ALMIR DEL PRETTE
adprette@ufscar.br
São Carlos, SP (Brasil)
|
|
A paz do mundo e a
paz
de Jesus
O que significa paz?
Quando, em que período,
em quais situações o
mundo encontrou a paz? O
currículo belicoso dos
humanos terráqueos faria
inveja aos seres
beligerantes dos mundos
guerreiros na ficção da
saga Star Wars de George
Lucas. Nosso planeta
azul suportou duas
guerras mundiais, com
participação da quase
totalidade das nações
com forças armadas. Além
dessas, tivemos guerras
nomeadas pela duração
temporal: dos sete anos,
dos treze, dos trinta e
a guerra dos cem anos
entre França e
Inglaterra, e aliados de
ambos os lados, que, na
verdade, durou cento e
dezesseis anos. A
história também registra
dezenas de contendas
entre países do
hemisfério ocidental,
que nada ficam a dever
às guerras do outro lado
do globo. Foram guerras
e mais guerras, por
diferentes motivações,
inclusive as religiosas,
lembrando que uma das
cruzadas, que pretendia
tomar Jerusalém, era
composta
majoritariamente por
crianças. Pasmem os
leitores, tivemos até
mesmo a guerra do Yom
Kipur, assim denominada
porque Egito e Síria
bombardearam o Sinai e a
Colina Golã, exatamente
quando os judeus
comemoravam o dia
consagrado ao perdão.
No período que
compreende desde três
mil anos atrás até o
atual, algumas nações
mais poderosas vêm
tentando arbitrar os
conflitos e divergências
entre vários países.
Claro que essa boa
vontade nunca foi, nem
é, desinteressada.
Países economicamente
poderosos no passado,
como Macedônia, Pérsia,
Grécia, Egito e o
Império Romano, eram
conquistadores e ao
mesmo tempo árbitros
entre diferentes nações.
Depois Japão,
Inglaterra, França,
Prússia, Alemanha e por
último os Estados Unidos
repetiram, em períodos
diferentes, a oferta da
famosa Pax Romana aos
países vencidos, que
consistia “de proteção”
em acordos bilaterais.
A astúcia, a força e a
prepotência do Império
Romano revivem, há
alguns séculos, nos
Estados Unidos, onde,
até mesmo o símbolo da
águia foi transplantado
de Roma para Washington.
Entretanto, há uma
diferença: ao contrário
dos romanos, os
americanos se esforçam
para impor sua visão de
mundo e sua política aos
demais. Agora, novamente
os Estados Unidos se
oferecem para arbitrar
as contendas do Oriente
Médio, interessados nas
ainda grandes reservas
de petróleo e outros
minérios. A suposta
racional dos movimentos
coletivos em geral,
incluindo a guerra, é a
reparação ou a
eliminação da injustiça,
mesmo que esse móvel
desapareça ao longo do
tempo, como geralmente
acontece.
A Pax Americana, como
foi um dia a romana,
somente é possível de
ser negociada quando há
conflitos e não é
estranho que a história
se repita. Países que
vão guerrear compram
armamentos, aviões,
drones (veículos aéreos
não tripulados), todas
as novidades bélicas,
bem como assessorias e
treinamentos militares
para se envolverem em
conflitos sangrentos.
Esses mesmos países
pagam, depois, um preço
altíssimo para gerar
desenvolvimento e se
endividam mais ainda na
“proteção” oferecida
pelo sistema financeiro
sob o controle dos
Estados Unidos. Claro
que outras nações também
participam da indústria
e comércio de armamentos
e que o dinheiro não tem
pátria, mas o pêndulo
oscila de maneira
desigual quando entra em
ação a diplomacia da
força.
Jesus, que conhecia bem
a vulnerabilidade do
coração humano, disse:
“Minha paz vos deixo,
minha paz vos dou, mas
não vo-la dou como o
mundo a dá” (João,
14:17). Neste período
igualmente turbulento, a
paz de algumas horas ou
alguns dias é o melhor
que os governos
conseguem alcançar, não
obstante os esforços da
ONU. Por isso, adota-se
o pragmatismo de que
todo e qualquer cessar
fogo, mesmo que por
tempo mínimo, é melhor
do que o combate
permanente. O que
diferencia a paz de
Barack Obama, Shimon
Peres e Moussa Abu
Marzug (Hamas) em
relação à paz de Jesus?
Chefes de Estados que se
dizem religiosos
(cristãos, judeus,
islâmicos...) têm
refletido e conversado
sobre isso?
