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Crônicas e Artigos

Ano 8 - N° 383 - 5 de Outubro de 2014

JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
Brasília, DF (Brasil)

 
 

Refluxos, reflexões e reflexos


Segundo definições colhidas no Dicionário Houaissrefluxo é o ato ou efeito de refluir, ou seja, voltar ao ponto de partida; retroceder. Reflexão é o ato de meditar, pensar demoradamente; virtude que consiste em evitar a precipitação nos juízos, a imprudência, a impulsividade na conduta. Reflexo é aquilo que resulta de reflexão. Figuradamente é aquilo que reproduz alguma coisa; cópia, imitação.

A reencarnação não deixa de ser uma volta a um ponto de partida, mas sem prescindir do progresso alcançado na vida anterior. Na posse de novo corpo, reprisamos todo o processo de formação física. Por isso, principalmente, nos primeiros sete anos da nova vida, os cuidados prestados à criança por pais, médicos e educadores são muito importantes.

A Psicologia estuda o desenvolvimento dos novos seres humanos e constata, em todos, repetições de atitudes semelhantes, mas sobre os quais a educação exerce forte influência. É, pois, a fase da repetição da aprendizagem psicomotora, que, sob a influência educacional, formará a personalidade do indivíduo em cada encarnação. Somente os Espíritos puros não necessitam mais se sujeitar às reencarnações. Os ainda imperfeitos terão de retornar, mais cedo ou mais tarde, à vida física. São os refluxos...

No que se refere à evolução, o Espírito jamais retroage. Se não fizer qualquer esforço para progredir, permanece estacionário espiritualmente, mas ainda aí chegará o momento em que ele percebe o quanto sua existência vem sendo inútil. Então, cansado da ociosidade, extenuado pelo sofrimento consequente a seus atos equivocados, o Espírito reage. Algo, em seu íntimo, o alerta de que sofre por não se ajustar às Leis de progresso estabelecidas pelo Criador. São as reflexões...

A partir de então, novas oportunidades surgem em sua existência. Mas, por ter malbaratado o tempo e o corpo físico que o Criador lhe deu, terá de trabalhar duro para compensar o período de vida desperdiçado antes. São os reflexos...

O poeta Antero de Quental, que se suicidou, em 1891, após uma doença que o levou a profunda hipocondria e à depressão, influenciado por um enorme desencanto perante a vida, antes de sua desencarnação, publicou, entre dezenas de sonetos de grande sensibilidade espiritual, o soneto "Não mão de Deus": 

Na mão de Deus, na sua mão direita,

Descansou afinal meu coração.

Do palácio encantado da Ilusão

Desci a passo e passo a escada estreita.

 

Como as flores mortais, com que se enfeita

A ignorância infantil, despojo vão,

Depus do Ideal e da Paixão

A forma transitória e imperfeita.

 

Como criança, em lôbrega jornada,

Que a mãe leva ao colo agasalhada

E atravessa, sorrindo vagamente,

 

Selvas, mares, areias do deserto...

Dorme o teu sono, coração liberto,

Dorme na mão de Deus eternamente!

Já no plano espiritual, após muito sofrer e refletir sobre a eternidade da vida e as consequências de nossos atos, que são influenciados por falsas concepções espirituais, ou por perturbações morais que afetam o nosso corpo somático, Antero transmitiu ao médium português Fernando de Lacerda, em 1908, diversos sonetos, dos quais destacamos estes, de uma trilogia relacionada ao tema, em obra publicada pela Federação Espírita Brasileira em 1919, sob o título "Remorso": 

Ó Morte, estranha Esfinge indecifrada,

Que eu amei com desvelo, com ternura,

Quando via na tua noite escura

Da promissora paz branca alvorada!

 

Eras a bela Deusa idolatrada

Na fé que, triste, eu tinha, calma e pura,

Supunha ter em ti, ó sombra obscura,

Farol iluminando a minha estrada.

 

Eu adorava o teu mister funéreo,

Teu ar impenetrável de mistério,

O insondável cairel[1] do teu abismo!

 

E via, só em ti, a porta aberta

Onde tinha a entrada franca e certa,

Em um inalterável quietismo.

.......................................................

Um dia fiz de ti a Noiva Cara,

De cuja formosura a fantasia

Aumentava os encantos dia a dia,

Numa fascinação fatal e rara.

 

E em outro dia veio a mão amara

Da Desgraça cruel, astuta e fria,

Prender-nos, em funérea liturgia,

Na íntima junção que eu desejara.

 

E do nosso himeneu, sombria Morte,

Realizado num ato audaz e forte,

Incitado por Fúrias más do Inferno,

 

Nasceu um filho só, que me acompanha

Por estas regiões de dor estranha,

Vivendo só de mim: — Remorso eterno. (LACERDA, 2003, p. 147- 148)

Treze anos depois, em 1932, Francisco Cândido Xavier publicou do poeta desencarnado dezenove sonetos entre os quais destacamos este, intitulado "O remorso":

Quando fugi da dor, fugindo ao mundo,

Divisei aos meus pés, de mim diante,

A medonha figura de gigante

Do Remorso, de olhar grave e profundo.

 

Era de ouvir-lhe o grito gemebundo,

Sua voz cavernosa e soluçante!...

