1232. Acompanhemos o
curso das idades e
veremos a mediunidade
expandir-se nos mais
diversos meios, uniforme
em seu princípio,
variada ao infinito em
suas manifestações. A
história dos profetas de
Israel se encerrou com a
aparição do filho de
Maria. Vimos noutro
lugar que a vida do
Cristo está cheia de
manifestações que fazem
dele o mediador por
excelência. Ele
conversava no Tabor com
Moisés e Elias, e
legiões de almas o
assistem. Seu pensamento
abrange dois universos;
sua palavra tem a doçura
dos mundos angélicos;
seu olhar lê no recesso
dos corações, e com um
simples contacto ele faz
cessar o sofrimento.
1233. Essas maravilhosas
faculdades são por ele
transmitidas
parcialmente a seus
apóstolos. E lhes diz:
“Não cuideis como ou o
que haveis de falar;
porque naquela hora vos
será inspirado o que
haveis de dizer. Porque
não sois vós os que
falais, mas o Espírito
de vosso Pai é o que
fala em vós.” (Mateus,
X, 19, 20.)
1234. Decorrem os
séculos; muda-se a cena.
Além, no Oriente, surge
outra imponente figura.
No silêncio do deserto,
esse grande silêncio dos
espaços que comunica à
alma uma serenidade e um
equilíbrio quase nada
conhecidos por
habitantes das cidades,
Maomé, o fundador do
Islã, redige o
“Alcorão”, sob o ditado
de um Espírito, que
adota, para se fazer
escutar, o nome e a
aparência do anjo
Gabriel. Ele mesmo o
afirma no livro sagrado
dos árabes:
“Vosso compatriota, ó
Koraichitas, não está
transviado, nem foi
iludido. O Alcorão é uma
revelação que lhe foi
feita. Foi o Terrível
quem o instruiu. E ele
revelou ao servo de Deus
o que tinha a
revelar-lhe. O coração
de Maomé não mente; ele
o viu.”
“O Alcorão – diz ele –
permanece como o mais
belo monumento da língua
em que foi escrito, e
nada vejo que o iguale,
na história religiosa da
Humanidade. É o que
explica a influência
enorme que esse livro
tem exercido sobre os
árabes, que estão
convencidos de que
Maomé, cuja instrução
era rudimentar, não
podia escrever esse
livro, e que ele lhe foi
ditado por um anjo.”
1235. Singular
coincidência: sua missão
começa como a de Joana
d'Arc; se lhe revela
mediante vozes e visões.
Como Joana, também ele
por muito tempo se
esquivara; mas o poder
misterioso o arrasta
contra sua vontade e o
humilde condutor de
camelos torna-se
fundador de uma religião
que se estende sobre uma
vasta região do mundo;
ele cria integralmente
um grande povo e um
grande império.
1236. Acerca de suas
faculdades mediúnicas
assim se exprime E.
Bonnemère:
“Maomé caía de vez em
quando num estado que
metia medo aos que em
torno se achavam. Nesses
momentos em que sua
personalidade lhe fugia
e ele se sentia
subjugado por uma
vontade mais poderosa
que a sua, subtraía-se
às vistas estranhas. Os
olhos, desmesuradamente
abertos, se tornavam
fixos e sem expressão;
imóvel, Maomé parecia
invadido por um
desfalecimento que nada
lograva dissipar. Em
seguida, pouco a pouco,
a inspiração fluía, e
ele escrevia, com
vertiginosa rapidez, o
que vozes misteriosas
lhe ditavam.”
1237. Na Idade Média,
mencionemos duas grandes
figuras históricas:
Cristóvão Colombo, o
descobridor de um novo
mundo, impelido por uma
obsessão divina, e Joana
d'Arc, que obedece às
suas vozes. Em sua
aventurosa missão,
Colombo era guiado por
um gênio invisível.
Tratavam-no de
visionário. Nas horas
das maiores
dificuldades, ele
escutava uma voz
desconhecida
murmurar-lhe ao ouvido:
“Deus quer que teu nome
ressoe gloriosamente
através do mundo;
ser-te-ão dadas as
chaves de todos esses
portos desconhecidos do
oceano que se conservam
atualmente fechados por
formidáveis cadeias.”
1238. A vida de Joana d'Arc
está na memória de
todos. Sabe-se que em
todos os lugares seres
invisíveis inspiravam e
dirigiam a heroica
virgem de Domrémy. Todos
os êxitos de sua
gloriosa epopeia são
previamente anunciados.
Surgem aparições diante
dela; vozes celestes
ciciam-lhe ao ouvido.
