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Crônicas e Artigos

Ano 8 - N° 375 - 10 de Agosto de 2014

DIAMANTINO LOURENÇO RODRIGUES DE BÁRTOLO
bartolo.profuniv@mail.pt
Venade - Caminha
,
 Viana do Castelo (Portugal

 
 

Destino do Homem (?)


Frequentemente se coloca a questão da condição humana enquanto ser vivente que constrói praticamente o que utiliza, desde os mais simples objetos às mais sofisticadas máquinas, incluindo aquelas que servem para o seu conforto e bem-estar, como as que utiliza para o seu próprio sofrimento, por meios violentos, como são as armas de guerra, levando à destruição total se necessário.

Também é verdade, mesmo preferindo-se uma análise otimista, que a sua evolução, em termos da preservação da saúde e do bem-estar, é uma constante. O meio-termo, entre destruição da própria vida e a sua preservação, não parece, ainda, estabelecido, admitindo-se, contudo, que a preocupação pela melhoria das condições de vida tem sido mais evidente, o que se justifica com o aumento demográfico da população mundial, precisamente com base em avanços científicos e tecnológicos a favor da vida e da longevidade sadia.

Considerando, portanto, que o saldo é positivo, para o lado do “bem”, importa, apesar disso, insistir na ideia segundo a qual o homem não deverá ter o direito de provocar a sua própria destruição, muito menos por processos violentos e até hediondos, que repugnam toda uma civilização, que se deseja tolerante e humanamente dignificada.

Neste domínio, aumento da população, atualmente, Portugal é uma infeliz exceção, porque a população está a diminuir de tal forma que em 2050 se prevê uma redução de cerca de 25%, sendo certo que a natalidade é a das mais baixas da União Europeia; o número de idosos vem aumentando e a desertificação é uma realidade que nos está a atormentar.

O destino do homem não pode ser a sua autodestruição, pelo contrário, tudo deverá ser feito para que sejam abandonados os métodos da violência, qualquer que esta seja, e desenvolvidos através das boas práticas, todos aqueles que conduzem às situações verdadeiramente humanistas.

O tempo das cavernas, da marcação do território e da posse da fêmea não é compatível com uma sociedade da igualdade, de deveres e de direitos, com a dignidade das pessoas e com os valores humanistas que deveriam reger o mundo.

É certo que a ciência e a técnica ainda não penetraram no mais interior que o ser humano possui, nem sequer em toda a sua parte física conseguiram descobrir e resolver muitos e graves problemas patológicos, muito menos no âmbito espiritual se conseguiu qualquer descoberta impactante. O mistério continua e até parece estar a interessar pouco os cientistas positivistas.

A dimensão física, corpórea ou espacial do homem é uma evidência que ninguém pode negar, e que se acompanha, praticamente, desde a concepção até à morte da pessoa que, ao longo da vida física, se desenvolve através de um corpo, com a configuração humana, com uma determinada regularidade e perfeição, que esse corpo apresenta, em determinadas partes, uma fisionomia que permite um reconhecimento ao longo dos anos e até depois da morte física. Em suma, o corpo, parte material do ser humano, com um princípio e um fim.

A dimensão espiritual (principalmente para quem nela acredita) começa por ser inefável, não tem rosto, integra-se (ou não?) num corpo, este com uma identidade própria e que o acompanha ao longo da vida. A alma, espírito ou qualquer outra designação, tem um princípio e um fim (ou não?). Então considerando as duas dimensões do homem, qual é, afinal, o seu destino? Trata-se de uma questão complicadíssima, à qual não se pretende, aqui, responder, mas tão-só, refletir sobre ela.

O homem, assim mesmo considerado, nos contornos físicos que se conhecem e na sua constituição biológica até ao presente desvendada, ainda tem aspetos que não são completamente esclarecidos. O funcionamento do cérebro, por exemplo, revela-se, por enquanto, em grande parte, algo misterioso, ao contrário da maioria dos restantes órgãos, internos e externos.

Portanto, o conhecimento do homem total ainda não é possível, se é que algum dia tal venha a acontecer. Por enquanto pode-se concordar com o seguinte: «Desde que existe, o Homem oferece-se em espetáculo a si próprio. De fato, há dezenas de séculos que outra coisa não faz senão olhar-se a si mesmo. E, no entanto, mal começa a adquirir uma visão científica da sua significação na física do Mundo. Não nos admiremos desta lentidão no despertar. Muitas vezes, nada há tão difícil de perceber como o que deveria saltar-nos aos olhos» (CHARDIN, 1970:7).

