ARÍSIO
FONSECA JUNIOR
arisiofonsecajr@gmail.com
Juiz de Fora,
MG
(Brasil)
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Em defesa do
Cristianismo
As apresentações de
obras de José Herculano
Pires em 2014, em
homenagem ao seu
centenário do
nascimento,
encerraram-se com um dos
livros mais contundentes
escritos por ele. Em
“Revisão do
Cristianismo”, Herculano
aponta as mazelas pelas
quais passaram o nome, a
figura e os ensinos de
Jesus e sugere os
fundamentos da renovação
da força e importância
do Cristo. Publicado em
1977, o livro é uma
crítica simultaneamente
austera e exata ao
Cristianismo chamado
oficial, que,
historicamente,
transformou o jovem
humano galileu em mito
divinizado de Belém.
O livro em comento é,
segundo o autor, um
livro de estudo e não de
polêmica. É obra para se
debater, pois
proporciona verdadeiras
reflexões acerca do
homem Jesus (neste
sentido, ser
interexistencial, na
linguagem de Herculano),
dos atos, falas e
ensinamentos do Cristo,
da função do
Cristianismo. Em momento
algum, Herculano Pires
pretendeu desferir
acusações aleatórias e
impiedosas ao estado de
coisas derivado do que
todos nós fizemos, ao
longo do tempo, com a
mensagem de Jesus; pelo
contrário, suas
críticas, ainda que
proferidas em tom
bastante severo, não
implicam deselegância ou
grosseria ao
Cristianismo Oficial,
mas nos chamam a todos à
responsabilidade de
revitalizar o ensino
moral do Cristo com base
nas novas descobertas
das Ciências e das
revelações atuais do
mundo espiritual.
Já no prefácio,
Herculano afirma que “há
um abismo entre o Cristo
e o Cristianismo”,
explicitando, desde o
início da obra, o
pensamento que guiará as
reflexões acerca do
assunto. Segundo o
autor, esse abismo
mencionado decorre do
pensamento mitológico
aplicado à figura de
Jesus. Este, menino
judeu, nascido em
Nazaré, filho de Maria e
José, irmão de outras
tantas crianças, cresceu
integrando-se na cultura
hebraica, e é
evidenciado pelas
pesquisas históricas que
demonstram a existência
do Rabi galileu. Viveu e
morreu segundo as leis
físicas, químicas e
biológicas que regem
todos os seres humanos
nascidos vivos na Terra.
Transcendeu, porém, a
condição humana como
nenhuma outra pessoa
havia feito até então,
deixando claro que a sua
figura humana “é a
essência indestrutível
dos seus ensinos”.
Não obstante Jesus ter
encarnado, por meio do
processo por que todos
nós passamos, a época em
que esteve na Terra
marcou “um momento de
transição entre o mundo
do Mito e o mundo da
Razão. Os apóstolos e
depois os primeiros
conversos eram, todos
eles, homens formados na
cultura mitológica. Viam
o mundo e os fatos do
mundo, através das
lentes mágicas do
maravilhoso”. Em razão
disso, a compreensão
acerca do homem Jesus e,
o que talvez seja mais
grave, acerca da
essência espiritual da
mensagem cristã
alterou-se
profundamente,
misturando aos fatos
comuns da vida do Cristo
a imaginação fantástica
dos homens de então. “Da
realidade humana de
Jesus de Nazaré, surge o
mito do Cristo, deste
nasce a mitologia cristã
e desta retomamos a
busca do real, que uma
vez colocado, nos parece
frio e desprovido da
riqueza emocional do
mito.”
