1282. O poder de curar
pelo olhar, pelo tato,
pela imposição das mãos,
é também uma das formas
por que a ação
espiritual se faz sentir
no mundo. Deus, fonte de
vida, é o princípio da
saúde física, do mesmo
modo que o é da
perfeição moral e da
suprema beleza. Certos
homens, por meio da
prece e do esforço
magnético, atraem esse
influxo, essa irradiação
da força divina que
expele os fluidos
impuros, causa de tantos
sofrimentos. O espírito
de caridade e dedicação
levada até ao
sacrifício, o
esquecimento de si
mesmo, são as condições
necessárias para
adquirir e conservar
esse poder, um dos mais
admiráveis que Deus
concede ao homem.
1283. Esse domínio, essa
superioridade do
espírito sobre a
matéria, se afirma em
todos os tempos.
Vespasiano cura pela
imposição das mãos um
cego e um estropiado.
Não menos célebres são
as curas de Apolônio de
Tiana. Todas são
ultrapassadas pelas do
Cristo e seus apóstolos,
operadas em virtude das
mesmas leis.
1284. Nos tempos
modernos, pelo ano de
1830, um santo padre
bávaro, o Príncipe de
Hohenlohe, possuiu essa
admirável faculdade. Ele
procedia sempre mediante
a prece e a invocação, e
a fama de suas curas
repercutiu em toda a
Europa. Curava os cegos,
surdos, mudos; uma
multidão de doentes e
achacados,
incessantemente
renovados,
assediavam-lhe a casa.
1285. Mais recentemente,
outros taumaturgos
atraíram a multidão dos
sofredores e
desenganados. Cahagnet,
Puységur, Du Potet,
Deleuze e seus
discípulos fizeram
prodígios. Ainda hoje,
inúmeros curadores, mais
ou menos felizes, tratam
com assistência dos
Espíritos. Esses
simples, esses crentes,
são enigmas torturantes
para a ciência médica
oficial, tão impotente
em face da dor, apesar
de suas orgulhosas
pretensões.
1286. Charcot, esse
observador genial, no
fim da vida
reconheceu-lhes o poder.
Numa revista inglesa
publicou ele um estudo
que se tornou famoso:
“The faith healing” (A
fé que cura). Com
efeito, a fé, que é de
si mesma uma fonte de
vida, pode bastar para
restituir a saúde. Os
fatos o demonstraram com
eloquência irrefragável.
Nos mais diversos meios,
homens de bem como o
cura d'Ars, o Sr. Vigne,
um protestante das
Cevennas, o padre João,
de Cronstadt, outros
ainda, tanto nos
santuários católicos
como nos do Islã ou da
Índia, obtiveram pela
prece inumeráveis curas.
1287. Demonstra isso
que, acima de todas as
igrejas humanas, fora de
todos os ritos, de todas
as fórmulas e seitas, há
um foco supremo que a
alma pode atingir pelos
impulsos da fé, e no
qual vai ela haurir
forças, auxílios, luzes,
que se não podem
apreciar nem compreender
desconhecendo Deus e não
querendo orar. A cura
magnética não exige, na
realidade, nem passes,
nem fórmulas especiais,
mas unicamente o desejo
ardente de aliviar a
outrem, a invocação
profunda e sincera da
alma a Deus, fonte e
princípio de todas as
forças.
1288. Dessas
considerações se
depreende um fato: é que
perpetuamente, em todas
as épocas, tem o mundo
invisível colaborado com
o mundo dos mortais,
nele transfundindo suas
aspirações e socorros.
Os milagres do passado
são os fenômenos do
presente; só os nomes
mudam; os fatos
espíritas são eternos.
1289. Assim, tudo se
explica, se esclarece e
se compreende. Ante o
imenso panorama do
passado se inclina o
pensador, empunhando o
facho do novo
Espiritualismo; e essa
luz, na vastidão dos
séculos, a poeira dos
destroços, que a
História registrou,
brilha a seus olhos como
auríferas centelhas.
