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Crônicas e Artigos

Ano 8 - N° 379 - 7 de Setembro de 2014

ALMIR DEL PRETTE
adprette@ufscar.br

São Carlos, SP (Brasil)

 
 

A paz do mundo e a
paz de Jesus


O que significa paz? Quando, em que período, em quais situações o mundo encontrou a paz? O currículo belicoso dos humanos terráqueos faria inveja aos seres beligerantes dos mundos guerreiros na ficção da saga Star Wars de George Lucas. Nosso planeta azul suportou duas guerras mundiais, com participação da quase totalidade das nações com forças armadas. Além dessas, tivemos guerras nomeadas pela duração temporal: dos sete anos, dos treze, dos trinta e a guerra dos cem anos entre França e Inglaterra, e aliados de ambos os lados, que, na verdade, durou cento e dezesseis anos. A história também registra dezenas de contendas entre países do hemisfério ocidental, que nada ficam a dever às guerras do outro lado do globo. Foram guerras e mais guerras, por diferentes motivações, inclusive as religiosas, lembrando que uma das cruzadas, que pretendia tomar Jerusalém, era composta majoritariamente por crianças. Pasmem os leitores, tivemos até mesmo a guerra do Yom Kipur, assim denominada porque Egito e Síria bombardearam o Sinai e a Colina Golã, exatamente quando os judeus comemoravam o dia consagrado ao perdão.

No período que compreende desde três mil anos atrás até o atual, algumas nações mais poderosas vêm tentando arbitrar os conflitos e divergências entre vários países. Claro que essa boa vontade nunca foi, nem é, desinteressada. Países economicamente poderosos no passado, como Macedônia, Pérsia, Grécia, Egito e o Império Romano, eram conquistadores e ao mesmo tempo árbitros entre diferentes nações. Depois Japão, Inglaterra, França, Prússia, Alemanha e por último os Estados Unidos repetiram, em períodos diferentes, a oferta da famosa Pax Romana aos países vencidos, que consistia “de proteção” em acordos bilaterais.

A astúcia, a força e a prepotência do Império Romano revivem, há alguns séculos, nos Estados Unidos, onde, até mesmo o símbolo da águia foi transplantado de Roma para Washington. Entretanto, há uma diferença: ao contrário dos romanos, os americanos se esforçam para impor sua visão de mundo e sua política aos demais. Agora, novamente os Estados Unidos se oferecem para arbitrar as contendas do Oriente Médio, interessados nas ainda grandes reservas de petróleo e outros minérios. A suposta racional dos movimentos coletivos em geral, incluindo a guerra, é a reparação ou a eliminação da injustiça, mesmo que esse móvel desapareça ao longo do tempo, como geralmente acontece.

A Pax Americana, como foi um dia a romana, somente é possível de ser negociada quando há conflitos e não é estranho que a história se repita. Países que vão guerrear compram armamentos, aviões, drones (veículos aéreos não tripulados), todas as novidades bélicas, bem como assessorias e treinamentos militares para se envolverem em conflitos sangrentos. Esses mesmos países pagam, depois, um preço altíssimo para gerar desenvolvimento e se endividam mais ainda na “proteção” oferecida pelo sistema financeiro sob o controle dos Estados Unidos. Claro que outras nações também participam da indústria e comércio de armamentos e que o dinheiro não tem pátria, mas o pêndulo oscila de maneira desigual quando entra em ação a diplomacia da força.

Jesus, que conhecia bem a vulnerabilidade do coração humano, disse: “Minha paz vos deixo, minha paz vos dou, mas não vo-la dou como o mundo a dá” (João, 14:17).  Neste período igualmente turbulento, a paz de algumas horas ou alguns dias é o melhor que os governos conseguem alcançar, não obstante os esforços da ONU. Por isso, adota-se o pragmatismo de que todo e qualquer cessar fogo, mesmo que por tempo mínimo, é melhor do que o combate permanente.  O que diferencia a paz de Barack Obama, Shimon Peres e Moussa Abu Marzug (Hamas) em relação à paz de Jesus? Chefes de Estados que se dizem religiosos (cristãos, judeus, islâmicos...) têm refletido e conversado sobre isso?

