JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
Brasília, DF (Brasil)
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Refluxos, reflexões e
reflexos
Segundo definições
colhidas no Dicionário
Houaiss, refluxo é
o ato ou efeito de
refluir, ou seja, voltar
ao ponto de partida;
retroceder. Reflexão é
o ato de meditar, pensar
demoradamente; virtude
que consiste em evitar a
precipitação nos juízos,
a imprudência, a
impulsividade na
conduta. Reflexo é
aquilo que resulta de
reflexão. Figuradamente
é aquilo que reproduz
alguma coisa; cópia,
imitação.
A reencarnação não deixa
de ser uma volta a um
ponto de partida, mas
sem prescindir do
progresso alcançado na
vida anterior. Na posse
de novo corpo,
reprisamos todo o
processo de formação
física. Por isso,
principalmente, nos
primeiros sete anos da
nova vida, os cuidados
prestados à criança por
pais, médicos e
educadores são muito
importantes.
A Psicologia estuda o
desenvolvimento dos
novos seres humanos e
constata, em todos,
repetições de atitudes
semelhantes, mas sobre
os quais a educação
exerce forte influência.
É, pois, a fase da
repetição da
aprendizagem psicomotora,
que, sob a influência
educacional, formará a
personalidade do
indivíduo em cada
encarnação. Somente os
Espíritos puros não
necessitam mais se
sujeitar às
reencarnações. Os ainda
imperfeitos terão de
retornar, mais cedo ou
mais tarde, à vida
física. São os refluxos...
No que se refere à
evolução, o Espírito
jamais retroage. Se não
fizer qualquer esforço
para progredir,
permanece estacionário
espiritualmente, mas
ainda aí chegará o
momento em que ele
percebe o quanto sua
existência vem sendo
inútil. Então, cansado
da ociosidade, extenuado
pelo sofrimento
consequente a seus atos
equivocados, o Espírito
reage. Algo, em seu
íntimo, o alerta de que
sofre por não se ajustar
às Leis de progresso
estabelecidas pelo
Criador. São as reflexões...
A partir de então, novas
oportunidades surgem em
sua existência. Mas, por
ter malbaratado o tempo
e o corpo físico que o
Criador lhe deu, terá de
trabalhar duro para
compensar o período de
vida desperdiçado antes.
São os reflexos...
O poeta Antero de
Quental, que se
suicidou, em 1891, após
uma doença que o levou a
profunda hipocondria e à
depressão, influenciado
por um enorme desencanto
perante a vida, antes de
sua desencarnação,
publicou, entre dezenas
de sonetos de grande
sensibilidade
espiritual, o soneto
"Não mão de Deus":
Na mão de Deus, na sua
mão direita,
Descansou afinal meu
coração.
Do palácio encantado da
Ilusão
Desci a passo e passo a
escada estreita.
Como as flores mortais,
com que se enfeita
A ignorância infantil,
despojo vão,
Depus do Ideal e da
Paixão
A forma transitória e
imperfeita.
Como criança, em lôbrega
jornada,
Que a mãe leva ao colo
agasalhada
E atravessa, sorrindo
vagamente,
Selvas, mares, areias do
deserto...
Dorme o teu sono,
coração liberto,
Dorme na mão de Deus
eternamente!
Já no plano espiritual,
após muito sofrer e
refletir sobre a
eternidade da vida e as
consequências de nossos
atos, que são
influenciados por falsas
concepções espirituais,
ou por perturbações
morais que afetam o
nosso corpo somático,
Antero transmitiu ao
médium português
Fernando de Lacerda, em
1908, diversos sonetos,
dos quais destacamos
estes, de uma trilogia
relacionada ao tema, em
obra publicada pela
Federação Espírita
Brasileira em 1919, sob
o título "Remorso":
Ó Morte, estranha
Esfinge indecifrada,
Que eu amei com desvelo,
com ternura,
Quando via na tua noite
escura
Da promissora paz branca
alvorada!
Eras a bela Deusa
idolatrada
Na fé que, triste, eu
tinha, calma e pura,
Supunha ter em ti, ó
sombra obscura,
Farol iluminando a minha
estrada.
Eu adorava o teu mister
funéreo,
Teu ar impenetrável de
mistério,
O insondável cairel
do teu abismo!
E via, só em ti, a porta
aberta
Onde tinha a entrada
franca e certa,
Em um inalterável
quietismo.
.......................................................
Um dia fiz de ti a Noiva
Cara,
De cuja formosura a
fantasia
Aumentava os encantos
dia a dia,
Numa fascinação fatal e
rara.
E em outro dia veio a
mão amara
Da Desgraça cruel,
astuta e fria,
Prender-nos, em funérea
liturgia,
Na íntima junção que eu
desejara.
E do nosso himeneu,
sombria Morte,
Realizado num ato audaz
e forte,
Incitado por Fúrias más
do Inferno,
Nasceu um filho só, que
me acompanha
Por estas regiões de dor
estranha,
Vivendo só de mim: —
Remorso eterno.
(LACERDA, 2003, p. 147-
148)
Treze anos depois, em
1932, Francisco Cândido
Xavier publicou do poeta
desencarnado dezenove
sonetos entre os quais
destacamos este,
intitulado "O remorso":
Quando fugi da dor,
fugindo ao mundo,
Divisei aos meus pés, de
mim diante,
A medonha figura de
gigante
Do Remorso, de olhar
grave e profundo.
Era de ouvir-lhe o grito
gemebundo,
Sua voz cavernosa e
soluçante!...