1290. Os homens de
gênio, voluntária ou
involuntariamente,
conscientemente ou não,
se acham em relação com
o Além; dele recebem os
poderosos eflúvios;
inspiradores invisíveis
os assistem e colaboram
em suas obras.
Acrescentarei que o
gênio é uma mediunidade
dolorosa. Os grandes
médiuns, como vimos, têm
sido os maiores
mártires. A morte de
Sócrates, o suplício de
Jesus e a fogueira de
Joana d'Arc são alguns
desses calvários
redentores que dominam a
História.
1291. Todos os grandes
homens sofreram; foram,
segundo uma palavra
célebre: “ilustres
perseguidos”. Todo homem
que se eleva, isola-se,
e o homem isolado sofre;
é incompreendido.
1292. Um excelente livro
a escrever seria o dos
infortúnios do gênio;
nele ver-se-ia quão
doloroso foi o destino
de todos os Cristos
deste mundo: Orfeu,
dilacerado pelas
bacantes; Moisés,
enterrado provavelmente
vivo no Nebo; Isaías,
serrado pelo meio do
corpo; Sócrates,
envenenado com cicuta;
Colombo, acorrentado
como malfeitor; Tasso,
enclausurado entre
loucos; Dante, errando
através dos exílios;
Milton, pobre como Job e
cego como Homero;
Camões, agonizando numa
enxerga(1) de
hospital; os grandes
inventores: Galileu,
encarcerado pela
Inquisição; Salomão de
Caus, Bernardo Palissy,
Jenner, Papin, Fulton e
tantos outros, reputados
insensatos! Insensatez
sublime, como a de
Jesus, que Herodes fez
coroar de espinhos e
revestir com um manto de
púrpura, em sinal de
humanidade.
1293. Há nesse fato leis
misteriosas, conhecidas
outrora pelos sábios,
atualmente postergadas,
mas que a ciência
espiritualista
contemporânea deve
reconstituir com
paciente labor entre
numerosas contradições;
porque a punição dos
povos consiste em
readquirir ao preço de
seu suor, de seu sangue
e suas lágrimas, as
verdades perdidas e as
revelações
menosprezadas.
1294. Voltemos, porém,
ao estudo psíquico do
gênio. O gênio é uma
mediunidade, da qual
possui antes de tudo o
caráter essencial, que é
a intermitência. Um
homem superior não o é
jamais no estado
habitual; o sublime a
jato contínuo faria
rebentar o cérebro. Os
homens de gênio têm às
vezes suetos vulgares.
Alguns mesmo há que não
foram inspirados mais
que uma vez na vida;
escreveram uma obra
imortal e em seguida
repousaram.
1295. Numerosos exemplos
o demonstram: a
mediunidade genial se
assemelha à mediunidade
de incorporação. É
precedida de uma espécie
de transe, que tem sido
justamente denominado “a
tortura da inspiração”.
A mensagem divina não
penetra impunemente o
ser mortal; impõe-se-lhe
de alguma sorte pela
violência. Uma espécie
de febre e um frêmito
sagrado se apoderam
daquele que o Espírito
visita. Manifestações,
transportes semelhantes
aos que agitavam a pítia(2)
em sua trípode(3),
anunciam a chegada do
deus: Ecce deus!
1296. Todos os grandes
inspirados – poetas,
oradores, músicos,
artistas – têm
experimentado essa
hiperexcitação sibilina(4),
em consequência da qual
chegaram alguns mesmo a
morrer. Rafael
consumiu-se na flor dos
anos. Há jovens
predestinados cujo
invólucro demasiado
frágil não pôde suportar
a energia das
inspirações
super-humanas, e que
tombaram, logo ao
alvorecer do próprio
gênio, como a delicada
flor que o primeiro raio
de sol atira morta ao
chão.