Seguramente, podemos responder não a essa pergunta. A lógica da guerra segue interesses econômicos, delineamentos de hegemonia política, de dominação regional, priorizando aliados e neutralizando nações adversárias, defensoras de outras estratégias. Vidas humanas não contam! Nem mesmo as dos soldados que o próprio governo envia ao front, ainda que o discurso a esse respeito seja outro.

“Minha paz vos dou, mas não vo-la dou como o mundo a dá.” A paz do mundo é formal: exige documentos assinados pelos chefes dos países contendores; prevê sanções sobre a parte mais fraca que, em última instância, recai pesadamente sobre o povo; estabelece condições humilhantes ao país perdedor sobre o objeto da disputa, impondo-lhe a obrigação de se alinhar à política do vencedor. Entretanto, a paz de Jesus é intrinsecamente diferente. Podemos inferir que o processo correspondente a essa paz é anterior à condição da guerra, atuando preventivamente.  Esse processo envolve: erguer e corrigir aquele que errou; valorizá-lo no que for possível, sem humilhá-lo; fornecer oportunidade de reparação; dispensar formalismos e hierarquia. Ela tem, simultaneamente, um caráter individual e coletivista, porque age no sentimento de cada indivíduo e no aperfeiçoamento da legislação.

Uma análise sobre os constantes fracassos da paz do mundo exigiria mais espaço do que seria desejável neste artigo. Contudo, a história reconhece que os tratados de paz penalizam fortemente o perdedor, salvo quando outros interesses estão em jogo. Por exemplo, as imposições e humilhações sofridas pelos alemães, logo ao término da primeira guerra mundial, serviram de motivação para o esforço bélico desse povo. O pesado tributo estabelecido pelos aliados plantou o sentimento de revanchismo, tornando o povo vulnerável à intensa propaganda nazista, pouco tempo depois.  Quase em geral, esse tem sido o resultado da paz do mundo e no mundo.

Algumas tentativas diferenciadas de correção de injustiças trazem esperança à humanidade. Duas dessas tentativas podem ser consideradas emblemáticas. A primeira foi a da independência da Índia do Império Britânico, sob a liderança de Mahatma Gandhi (1869-1948). Defensor da não violência, Gandhi incansavelmente repetia aos ativistas que toda restrição era em relação ao pecado e não em relação ao pecador. A outra ação notável foi o movimento dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos, sob a liderança do pastor Martin Luther King (1929-1968). Essa ação se fundamentou na desobediência civil e também teve como base a não violência e o amor ao próximo. Em se tratando de ações coletivas, com razoável duração no tempo, elas atingiram seus principais objetivos. Pode-se dizer que essas ações foram as que mais se identificaram com a paz de Jesus e, com elas, nos aproximamos um pouco das promessas da bem-aventurança: “Bem-aventurados os mansos porque possuirão a Terra; bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados; bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus” (Mat., 5-17). Esses movimentos mostram que essas ações são alternativas a serem estudadas e seguidas.

A paz de Jesus é endereçada ao indivíduo e à coletividade. Paz que atinge o coração do homem e influencia a legislação, orientando o conjunto de normas e leis que devem se traduzir nos comportamentos de cada indivíduo. O movimento “Você e a Paz”, sob a liderança de Divaldo Pereira Franco, adota como estratégia principal a necessidade de mudança na cultura. E o que é cultura senão um conjunto de crenças e comportamentos, que se modificam quando as contingências são alteradas? Por que Jesus acrescentou “não vo-la dou como o mundo a dá”? Porque paz não é meramente a ausência da guerra. É muito mais! Jesus não ofereceu sua paz como uma doação ou imposição. A doação é impossível porque a paz é intransferível e a imposição se traduz em rito que se esvazia no tempo, transformando-se na cultura da repetição. Essa paz de Jesus é uma conquista, individual e coletiva. A pergunta final é: estamos nos esforçando para alcançá-la?            
 


 


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 Revista Semanal de Divulgação Espírita