Seguramente, podemos
responder não a essa
pergunta. A lógica da
guerra segue interesses
econômicos,
delineamentos de
hegemonia política, de
dominação regional,
priorizando aliados e
neutralizando nações
adversárias, defensoras
de outras estratégias.
Vidas humanas não
contam! Nem mesmo as dos
soldados que o próprio
governo envia ao front,
ainda que o discurso a
esse respeito seja
outro.
“Minha paz vos dou, mas
não vo-la dou como o
mundo a dá.” A paz do
mundo é formal: exige
documentos assinados
pelos chefes dos países
contendores; prevê
sanções sobre a parte
mais fraca que, em
última instância, recai
pesadamente sobre o
povo; estabelece
condições humilhantes ao
país perdedor sobre o
objeto da disputa,
impondo-lhe a obrigação
de se alinhar à política
do vencedor. Entretanto,
a paz de Jesus é
intrinsecamente
diferente. Podemos
inferir que o processo
correspondente a essa
paz é anterior à
condição da guerra,
atuando
preventivamente. Esse
processo envolve: erguer
e corrigir aquele que
errou; valorizá-lo no
que for possível, sem
humilhá-lo; fornecer
oportunidade de
reparação; dispensar
formalismos e
hierarquia. Ela tem,
simultaneamente, um
caráter individual e
coletivista, porque age
no sentimento de cada
indivíduo e no
aperfeiçoamento da
legislação.
Uma análise sobre os
constantes fracassos da
paz do mundo exigiria
mais espaço do que seria
desejável neste artigo.
Contudo, a história
reconhece que os
tratados de paz
penalizam fortemente o
perdedor, salvo quando
outros interesses estão
em jogo. Por exemplo, as
imposições e humilhações
sofridas pelos alemães,
logo ao término da
primeira guerra mundial,
serviram de motivação
para o esforço bélico
desse povo. O pesado
tributo estabelecido
pelos aliados plantou o
sentimento de
revanchismo, tornando o
povo vulnerável à
intensa propaganda
nazista, pouco tempo
depois. Quase em geral,
esse tem sido o
resultado da paz do
mundo e no mundo.
Algumas tentativas
diferenciadas de
correção de injustiças
trazem esperança à
humanidade. Duas dessas
tentativas podem ser
consideradas
emblemáticas. A primeira
foi a da independência
da Índia do Império
Britânico, sob a
liderança de Mahatma
Gandhi (1869-1948).
Defensor da não
violência, Gandhi
incansavelmente repetia
aos ativistas que toda
restrição era em relação
ao pecado e não em
relação ao pecador. A
outra ação notável foi o
movimento dos direitos
civis dos negros nos
Estados Unidos, sob a
liderança do pastor
Martin Luther King
(1929-1968). Essa ação
se fundamentou na
desobediência civil e
também teve como base a
não violência e o amor
ao próximo. Em se
tratando de ações
coletivas, com razoável
duração no tempo, elas
atingiram seus
principais objetivos.
Pode-se dizer que essas
ações foram as que mais
se identificaram com a
paz de Jesus e, com
elas, nos aproximamos um
pouco das promessas da
bem-aventurança:
“Bem-aventurados os
mansos porque possuirão
a Terra; bem-aventurados
os que têm fome e sede
de justiça, porque serão
saciados;
bem-aventurados os
pacificadores, porque
serão chamados filhos de
Deus” (Mat., 5-17).
Esses movimentos mostram
que essas ações são
alternativas a serem
estudadas e seguidas.
A paz de Jesus é
endereçada ao indivíduo
e à coletividade. Paz
que atinge o coração do
homem e influencia a
legislação, orientando o
conjunto de normas e
leis que devem se
traduzir nos
comportamentos de cada
indivíduo. O movimento
“Você e a Paz”, sob a
liderança de Divaldo
Pereira Franco, adota
como estratégia
principal a necessidade
de mudança na cultura. E
o que é cultura senão um
conjunto de crenças e
comportamentos, que se
modificam quando as
contingências são
alteradas? Por que Jesus
acrescentou “não vo-la
dou como o mundo a dá”?
Porque paz não é
meramente a ausência da
guerra. É muito mais!
Jesus não ofereceu sua
paz como uma doação ou
imposição. A doação é
impossível porque a paz
é intransferível e a
imposição se traduz em
rito que se esvazia no
tempo, transformando-se
na cultura da repetição.
Essa paz de Jesus é uma
conquista, individual e
coletiva. A pergunta
final é: estamos nos
esforçando para
alcançá-la?