Nela, a inspiração flui
como o borbotar de uma
torrente impetuosa. Em
meio dos combates, nos
conselhos, como diante
de seus juízes, por toda
parte, essa criança de
18 anos comanda ou
responde com segurança,
consciente do sublime
papel que desempenha,
jamais variando na fé
nem nas palavras,
inquebrantável mesmo
diante das súplicas,
mesmo em face da morte –
iluminada e como
transfigurada pelo
clarão de um outro
mundo.
1239. Ouçamo-la:
“Eu amo a Igreja e sou
boa cristã. Mas, quanto
às obras que tenho feito
e à minha vinda, devo
confiar-me ao rei do Céu
que me enviou.
Eu vim da parte de Deus
e dos santos e santas do
paraíso, da Igreja
vitoriosa lá de cima e
por sua determinação; a
essa Igreja submeto
todos os meus atos e
tudo o que tenho feito
ou por fazer.”
1240. A vida de Joana d'Arc,
como médium e
missionária, seria sem
igual na História se não
tivesse havido antes
dela o mártir do
Calvário. Pode-se pelo
menos dizer que nada se
viu de mais augusto
desde os primeiros
tempos do Cristianismo.
1241. A esses nomes
gloriosos temos o
direito de acrescentar
os dos grandes poetas.
Depois da música, é a
poesia um dos focos mais
puros da inspiração;
provoca o êxtase
intelectual, que permite
entrar em comunicação
com as esferas
superiores. O poeta,
mais que os outros
homens, sente, ama e
sofre. Nele cantam as
vozes todas da Natureza.
O ritmo da vida
invisível regula a
cadência de seus versos.
Todos os grandes poetas
heroicos principiam seus
cantos por uma invocação
aos deuses ou à musa; e
os Espíritos
inspiradores atendem à
deprecação. Murmuram ao
ouvido do poeta mil
coisas sublimes, mil
coisas que só ele
entende, entre os filhos
dos homens. Homero tem
cantos que vêm de mais
alto que a Terra.
1242. Platão dizia
(“Diálogos do Íon e do
Menon”): “O poeta e o
profeta, para receberem
a inspiração, devem
entrar num estado
superior em que seu
horizonte intelectual se
dilata e ilumina por uma
luz mais alta.” – “Não
são os videntes, os
profetas ou os poetas
que falam; é Deus que
por eles fala.”
1243. Segundo Pitágoras
(Diog. Laerte, VIII,
32), “a inspiração é uma
sugestão dos Espíritos
que nos revelam o futuro
e as coisas ocultas”.
Virgílio foi por muito
tempo considerado um
profeta, em virtude de
sua “Écloga messiânica
de Polion”. Dante é um
médium incomparável. Sua
“Divina Comédia” é uma
peregrinação através dos
mundos invisíveis.
Ozanam, o principal
autor católico que já
analisou essa obra
genial, reconhece que o
seu plano é calcado nas
grandes linhas da
iniciação nos mistérios
antigos, cujo princípio,
como é sabido, era a
comunhão com o oculto. É
pelos olhos da sua
Beatriz, morta, que
Alighieri vê “o
esplendor da viva luz
eterna”, que iluminou
toda a sua vida. Em meio
daquela sombria Idade
Média, sua vida e sua
obra resplandecem como
os cimos alpestres
quando se coloram dos
últimos clarões do dia e
já o resto da terra está
mergulhado na sombra.
1244. Tasso compõe aos
18 anos seu poema
cavalheiresco “Renaud”,
sob a inspiração de
Ariosto, e mais tarde,
em 1575, sua obra
capital, a “Jerusalém
Libertada”, vasta
epopeia, que afirma
haver-lhe sido
igualmente inspirada.
Shakespeare, Milton e
Shelley foram também
inspirados. Falando do
grande dramaturgo, disse
Victor Hugo: “Forbes, no
curioso fascículo
compulsado por Warburton
e perdido por Garrick,
afirma que Shakespeare
se entregava à magia e
que em suas peças o que
havia de bom lhe era
ditado por um Espírito.”
1245. Todas as obras
geniais são povoadas de
fantasmas e de
aparições: “Ali, ali –
diz Ésquilo, falando dos
mortos – vós não os
vedes, mas vejo seres.”
O mesmo acontece a
Shakespeare. Suas obras
principais – “Hamlet”,
“Macbeth”, etc. – contêm
cenas célebres em que se
movem aparições. Os
espectros do pai de
Hamlet e de Banquo,
presos ao mundo material
pelo jugo do passado, se
tornam visíveis e
impelem os vivos ao
crime.
1246. Milton fazia suas
filhas tocarem harpa
antes de compor seus
cantos do “Paraíso
Perdido”, porque, dizia
ele, a harmonia atrai os
gênios inspiradores.
