
pelas novidades
literárias, por
vezes com
interesses
mercadológicos,
em uma selva
louca e
desvairada
(parafraseando
Vinicius de
Moraes) na qual
necessitamos de
faróis seguros a
nos guiarem e,
em termos de
metodologia e
coerência, estou
para ver coisa
melhor que o
Professor
Rivail.
Isso não
invalida as
obras
monumentais que
temos à
disposição, como
os estudos e
reflexões de
autores
encarnados do
naipe de
Hermínio
Miranda,
Herculano Pires
e Richard
Simonetti,
somente para
ilustrar, além
daqueles
clássicos da
psicografia, nas
obras pela pena
de Divaldo
Franco e Chico
Xavier, entre
outras. Obras
essas que
trouxeram
reflexões e
acrescentaram,
sim, à
construção da
doutrina
espírita um
tijolinho, dado
o seu caráter
dinâmico,
valorizado,
inclusive por
Allan Kardec.
Entretanto,
penso que a casa
espírita deve,
nas suas
preleções e
grupos de
estudos,
valorizar as
obras básicas,
não por uma
sacralização,
mas pelo seu
valor basilar,
pela sua
completude,
coerência e
metodologia,
como forma de
autonomia dos
espíritas, que
os habilitem a
trafegar pelos
inevitáveis
mares no campo
do conhecimento
transcendente e
que andam por
aí.
A segunda
colheita dessa
experiência
juvenil é que a
abordagem do
estudo espírita
deve, na minha
humilde opinião,
valorizar o
contato com as
obras. Devemos
utilizar a
“Pedagogia do
manuseio”, na
qual os
estudantes devem
se abeirar do
texto da obra,
buscando a
discussão em
grupo, inclusive
como o próprio
Kardec fazia com
mensagens
trazidas de
Espíritos. O
coletivo traz
sinergia, na
máxima de um
mais um é sempre
mais que dois.
Observo alguns
cursos
superiores que
abandonam os
livros e passam
a atuar com
apostilas;
alguns, meras
cópias de
lâminas exibidas
nas aulas por
professores
polivalentes.
Essa visão
resumitiva, de
tópicos,
conteudista, é
empobrecedora,
favorece pouco a
reflexão, em uma
visão
“pasteurizada”
da prática
educativa. No
movimento
espírita não
ficamos livres
dessa cultura
apostilada, que
por vezes
favorece a
“formatação” e
esquece a
reflexão.
É verdade, o
pessoal gosta,
em geral, de
coisas mais
facilitadas e a
linguagem das
obras básicas,
por vezes, é
complexa, por
ser um texto
antigo. Nesse
sentido, têm
surgido esforços
de traduções
mais
contemporâneas,
com notinhas
explicativas,
mas há de se
considerar que
uma boa
discussão em
grupo fortalece
o aprendizado
pela pesquisa e
pelas dúvidas,
tornando límpido
o complexo.
Penso que
devemos caminhar
para um
movimento que
enxugue as
palestras na
grade da casa
espírita e que
se fortaleçam os
estudos em
grupo, que, de
forma autônoma,
favorecem a
síntese e a
discussão,
gerando um
conhecimento
robusto e firme.
A palestra chama
as pessoas, mas
o grupo as
retém. A
palestra é um
mecanismo
passivo enquanto
grupo é
interativo, de
construção do
saber,
potencializado,
se realizado à
luz de uma obra
relevante. No
grupo de estudos
é que forjamos o
conhecimento
espírita sólido.
O grupo de
estudo exige
esforço das
pessoas, convoca
à leitura, a
falar, se
expressar e se
posicionar.
Formam-se
amigos, é
democrático como
espaço de
participação e
de revezamento
da condução.
Apresenta-se
como modelo de
estudo de
excelência,
antenado com as
modernas
tendências
pedagógicas.
Por fim, insta
considerar que
valorizar Kardec
não é só citá-lo
em palestras ou
artigos, por
vezes com a
inserção de
trechos de seus
livros sem
contextualização.
Trata-se de
estudar a sua
obra, entendê-la
e transpô-la
para nossos
problemas
atuais,
enriquecida,
obviamente, pelo
que de bom
surgir; se é
espírita pelas
ideias, pelos
fundamentos, e
não por um selo
nominal.
A quantidade de
obras é imensa,
mas tudo começou
lá na França,
passados mais de
150 anos, e
aqueles
pressupostos,
límpidos e
razoáveis, ainda
aplacam nossos
anseios pelos
problemas do
ser, do destino
e da dor. Não
defendo a
fossilização,
saudando as
produções
vindouras,
algumas
basilares, mas
devemos ter em
mente a
importância da
obra de Kardec
em nosso
movimento.
Da mesma forma,
reputo que esses
estudos devem se
fundamentar no
manuseio de
obras,
enxergando
naquelas linhas
potencial de
expansão de
ideias que podem
ser agregadas
pela pesquisa em
outras obras e
pela opinião dos
próprios
integrantes do
grupo. A
doutrina não
sobreviveu e se
fortaleceu esses
anos por ter
criado uma bula
proibitiva de
conhecimentos,
pela busca da
padronização de
ideias, e sim
pela valorização
do bom senso de
discussão,
fortalecendo
seus adeptos,
diante da razão
em todas as
épocas da
humanidade.
À feição de
antiga música do
movimento
espírita
carioca, importa
lembrarmos que
“com Kardec eu
aprendi que a
vida não termina
aqui”... E, daí,
surgiu tudo isso
de belo e
consolador que
vivenciamos
hoje, que
impulsiona
vidas, ideais,
trabalhos e
modificações.