1297. A Igreja admite
essa doutrina; ensina
que dentre os seus
autores sagrados alguns
são diretamente
inspirados, como os
profetas, outros
simplesmente assistidos.
Essa distinção entre a
inspiração e a
assistência é para nós
representada pelos
diferentes graus da
mediunidade.
Lembremo-nos a esse
respeito do que
expusemos em outro
lugar. A Igreja foi
espírita durante os três
primeiros séculos. As
Epístolas de São Paulo e
os livros dos Atos dos
Apóstolos são manuais
clássicos de
mediunidade.
1298. A teologia
escolástica(5)
veio turvar a límpida
fonte das inspirações,
introduzindo elementos
de erro na magnífica
síntese da doutrina
hierática(6)
das primeiras épocas
cristãs. A obra chamada
o “Areopagita” é
inteiramente impregnada
de Espiritismo. Na vida
dos santos ressuma
exuberante a seiva
mediúnica de que foi
saturada a primitiva
Igreja pelo Cristo e
seus apóstolos.
1299. Os conselhos de
São Paulo aos Coríntios
são recomendações de um
diretor de grupo aos
seus iniciados. Tomás de
Aquino afirma ter
comentado essas
epístolas sob o próprio
ditado do apóstolo; ele
conversava com uma
personagem invisível; à
noite sua cela era
inundada por uma luz
estranha e seu discípulo
Reginaldo, três dias
depois de morto, lhe
veio dizer o que vira no
Céu. Alberto, o Cirande,
hauria sua incomparável
ciência da Natureza por
meio de infusão(7)
mediúnica, ciência que
lhe foi retirada
subitamente, do mesmo
modo que lhe havia sido
transmitida; e na idade
de quarenta anos
tornou-se ele novamente
ignorante como uma
criança.
1300. Joaquim de Flora e
João de Parma, seus
discípulos, foram
instruídos por meio de
visões e escreveram, sob
o ditado de um Espírito,
“O Evangelho Eterno”,
que contém, em gérmen,
toda a revelação do
futuro. Os “litterati”
da Renascença, Marsilio
Ficino, de Florença;
Pico de Mirandola,
Jerônimo Cardan,
Paracelso, Pomponácio e
o insigne Savonarola
imergiram na mediunidade
como num oceano
espiritual.
1301. O século XVII teve
também seus gloriosos
inspirados. Pascal tinha
êxtase; Malebranche
escreveu, na obscuridade
de uma cela fechada, sua
“Pesquisa da Verdade”. O
próprio Descartes refere
que o seu sistema genial
da “Dúvida Metódica” lhe
foi revelado por súbita
intuição que lhe
atravessou o pensamento
com a rapidez de um
raio. Ora, à filosofia
cartesiana(8),
assim oriunda de uma
espécie de revelação
mediúnica, é que devemos
a emancipação do
pensamento moderno, a
libertação do espírito
humano, encarcerado
havia séculos na
fortaleza escolástica,
verdadeira bastilha(9)
do despotismo
aristotélico e monástico(10).
1302. Esses grandes
iluminados do século
XVII foram os
precursores de Mesmer,
de Saint-Martin, de
Swedenborg, da escola
san-simoneana e de todos
os apóstolos da doutrina
humanitária, precedendo
Allan Kardec e a atual
escola espiritualista,
cujos inúmeros luzeiros
se vão acendendo em
todos os pontos do
Universo.
1303. Assim, o fenômeno
da mediunidade se
patenteia em todas as
épocas, ora fulgurando
com intenso brilho, ora
velado e obscurecido,
conforme o estado de
alma dos povos, jamais
cessando de encaminhar a
Humanidade em sua
peregrinação terrestre.
Todas as grandes obras
são filhas do Além. Tudo
o que há revolucionado o
mundo do pensamento,
aduzindo um progresso
intelectual, nasceu de
um sopro inspirador.