Aproximei-me dele,
suplicante,
Dizendo-lhe, cansado e
moribundo:
"— Que fazes ao meu
lado, corvo horrendo,
Se enlouqueci no meu
degredo estranho,
Acordando-me em
lágrimas, gemendo?"
Ele riu-se e clamou para
meus ais:
"Companheiro na dor, eu
te acompanho,
Nunca mais te abandono!
Nunca mais!” (XAVIER,
2002, p. 89.)
Passados trinta anos, em
1962, Antero dita ao
médium Waldo Vieira,
outro soneto, intitulado
"A lâmpada e a chama":
A alma clamou cansada ao
corpo, um dia:
"— Por que me prendes,
barro vil e escuro?
Quem te sustenta por
lodoso muro,
Acalentando a noite que
me espia?
Quem te mandou, algema
da agonia,
Escravizar-me o sonho
vivo e puro?
Quem te criou, cadeia de
monturo,
Excitando-me a dor e a
rebeldia?"
E o corpo respondeu,
calmo e sublime:
"— Eu sou, na Terra, a
cruz que te redime,
Não me interpretes por
sinistra grade...
Deus modelou-me lâmpada
de lodo,
Na qual és chama do
Divino Todo
Para fulgir além, na
Eternidade..." (XAVIER;
VIEIRA, 2002, p. 132.)
Com relação ao
arrependimento pela
atitude impensada, isso
nos faz lembrar como
somos vigiados pela
sociedade, sem que o
percebamos. Enquanto
procedemos bem, não
fazemos mais do que
nossa obrigação, mas
basta um pequeno deslize
de comportamento e lá
vem a censura: “– Quem
diria que fulano, tão
‘metido a bonzinho’,
fizesse isso!” E a falta
cometida em um minuto de
irreflexão, muitas
vezes, acompanha-nos
pelo resto da vida.
Por isso, é muito
importante refletirmos
sempre antes de qualquer
atitude. Assim,
estaremos amparados
pelos bons Espíritos.
Busquemos, pois, acima
de tudo, o bem no que
pensamos, falamos ou
fazemos, porque,
conforme a gravidade de
nossa falta, às vezes
somos nós mesmos o juiz
implacável que não se
perdoa, mesmo tendo sido
perdoado pelo ofendido.
São os reflexos...
Porém, é muito
importante termos
paciência com nossas
próprias imperfeições, o
que não significa
acomodação no mal.
Podemos e devemos lutar
para vencer as barreiras
das próprias limitações,
o que também não
significa querer dar
passos mais largos do
que comportam nossas
pernas.
O grande desafio que a
vida nos impõe é o de
nos superarmos a cada
momento de nossas
existências. Os atletas,
os cientistas, os poetas
e pensadores estão
sempre nos dando
exemplos de persistência
e superação de limites.
É muito importante que
acreditemos em nosso
potencial e nos
dediquemos a fazer
sempre o melhor que
pudermos, em benefício
do nosso próximo e de
nós mesmos.
O controle mental é a
base para uma vida
espiritual equilibrada.
Por isso nos recomenda
Jesus vigiar
pensamentos, palavras e
atos. Mas também nos
alerta sobre o poder da
oração, para que não
venhamos a entrar em
sintonia com as
inteligências voltadas
para o mal.
É nos momentos delicados
que se revelam as
pessoas de valor.
Aconselhar o bem é muito
fácil, mas praticá-lo é
outra coisa. Praticá-lo
até mesmo pondo em risco
a própria vida é coisa
de herói. Quem sabe não
haja muito mais pessoas
assim no mundo do que
imaginamos? Estamos tão
acostumados a destacar o
mal que não enxergamos
os bons exemplos
pululando em nossa
sociedade.
Reflitamos que nunca
estamos sós, que mesmo
nosso melhor amigo
também necessita de
compreensão e
tolerância, tanto quanto
nós. Nosso amigo
inseparável, entretanto,
aquele de quem disse
Jesus ser a Bondade por
excelência é Deus.
Entretanto, Suas Leis,
perfeitas, não podem ser
violadas por nós, sem
consequências dolorosas.
Não que Ele nos puna,
mas porque, como o bom
Pai que corrige seus
filhos rebeldes, a dor é
a nossa mestra, e o amor
é o nosso instrumento de
elevação.
Desse modo, refletindo
sobre a excelência do
amor e da prática do
bem, caminhemos unidos,
com passos firmes, para
alcançar a perfeição,
quando não haverá mais
necessidade de
reencarnação em nossa
vida imortal. Nesse dia,
seremos um com o Cristo,
que já é uno com Deus,
do qual todos nos
tornaremos Seu Reflexo.
Referências:
FRANCO, Divaldo Pereira.
Vida feliz, pelo
Espírito Joanna de
Ângelis. 11. ed.,
Salvador, BA: LEAL,
1992. p. 184.
LACERDA, Fernando de. Do
país da luz. 5. ed. Rio
de Janeiro: 2003, v. 4.
RAPPAPORT, Wagner da
Rocha Fiori; DAVIS,
Cláudia. Psicologia
do desenvolvimento.
São Paulo: EPU, 1981,
vol. 1, p. 72.
XAVIER, Francisco
Cândido. Parnaso de
além-túmulo. 16. ed.
Rio de Janeiro: FEB,
2002. Ed. Comemorativa.
XAVIER, Francisco
Cândido; VIEIRA, WALDO.
Antologia dos
imortais. 4. ed. Rio
de Janeiro: FEB, 2002.
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