1247. Eis o que disse de
Shelley seu historiador,
Medwin:
“Ele sonhava desperto,
numa espécie de
abstração letárgica que
lhe era habitual; e
depois de cada acesso os
olhos lhe cintilavam, os
lábios se agitavam em
crispações e sua voz
tremia de emoção. Ele
entrava numa espécie de
sonambulismo, durante o
qual sua linguagem era
antes de um Espírito, ou
de um anjo, que de um
homem.”
1248. Goethe se abeberou
amplamente nas fontes do
invisível. Suas relações
com Lavater e a Sra. De
Klettenborg o haviam
iniciado nas ciências
profundas, de que cada
uma de suas obras traz o
cunho. O “Fausto” é uma
obra mediúnica e
simbólica de primeira
ordem. Outro tanto se
pode dizer de Klopstock
e de sua “Messíada”,
poema em que se sente
perpassar o sopro do
Além.
1249. Disse Goethe:
“Eu corria às vezes à
minha escrivaninha sem
me preocupar em
endireitar uma folha de
papel que estivesse de
través, e escrevia minha
peça em versos, de
começo ao fim, naquela
posição, sem mexer-me.
Para isso, tomava de
preferência um lápis que
melhor se prestava à
grafia, porque algumas
vezes me havia
acontecido ser
despertado de meu
sonambulismo poético
pelo ranger da pena ou
os salpicos de tinta, e
distrair-me, e sufocar
no nascedouro minha
pequena produção.”
1250. W. Blake afirma
ter escrito suas poesias
sob a direção do
Espírito Milton e
reconhecer que todas as
suas obras foram
inspiradas. Mais próximo
de nós, Alfred de Musset
tinha visões, via
aparições e ouvia vozes.
Uma noite, sob as
janelas do Louvre,
escutou ele estas
palavras:
“Assassinaram-me na rua
de Chabanais.” Correu
para lá, e
deparou-se-lhe um
cadáver... “Onde, pois,
me conduz essa mão
invisível que não quer
que eu me detenha?”
dizia ele.
1251. Ora sublime e puro
como os anjos, ora
pervertido como um
demônio, Musset vivia
submetido às mais
diversas influências, e
ele próprio o
assinalava. Duas
testemunhas de sua vida
íntima, George Sand e a
Sra. Colet, descreveram
com fidelidade esse
aspecto misterioso da
existência do “filho do
século”:
“Sim – dizia ele a
Teresa – eu experimento
o fenômeno que os
taumaturgos denominam
‘possessão’. Dois
Espíritos se têm
apoderado de mim. Há
muitos anos que tenho
visões e ouço vozes.
Como o poderia eu pôr em
dúvida, quando todos os
meus sentidos mo
afirmam? Quantas vezes,
ao cair da noite, tenho
visto e ouvido o jovem
príncipe que me foi caro
e um outro amigo meu,
ferido num duelo, em
minha presença!
Parece-me, no momento em
que essa comunhão se
opera, que meu espírito
se me desprende do
corpo, para responder à
voz dos Espíritos que me
falam.”
1252. A Sra. Colet
conhecia, feita pelo
poeta, a narrativa de
três aparições femininas
– criaturas amadas e já
mortas – de que ela faz
uma comovedora
descrição.
Acrescenta-lhe diversos
casos de exteriorização
semelhantes aos de
nossos médiuns
contemporâneos. G. Sand
e a Sra. Colet afirmam
que o poeta caía em
transe com a maior
facilidade. Ele próprio
fala de sopros frios,
cuja sensação
experimentara, e de
súbito desprendimento, o
que lhe seria difícil
imaginar. Desses fatos
resulta que A. de Musset
devia a influências
ocultas uma parte, pelo
menos, do ascendente que
exercia sobre os seus
contemporâneos. Ele foi
ao mesmo tempo um poeta
de elevada inspiração e,
propriamente falando, um
vidente e um auditivo.
1253. Em todos os tempos
essas comunicações sutis
dos Espíritos aos
mortais têm vindo
fecundar a arte e a
literatura. Certamente,
não consideramos
literatos esses
alinhadores de frases,
que nunca sentiram os
inspiradores do Além. Os
escritores sobre os
quais baixam os eflúvios
superiores são raros. É
preciso haver
predisposições
anteriores, um lento
trabalho de assimilação,
para que a força ignota
possa atuar na alma do
pensador. Naqueles que,
porém, reúnem essas
condições, a inspiração
se precipita como um
jorro. O pensamento
brota, original ou
vigoroso, e a influência
por ele exercida é
soberana.
1254. A forma da
inspiração varia
conforme as naturezas.
Em alguns, o cérebro é
como um espelho que
reflete as coisas
ocultas e projeta as
suas irradiações sobre a
Humanidade. Outros
escutam a grande voz
misteriosa, o murmúrio
das palavras que
explicam o passado,
esclarecem o presente e
anunciam o futuro. Sob
mil formas o invisível
penetra os sensitivos e
se impõe: