MARCELO TEIXEIRA
maltemtx@uol.com.br
Petrópolis, RJ (Brasil)
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Marta, Marta!
Jesus na casa de Marta e
Maria é uma passagem
evangélica da qual gosto
muito. Talvez seja a
minha preferida.
Interfere diretamente no
cotidiano familiar.
Marta e Maria eram irmãs
de Lázaro, amigo de
Jesus e por ele
ressuscitado, como nos
narram as Sagradas
Escrituras.
Numa das visitas à casa
da família, Jesus,
acompanhado dos
discípulos, transmitia
uma série de
ensinamentos. Maria
ouvia-o, embevecida.
Marta, por sua vez, ia e
vinha, preocupada em
deixar a casa em ordem e
à altura de tão ilustre
visitante. Decerto
preocupava-se com a
refeição a ser
preparada, aposentos a
serem arrumados... Vendo
que Maria não a ajudava,
ralhou com ela na frente
de Jesus e dos
apóstolos. Em seguida,
pediu a Jesus que
dissesse a Maria para
ajudá-la. É quando o
Cristo aproveita a
situação para transmitir
a Marta e a toda a
humanidade o memorável
ensinamento:
"Marta, Marta, tu
andas muito inquieta, e
te embaraças com o
cuidar em muitas coisas.
Entretanto só uma coisa
é necessária. Maria
escolheu a melhor parte,
que lhe não será
tirada”. (São Lucas,
cap. X, v. 41 e 42.)
O jornalista Stephen
Kanitz, no artigo
Família em Primeiro
Lugar, conta que
certa vez foi almoçar
com um respeitado
empresário. O almoço foi
no restaurante da
empresa. Por ser um
homem muito ocupado, o
empresário raramente
almoçava em casa ou em
restaurantes.
Stephen comenta que o
homem estava com o olhar
estranho, talvez
distante. Foi quando uma
lágrima lhe escorreu do
olho esquerdo. O
jornalista tentou não
dar muita importância ao
fato. Só que, durante a
sobremesa, o poderoso
empresário começou a
chorar copiosamente.
Desconcertado, Kanitz
começou a imaginar se
havia dito algo
impróprio ou se a
empresa estava
atravessando uma fase
difícil... Foi quando o
homem disse, meio sem
jeito:
"Minha filha vai se
casar amanhã e só agora
a ficha caiu. Eu fui um
tremendo de um
workaholic e agora
percebo que mal a
conheci. Conheço tudo
sobre meu negócio, mal
conheço minha própria
filha. Dediquei todo o
tempo à minha empresa e
me esqueci de me dedicar
à família".
Stephen confessa que
nunca mais foi o mesmo
depois da cena. Saiu
arrasado do almoço e,
jurando a si mesmo que
nunca aceitaria um
emprego desses que sugam
a pessoa a ponto de não
haver mais tempo para
dar boa noite aos
filhos, levá-los ao
cinema, à praia,
acompanhar suas
descobertas, vitórias e
derrotas...
Finalizando o artigo, o
jornalista argumenta:
“Colocar
a família em primeiro
lugar tem um custo com o
qual nem todos podem
arcar. Implica menos
dinheiro, fama e
projeção social. Muitos
de seus amigos poderão
ficar ricos, mais
famosos que você e um
dia olhá-lo com desdém.
Nessas horas, o consolo
é lembrar um velho
ditado que define bem
por que priorizar a
família vale a pena:
‘Nenhum sucesso na vida
compensa um fracasso no
lar’."
Qual o verdadeiro
"sucesso" de ter um
filho drogado por falta
de atenção, carinho e
tempo para ouvi-lo no
dia a dia? De que
adianta fazer uma
fortuna para ter de
dividi-la pela metade
num ruinoso divórcio e
pagar pensão à ex-esposa
para o resto da vida? De
que adianta ser um
executivo bem-sucedido e
depois chorar na
sobremesa porque não
conheceu sequer a
própria filha?
Saber escolher a melhor
parte, como ressalta o
Cristo, nem sempre é
fácil. Vivemos num mundo
que exige muito de nós.
Ter um curso
universitário já não
basta. São necessárias
mais de uma
pós-graduação, mestrado,
vários idiomas. Além
disso, congressos,
simpósios,
mesas-redondas...
Conheço gente que passa
mais tempo em hotéis,
aviões e aeroportos do
que em casa. E quando
está em casa, mal tem
tempo para os filhos, a
esposa ou o marido. A
pessoa fica ao
computador, às voltas
com planilhas e
relatórios, respondendo
a e-mails e enviando
outros tantos, o celular
não para de tocar...
A grande maioria das
pessoas tem, hoje em
dia, a agenda cheia. Nem
sempre é fácil conciliar
família e trabalho. Mas
quem se dispõe a
investir em cônjuge e
filhos não pode
perdê-los de vista, sob
pena de ver o casamento
ruir e os filhos se
transformarem em
ilustres desconhecidos.
Muita gente alega que
trabalha feito condenado
para garantir um futuro
melhor aos filhos. De
que futuro estamos
falando? Os mais
conceituados colégios?
Pós-graduação no
exterior? Residências
cinematográficas? Fins
de semana em locais
paradisíacos? Idas e
mais idas a boates e
restaurantes badalados?
Talvez os filhos não
precisem e nem queiram
isso tudo. Queiram
apenas nosso ombro
amigo, palavras de
incentivo, conselhos e
advertências precisas...
Querem rir e chorar
conosco; viver ao nosso
lado, curtir o pai e a
mãe que têm. O melhor
para eles nem sempre é
ver os pais se matando
de trabalhar para lhes
dar o que é top de
linha. O melhor talvez
seja tempo livre para
ajudá-los nas tarefas
escolares, colocá-los
para dormir... Enfim,
aquilo que os pais
sonham fazer, mas muitos
acabam não fazendo
porque querem dar tudo
aos filhos. Tudo o quê?
Esse tudo pode ser mais
simples e acessível do
que pensamos. Basta
optar pela melhor parte,
a que não nos será
tirada.
Falar sobre Jesus na
casa de Marta e Maria é,
além do que acabei de
expor, prestar atenção
na dinâmica do lar, a
fim de não darmos
excessiva importância às
coisas da casa.
Faço parte da União
Municipal Espírita de
Petrópolis (Umep), aonde
cheguei em novembro de
1984. Conversando com um
dos grupos de visitação
fraterna da Casa,
aprendi que as famílias
visitadas nunca devem se
preocupar em preparar
lanche para os
visitadores. Um
cafezinho sequer.
Motivo: alguém da
família vai ficar tão
preocupado com o café no
fogo e o bolo no forno
que não aproveitará
direito a visita
fraterna. Uma visita em
nome de Jesus. O mais
importante, nessas
ocasiões, é a prece que
será feita, o bate-papo
acolhedor, a leitura
edificante de um livro
espírita... Se alguém
ficar indo e vindo da
cozinha, perderá o
contato com Jesus e, tal
qual Marta, estará
inquieto, se preocupará
com muitas coisas,
quando só uma é
necessária.
Este comportamento em
relação às coisas da
casa é interessante de
ser observado em dias de
festas. Aniversários,
almoços, jantares,
Natal... Martas variadas
se matam de trabalhar,
ficam até altas horas na
cozinha, fazem mais de
uma sobremesa, mais de
uma opção de carne... O
resto da família acaba
sofrendo horrores, pois
é obrigado a ir inúmeras
vezes ao supermercado, a
cozinha fica
intransitável... Na hora
da festa, muitas vezes
Marta ainda está na
cozinha, atarefada com
os últimos preparativos.
Quando por fim consegue
dar atenção aos
convidados, a festa já
está no fim e ela mal
teve tempo de
aproveitá-los. Além
disso, sobrou comida.
Haja louça para lavar.
Dá-lhe reclamação de que
ninguém da família
aparece para ajudar.
Isso sem falar no
dinheiro gasto além da
conta. A melhor parte,
que era o convívio
fraterno com os
convidados, ficou em
segundo plano.
Conheci uma senhora (a
quem chamarei de
Lourdes) que fazia
questão de cuidar
pessoalmente de toda a
casa. Não queria ninguém
ajudando; não admitia
nenhuma mulher além dela
mexendo em panelas,
vassouras e afins. O
tempo foi passando, ela
envelhecendo, mas não
largava o hábito. Uma
vez, já tarde da noite,
depois de terminar a
limpeza da casa todinha,
disse a si mesma: -
Graças a Deus! Estou
morta de cansada, mas a
minha casa está limpa!
D. Lourdes já estava com
mais de 60 anos. O
ritual semanal, contudo,
permanecia, só que agora
terminando mais tarde,
já que estava mais lenta
em função da idade. Onde
a melhor parte? Onde o
tempo para curtir a
família?
Ela, no domingo, fazia
questão de elaborar os
mais variados pratos
para o marido e os dois
filhos. Certa vez, seu
marido confidenciou a
meu pai: - Eu admiro
tanto aquelas famílias
que, no domingo, almoçam
fora para aproveitar
melhor o dia! Ou, então,
comem algo bem trivial e
vão passear com os
filhos. Aqui em casa é
esse festival de comida,
é minha esposa presa o
dia inteiro na cozinha,
se acabando para agradar
a família. Agradaria
muito mais se fizesse
apenas um macarrão e
depois saísse para dar
uma volta comigo e com
as crianças. Ou então,
se concordasse em
almoçar fora de vez em
quando.
Certa feita, no
aniversário da mãe, os
irmãos de Dona Lourdes
falaram em encomendar o
bolo. Família grande,
com muitos irmãos,
filhos e primos, requer
um bolo grande. Ela
insistiu em fazê-lo,
pois era uma data
marcante. Os irmãos,
então, deixaram o bolo
por conta dela. Na hora
da festa, chega ela com
um bolo enorme na mão e
com a fisionomia
totalmente desfeita.
Morta de cansada. Um dos
irmãos, então, alegou
que se tivessem
encomendado o bolo, ela
estaria descansada para
a festa, aproveitaria
melhor o evento. Mas
não. Estava exausta, não
curtiria a festa como os
demais. Por que agia
assim? Atavismo, como já
abordado em outro
capítulo?
Lidei com jovens
espíritas durante muitos
anos e ouvi de um deles
uma história
interessante. Ele, que
gostava de escrever,
estava no início do
curso de letras. Volta e
meia, trazia um texto
para eu ou alguém do
centro espírita ler.
Durante um
desentendimento
doméstico com a mãe, ela
disse, magoada, que ele
nunca lhe mostrara um
texto de sua autoria. Só
para o pessoal do
centro. Foi então que
ele percebeu que agia
assim, não de forma
proposital, mas porque
estava acostumado a ver
a mãe sempre preocupada
com o almoço, o tapete,
o banheiro... Toda vez
que ele começava a
comentar sobre um texto
seu, ela o interrompia
com frases do tipo
“Pega a farinha para
mim?”, “Fecha a
janela da sala?”,
“Desliga a máquina de
lavar?”, “Está bom de
feijão ou quer mais?”.
Ele, sem se dar conta,
passara a ver a mãe como
a serviçal sempre às
voltas com assuntos
domésticos. Jamais
passou por sua cabeça
que a mãe poderia estar
interessada em seus
textos. A mãe não o
acostumara a tratar
desses assuntos com ela.
Ele, então, encontrara
acolhida no pessoal do
centro espírita.
Marta, Marta! Você dá
mais importância às
panelas, às toalhas e
aos lençóis do que ao
marido e aos filhos! É
esse o seu projeto de
construção de um lar?
Onde a melhor parte?
Acorda, Marta!
BIBLIOGRAFIA:
1 -
KANITZ, Stephen.
Família em Primeiro
Lugar.
Revista Veja,
nº 7, 20 de fevereiro de
2002, São Paulo, SP.