A ciência e a técnica (um pouco à semelhança da justiça), em alguns domínios, avançam de forma relativamente lenta, ou então, sabiamente cautelosas, apesar dos sucessos que ao longo do último século têm sido evidentes e animadores em diversas áreas, embora numas mais do que noutras.

Há, porém, campos de possíveis e futuros conhecimentos onde pouco ou nada se conseguiu, porque, praticamente, permanecem autênticos dogmas, e que apenas se fala neles para discussão, por vezes polêmica, ou para reforçar determinadas convicções, seja pela negativa, seja pela positiva.

Por enquanto será, ainda, forçoso considerar-se “campo de investigação científica” aquilo que não se conhece, que não se sabe como vir a conhecer e que nem sequer se pode estabelecer objeto de estudo, metodologia e objetivos.

Abordar pelas vias científicas e técnicas o destino do homem é, praticamente, um risco que ninguém, materialmente responsável, quererá assumir, ao contrário de outras previsões e estimativas que se podem estabelecer relativamente a certas áreas científicas, eventualmente, e ainda assim, muito poucas e a curto prazo.

No que respeita ao destino do homem, referente ao seu corpo físico, ao seu volume corpóreo, como alguns preferem afirmar, as dúvidas, praticamente, não se colocam, seja pela inumação, pela incineração ou práticas de conservação de cadáveres como o embalsamento. Na verdade o corpo físico morre, deixa de ter vida e, excetuando situações de um ou outro ‘milagre’ ou fenômeno de ressuscitação, parece que tudo acaba com a morte cerebral da pessoa possuidora do respetivo corpo. A reflexão continuará polêmica, sem conclusões objetivas e validadas pela ciência, há que reconhecer, embora se deva respeitar a posição dos que acreditam noutro fim.

Apesar de polêmico, o tema é compensador e estimulante, na medida em que deverá conduzir cada homem, cada grupo e cada sociedade a uma reflexão profunda, sobre se vale a pena, ou não, a prática de atitudes extremamente nocivas ao bem da humanidade, quando quase ninguém sabe qual é o seu destino último, ou, em última instância, duvida desse mesmo fim.

Um dos grandes mistérios do Homem pode encontrar-se neste fim último a atormentá-lo de tal maneira que, justamente, por incapacidade de o desconhecer, levá-lo a cometer as barbáries mais hediondas, para além de outras causas como o egoísmo, a vingança, os fanatismos, entre outros comportamentos, o que, apesar de tudo, não é justificável.

A azáfama das sociedades atuais, pressionadas pelos valores e contravalores, objetivos, estratégias e supremacias em todos os domínios, não deixa tempo para o pensamento livre e ponderado sobre o destino do próprio Homem. Tudo passa a correr, é preciso chegar primeiro a uma qualquer meta, atingir determinado objetivo.

Cada um deve mostrar ao outro que é melhor. Vive-se embriagado pelo PODER, pelo PRAZER, pelo TER, e também nesse sentido se deve refletir que: «O homem moderno vive, em geral, à superfície de si mesmo e das coisas, no frêmito deslumbrante da luz e som, que são os tubos de néon, o valor das máquinas, o acotovelar da gente. Embora igualmente inteligente e mais desenvolvido que o homem dos outros séculos, o homem do século XX não chega, as mais das vezes, a pensar verdadeiramente, porque a sua atenção é distraída continuamente pelo deslumbramento do mundo sensível que o cerca, numa sucessão entontecedora de imagens de filme, perpassando ininterruptamente ante o seu olhar» (MARTINS, 1961:159).

Como frequentemente se firma, também aqui se pode aplicar o mesmo princípio: “à política o que é da política”; “à justiça o que é da justiça”; “à ciência o que é da ciência”; “ao espírito o que é do espírito” e “a Deus o que é de Deus”, obviamente para quem acreditar na dimensão espiritual do homem, tal como aqueles que apenas acreditam na dimensão corpórea e que são igualmente respeitados. Refletir aqui sobre a possibilidade de o homem ter dois destinos ou fins – o fim do corpo que pela morte física desaparece; a imortalidade do espírito ou alma que pela transcendência se junta a uma entidade divina: Deus. Trata-se de uma “discussão muito complexa”.

O ser humano não pode ser estudado como qualquer outro animal, objeto ou coisa e, nessa medida, haverá aspectos que devem ser mais cuidados. É possível, até porque não se afigura que já tenha sido demonstrado o contrário, que para além da constituição corpórea, nela se integre uma outra característica, específica da espécie humana que, no final da morte física, se liberte do corpo e se encaminhe para um outro destino! Este poderá ser o mistério da condição humana que não está provado, mas também não está negado em absoluto.

Adotando-se esta dúvida, pelo menos para alguns, considere-se que a constituição humana é composta por alma e corpo. Quanto ao corpo, ao fim de um certo tempo, naturalmente que morre e desaparece para não mais surgir. No que à alma respeita, o seu destino não será exatamente o mesmo, todavia, não é possível, com um mínimo de certeza, indicar qual será.

Ora, se se respeita o corpo até ao seu desaparecimento físico, igual exigência se deve colocar relativamente à alma, com a diferença de que esta deverá merecer a respeitabilidade para sempre, e, para os que acreditam nesta dimensão espiritual, então, será imortal. Com esta lógica, o destino do homem terá uma componente de imortalidade, junto do ente Divino que lhe deu origem: Deus.

Recolocar o homem no seu posicionamento correto no mundo não se trata de uma teoria criticada há alguns séculos, quando se defendeu o antropocentrismo, ignorando-se, então, Deus.

Pretende-se, aqui, uma nova interpretação e um papel de destaque para o homem, precisamente em contraste com os restantes animais e com a natureza em geral. De fato, de acordo com o raciocínio, segundo o qual: «Longe de ser um só a mais no mundo, o homem é o centro do universo, o ponto para tudo o mais converge e que lhe dá um sentido.» (Ibid. 1961:208).

Indiscutivelmente o ser humano é diferente, superior, dominador em toda a face da Terra, pelo menos em relação ao que até hoje se conhece, excetuando, seguramente, as forças da natureza que, imprevisivelmente, provocam as maiores catástrofes e contra as quais o homem ainda não está devidamente preparado para as enfrentar e vencer.

Também por este motivo o seu destino último tem de ser diferente, no que se refere à sua dimensão espiritual, aceitando-se que ela existe. Admitindo, igualmente, que a natureza se deve à intervenção de um ente Divino, que até pode ser ela própria, então também se poderá aceitar que Homem e Natureza fazem parte de um ser superior que, no final de cada ciclo, se podem fundir, ou ainda que, paulatinamente, o homem se vai integrando nessa mesma Natureza. Será este o destino do Homem?

Poder-se-ia dissertar sobre este tema, que a conclusão seria difícil ou mesmo impossível para uns, no que respeita ao destino e imortalidade da alma e, aparentemente, mais fácil para outros, principalmente para os que acreditam numa alma ou espírito que, desligado do corpo, se juntará ao ente Divino que o criou. Cientistas, técnicos e crentes muito dificilmente estarão de acordo, mas também não têm que estar em confronto permanente, desde que respeitem os seus papéis e convicções.

Afinal, ciência, técnica e religião apenas constituem dimensões diferentes do ser humano, o que também por aqui o distingue dos restantes seres que existem na Terra e acabam por ser o motivo que justifica a superioridade que há pouco se mencionou. Ainda que por raciocínio diferente, pode-se chegar a uma conclusão interessante, que aponta para um destino último do homem: «No plano histórico, na maior parte das culturas se observa que o homem não se fecha em si mesmo, não alcança na sua visão das coisas somente a realidade material e o que o circunda - hic et nunc -, mas crê também num outro mundo e está orientado para ele, confiante de poder fazer parte dele um dia» (MONDIN, 1980:190).


Bibliografia:

CHARDIN Pierre Teilhard de, (1970). O Fenômeno Humano, Trad. Portuguesa de Leal Bourbon e José Terra, 3ª. Ed., Porto: Livraria Tavares Martins.

MARTINS, Diamantino, S.J., (1961). Mistério do Homem; Ser, Personalidade, Imortalidade, Braga: Livraria Cruz.

MONDIN, Battista, (1980). O Homem, quem é ele? Elementos de Antropologia Filosófica, Trad. R. Leal Ferreira e M. A. S. Ferrari; revisão de Danilo Morales, 3ª Ed., São Paulo: Edições Paulinas.

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