Aproximei-me dele, suplicante,

Dizendo-lhe, cansado e moribundo:

 

"— Que fazes ao meu lado, corvo horrendo,

Se enlouqueci no meu degredo estranho,

Acordando-me em lágrimas, gemendo?"

 

Ele riu-se e clamou para meus ais:

"Companheiro na dor, eu te acompanho,

Nunca mais te abandono! Nunca mais!” (XAVIER, 2002, p. 89.)

Passados trinta anos, em 1962, Antero dita ao médium Waldo Vieira, outro soneto, intitulado "A lâmpada e a chama":  

A alma clamou cansada ao corpo, um dia:

"— Por que me prendes, barro vil e escuro?

Quem te sustenta por lodoso muro,

Acalentando a noite que me espia?

 

Quem te mandou, algema da agonia,

Escravizar-me o sonho vivo e puro?

Quem te criou, cadeia de monturo,

Excitando-me a dor e a rebeldia?"

 

E o corpo respondeu, calmo e sublime:

"— Eu sou, na Terra, a cruz que te redime,

Não me interpretes por sinistra grade...

 

Deus modelou-me lâmpada de lodo,

Na qual és chama do Divino Todo

Para fulgir além, na Eternidade..." (XAVIER; VIEIRA, 2002, p. 132.)

Com relação ao arrependimento pela atitude impensada, isso nos faz lembrar como somos vigiados pela sociedade, sem que o percebamos. Enquanto procedemos bem, não fazemos mais do que nossa obrigação, mas basta um pequeno deslize de comportamento e lá vem a censura: “– Quem diria que fulano, tão ‘metido a bonzinho’, fizesse isso!” E a falta cometida em um minuto de irreflexão, muitas vezes, acompanha-nos pelo resto da vida.

Por isso, é muito importante refletirmos sempre antes de qualquer atitude. Assim, estaremos amparados pelos bons Espíritos. Busquemos, pois, acima de tudo, o bem no que pensamos, falamos ou fazemos, porque, conforme a gravidade de nossa falta, às vezes somos nós mesmos o juiz implacável que não se perdoa, mesmo tendo sido perdoado pelo ofendido. São os reflexos...

Porém, é muito importante termos paciência com nossas próprias imperfeições, o que não significa acomodação no mal. Podemos e devemos lutar para vencer as barreiras das próprias limitações, o que também não significa querer dar passos mais largos do que comportam nossas pernas.

O grande desafio que a vida nos impõe é o de nos superarmos a cada momento de nossas existências. Os atletas, os cientistas, os poetas e pensadores estão sempre nos dando exemplos de persistência e superação de limites. É muito importante que acreditemos em nosso potencial e nos dediquemos a fazer sempre o melhor que pudermos, em benefício do nosso próximo e de nós mesmos.

O controle mental é a base para uma vida espiritual equilibrada. Por isso nos recomenda Jesus vigiar pensamentos, palavras e atos. Mas também nos alerta sobre o poder da oração, para que não venhamos a entrar em sintonia com as inteligências voltadas para o mal.

É nos momentos delicados que se revelam as pessoas de valor. Aconselhar o bem é muito fácil, mas praticá-lo é outra coisa. Praticá-lo até mesmo pondo em risco a própria vida é coisa de herói. Quem sabe não haja muito mais pessoas assim no mundo do que imaginamos? Estamos tão acostumados a destacar o mal que não enxergamos os bons exemplos pululando em nossa sociedade.

Reflitamos que nunca estamos sós, que mesmo nosso melhor amigo também necessita de compreensão e tolerância, tanto quanto nós. Nosso amigo inseparável, entretanto, aquele de quem disse Jesus ser a Bondade por excelência é Deus. Entretanto, Suas Leis, perfeitas, não podem ser violadas por nós, sem consequências dolorosas. Não que Ele nos puna, mas porque, como o bom Pai que corrige seus filhos rebeldes, a dor é a nossa mestra, e o amor é o nosso instrumento de elevação.

Desse modo, refletindo sobre a excelência do amor e da prática do bem, caminhemos unidos, com passos firmes, para alcançar a perfeição, quando não haverá mais necessidade de reencarnação em nossa vida imortal. Nesse dia, seremos um com o Cristo, que já é uno com Deus, do qual todos nos tornaremos Seu Reflexo.  


Referências:

FRANCO, Divaldo Pereira. Vida feliz, pelo Espírito Joanna de Ângelis. 11. ed., Salvador, BA: LEAL, 1992. p. 184.

LACERDA, Fernando de. Do país da luz. 5. ed. Rio de Janeiro: 2003, v. 4.

RAPPAPORT, Wagner da Rocha Fiori; DAVIS, Cláudia. Psicologia do desenvolvimento. São Paulo: EPU, 1981, vol. 1, p. 72. 

XAVIER, Francisco Cândido. Parnaso de além-túmulo. 16. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2002. Ed. Comemorativa.

XAVIER, Francisco Cândido; VIEIRA, WALDO. Antologia dos imortais. 4. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2002.

 

[1] Fig.: borda, beira, beirada. Dic. Houaiss da Língua Portuguesa.


Acesse o blog: www.jojorgeleite.blogspot.com

 


 


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 Revista Semanal de Divulgação Espírita