ALMIR DEL PRETTE
adprette@ufscar.br
São Carlos, SP (Brasil)
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Nós e os animais
“Iahweh Deus modelou
então, do solo, todas as
feras selvagens e todas
as aves do céu e as
conduziu ao homem para
ver como ele as
chamaria: cada qual
deveria levar o nome que
o homem lhe desse.”
(Gênese, 2-3)
A Bíblia relata que os
animais foram criados
por Deus de maneira
semelhante à criação do
homem. Esse sentido
figurado da modelagem
pode ser interpretado,
na concepção evolutiva,
como o início da vida na
água e a transição desta
para a terra, com a
formação de organismos
mais complexos. Nesse
ponto, o criacionismo
não contradiz a teoria
evolucionista,
excetuando na ideia de
aparecimento quase
simultâneo (humanos e
animais), com ligeira
primazia temporal ao
homem. No evolucionismo,
organismos marítimos
teriam precedido aos
demais e o homem, ao
contrário da descrição
bíblica, foi o último
elo da corrente.
A convivência entre o
homem e o animal demorou
muito tempo para
ocorrer. É possível
supor que o interesse
recíproco entre eles
tenha se desenvolvido
por fatores ligados à
sobrevivência. Os
animais, em período de
escassez de comida,
aproveitavam as sobras
de alimentos deixados
por humanos e, assim,
rondavam os grupos
humanos em deslocamento.
Por seu turno, o homem
mantinha-se atento
quanto à proximidade dos
animais, observando seus
comportamentos,
caçando-os para saciar a
fome, especialmente
quando passaram a
dominar o fogo.
Essa proximidade, que
foi se estreitando,
levava a repetidas
escaramuças, algumas
vezes com perdas de
ambos os lados. Por
outro lado, com
frequência, nossos
antepassados copiavam
estratégias dos animais
como, por exemplo, os
comportamentos dos
antropoides na
localização de
alimentos, dos roedores
nos debates das
primeiras coberturas dos
troncos de plantas até a
obtenção da polpa
comestível, das aves e
insetos, nas elaborações
de armadilhas e
disfarces para evitar
predadores etc. Pode-se
supor que os resultados
dessas observações
facilitaram as primeiras
tentativas de
domesticação de algumas
espécies. Esse ganho,
ligado à sobrevivência,
impulsionou o homem para
o domínio do mundo
animal, levando-o a
supor-se,
equivocadamente, como
rei da criação.
Já há muito tempo, o
homem dedica-se também à
criação de várias
espécies destinadas ao
abate, tais como a
bovina, a suína, a
avícola e a marítima.
Nesse negócio rentável,
os animais crescem em
número preocupante,
pois, para isso,
precisam de extensas
áreas de terras
desmatadas, além de
recursos hídricos, cinco
vezes maiores do que o
necessário para produzir
a mesma quantidade de
cereais (FAO/Wikipédia).
Esses são apenas um dos
problemas relacionados à
forma como nós, os
humanos, lidamos com os
animais. Percebendo a
gravidade desses
problemas, inúmeras
pessoas se organizaram
na formação de entidades
de defesa do bem-estar e
da vida animal. Esses
movimentos cresceram e
influenciaram a
legislação, de modo que
temos, hoje,
responsabilidades
sociais bem definidas em
relação aos animais e
isso representa um
avanço, contudo, não
ainda suficiente.
No lado oposto à criação
e matança de animais
para o consumo, temos
problemas nos cuidados
com os chamados animais
de estimação. Essa
também é uma relação
delicada, que será
abordada a seguir.
*
Certo dia uma
universitária relata ao
professor o cuidado que
dispensa à sua
cachorrinha. Conta que o
segundo dormitório do
apartamento, em que
reside com seu marido,
pertence à sua mascote e
que esta somente vai
dormir após ter seus
dentes escovados por ela
(“mamãe”) e receber
afagos do dono
(“papai”). O professor
aproveita-se de uma
pausa na descrição que
detalha esses excessos
de mimos e diz à jovem:
Vocês precisam de um
filho para deixar de
brincar de mamãe-papai.
Considerando que essa
falsa maternidade vem se
alastrando, a sugestão
do professor tem
sentido, principalmente
ao se levar em conta a
impossibilidade de o
animal preencher todos
os requisitos envolvidos
na troca entre
pais-filhos. É
sintomático que, em
alguns países europeus,
a diminuição da
natalidade tem uma
relação direta com
aumento da população de
animais de estimação.
Esse fenômeno se tornou
um excelente negócio em
quase todo o mundo,
gerando ofertas que vão
das rações e medicamento
a objetos que incluem
produtos de higiene,
roupas e brinquedos
semelhantes aos usados
por uma criança, o que
reforça o sentimento
maternal. O exagero
chega ao ponto de uma
convivência promíscua
entre humanos e animais,
com estes coabitando
camas e partilhando
momentos de refeições.
Por que pessoas “amam”
tão intensamente os
animais, como cães,
gatos, coelhos, macacos,
tartarugas etc.?
Primeiramente porque é
fácil controlá-los e
manejá-los. Podemos
dispor deles conforme
nosso humor: brincamos e
os afagamos a qualquer
momento e, também, a
qualquer momento os
deixamos de lado.
Treiná-los em obediência
(“deite, pegue, aqui, dê
a pata”) é muito mais
fácil do que educar uma
criança. Se, por algum
motivo, não formos
bem-sucedidos, existem
clínicas que dispõem de
profissionais prontos a
nos socorrer mediante, é
claro, a remuneração
ditada pela lei de
“oferta e procura”. Em
segundo lugar, esse
“amor” aos animais
reside no enorme
bem-estar que eles
produzem a todos os seus
donos. É muito prazeroso
brincar ou apenas
observar os animais. A
terapia já descobriu
isso há um bom tempo e
os vem utilizando como
recursos terapêuticos
para diferentes
problemas e
incapacidades do homem.
A doutrina espírita
entende a vida animal
como um dos elos do
processo evolutivo no
qual estagia o espírito.
Nesse sentido, dentro da
condição humana, ainda
temos muito a percorrer.
Mais do que discutir
nossos direitos sobre a
vida animal, se é que
temos algum, precisamos
repensar nossos deveres.
De modo geral, entre
outras tarefas
coletivas, uma das mais
importantes relaciona-se
aos cuidados com a fauna
e flora do planeta. Para
repensar essa relação
com os animais, antes de
tudo é necessário
esquecer a vaidosa noção
de reis da criação.
Somente assim poderemos
ser admitidos na posição
de defensores do mundo
animal, equilibrando
essa relação que parece
ser menos meritória ao
homem.