1304. Na hierarquia das
inteligências existe uma
solidariedade magnífica.
Uns aos outros se têm os
grandes inspirados
transmitido, através do
longo rosário dos
séculos, o farol da
mediunidade reveladora e
gloriosa. A Humanidade
ainda caminha à frouxa
luz crepuscular dessas
revelações, à claridade
desses fogos acesos, nas
eminências da História,
secundada por
predestinados
instrutores.
1305. Essa perspectiva
da história geral é
consoladora e grandiosa;
reveste as modalidades e
o caráter de um drama
sacrossanto. Deus envia
seu pensamento ao mundo
por emissários que
incessantemente descem
os degraus da escada dos
seres e vão levar aos
homens a comunicação
divina, como os astros
enviam à Terra, através
das profundezas, suas
irradiações sutis. Assim
tudo se liga no plano
universal. As esferas
superiores promovem a
educação dos mundos
inferiores. Os Espíritos
celestes se fazem
instrutores das
Humanidades atrasadas. A
ascensão dos mundos de
prova para os de
regeneração é o mais
belo espetáculo que pode
ser oferecido à
admiração do pensador.
1306. Desde as mais
elevadas e brilhantes
esferas às regiões mais
baixas e obscuras, desde
os mais radiosos
Espíritos aos homens
mais grosseiros, o
pensamento divino se
projeta em catadupas(11)
de luz, numa efusão de
amor. Com essa doutrina
ou, antes, mediante essa
visão de solidariedade
intelectual dos seres,
compreendemos quanto
somos devedores aos
nossos antepassados
espirituais, aos
gloriosos médiuns, que,
com o labor penosíssimo
do gênio, semearam o que
fruímos hoje, e que
outros hão de melhor
colher ainda no futuro.
Esses pensamentos nos
devem inspirar uma
piedade reconhecida aos
mortos augustos que
implantaram o progresso
em nosso mundo.
1307. Vivemos numa época
de perturbação em que já
quase se não sentem
estas coisas.
Pouquíssimos entre os
nossos contemporâneos se
elevam a essas
culminâncias, donde,
como de um promontório,
se descortina o vasto
oceano das idades, o
cadenciado fluxo e
refluxo dos sucessos. A
Igreja, transformada em
sociedade política, não
soube aplicar às
necessidades morais da
Humanidade essas
verdades profundas e
essas leis do Invisível.
Os sacerdotes são
impotentes para nos
encaminhar, porque eles
próprios esqueceram os
termos sagrados da
sabedoria antiga e o
segredo dos “mistérios”.
A ciência moderna se
engolfou até agora no
materialismo e no
positivismo
experimental. A
Universidade não sabe
ministrar, pela palavra
dos mestres, o ensino
regenerador que
retempera as almas e as
prepara para as grandes
lutas da existência. Até
as sociedades secretas
perderam também o
sentido das tradições
que justificavam seu
funcionamento; praticam
ainda os ritos, mas a
alma que as vivificava
emigrou para outros
céus.
1308. É tempo de que um
novo influxo percorra o
mundo e restitua a vida
a essas formas gastas, a
esses debilitados
envoltórios. Só a
Ciência e a revelação
dos Espíritos podem dar
à Humanidade a exata
noção de seus destinos.
Um imenso trabalho em
tal sentido se realiza
atualmente; uma obra
considerável se elabora.
1309. O estudo
aprofundado e constante
do mundo invisível, que
o é também das causas,
será o grande manancial,
o reservatório
inesgotável em que se
hão de alimentar o
pensamento e a vida. A
mediunidade é a sua
chave. Por esse estudo
chegará o homem à
verdadeira ciência e à
verdadeira crença que se
não excluem mutuamente,
mas que se unem para
fecundar-se; por ele
também uma comunhão mais
íntima se estabelecerá
entre os vivos e os
mortos, e socorros mais
abundantes fluirão dos
Espaços até nós.