Centenas de anos se
passaram desde o
nascimento de Jesus em
Nazaré. Sua vida, sua
obra, seus atos e suas
falas, ele mesmo, por
influência de nossa
forma ainda mitológica
de pensar o mundo,
sofreram danosas
consequências. O cenário
poderia ser desolador,
contudo, Herculano Pires
admite a possibilidade
de se revisar o
Cristianismo. De acordo
com o autor, “se está
salva a essência do
ensino moral do Cristo,
está salvo o
Cristianismo. E se dele
precisamos, pois que se
mostrou capaz de
transformar o mundo, é
nosso dever imediato
lutar para que ele seja
recolocado no seu devido
lugar, na sua posição
exata, não como seita
enriquecida e
dominadora, mas como
ideia dinâmica, força
genética restaurada em
seu poder legítimo, para
ajudar-nos a reconstruir
o mundo e a reabrir aos
homens o caminho do
Reino. A questão não é
especificamente
religiosa, é sobretudo
cultural”.
Este é o ponto. A
questão do Cristianismo
não se encontra nas
fronteiras das
discussões religiosas,
teológicas. Trata-se,
principalmente, de
revitalizar o sentido
espiritual da vida de
Jesus, “um homem,
encarnação de um
Espírito superior, que
se encarnou num momento
decisivo da evolução
humana, a fim de dar a
sua contribuição para o
progresso da Terra”. É
preciso entender que sua
“divindade não estava e
não está nos bálsamos
com que o ungiram no
mundo, antes e depois da
morte. Estava e está na
grandeza e na
profundidade da sua
visão do futuro, do seu
conhecimento absoluto da
natureza humana”.
Segundo Herculano, “é
hora de revisão, e
revisão profunda,
corajosa, para repormos
o Cristianismo no seu
justo lugar”. É hora de
fundamentar a
compreensão de Jesus e
de sua vida nas novas e
constantes revelações
espíritas.
Herculano Pires, como é
nítido em toda a sua
obra literária, defende
com convicto entusiasmo
a mesma finalidade do
Espiritismo que Allan
Kardec sempre demonstrou
em seus escritos e
falas. “A Revelação
Espírita não foi pessoal
nem local e representa a
continuidade da
Revelação Cristã, no
esclarecimento de todos
os princípios cristãos e
no restabelecimento do
ensino real do Cristo.
Sua finalidade não é a
implantação de uma nova
Religião, mas unificar o
conhecimento, unindo a
Ciência, a Filosofia e a
Religião num sistema
integrado. O Espiritismo
é um auxiliar das
Religiões, às quais
oferece os recursos
necessários para
enfrentarem o
Materialismo e se
livrarem dos resíduos
supersticiosos do
passado. (...) A
Filosofia Espírita é o
corpo central da
Doutrina e dela resulta
a Moral Espírita,
coincidente com a Moral
Evangélica pura, liberta
de tendências
sectárias.”
As contribuições da
Doutrina Espírita para a
compreensão do Cristo e
do Cristianismo como
são, em espírito e
verdade, chamam-nos a
atenção para a
necessidade de nos
desfazermos do
pensamento baseado na
fantasia. “A ausência de
resíduos mitológicos e
mágicos, idolátricos e
sincréticos, sob a
orientação de uma
doutrina racional e
científica” permite que
o Espiritismo seja o
desenvolvimento mais
adequado do ensino moral
contido no Cristianismo.
Uma vez estabelecidos e
conhecidos os
fundamentos da nova
revelação espírita,
faz-se necessário e
possível empreendermos
esforços em cumprirmos a
moral espírita, que mais
não é do que a própria
moral de Jesus. Nos
tempos atuais, “o mundo
desperta para a
necessidade de buscar a
essência do movimento
cristão”. É preciso,
então, produzir os
frutos adequados à
árvore do Cristianismo
em espírito e verdade,
sem floreios mágicos,
míticos e fantasiosos
dos de cá e dos de lá.
Por fim, cabe uma
autoanálise coletiva por
todos nós espíritas. A
história do
Cristianismo, desde o
nascimento de Jesus até
a recente revitalização
das ideias e dos valores
defendidos pelo Cristo,
nos mostra como “o apego
dos homens ao
maravilhoso e ao
fantástico” influencia
na perda da vitalidade
original da moral
cristã. Revisar o
Cristianismo e revisitar
a figura de Jesus é
fundamental, sobretudo
porque, como diz
Herculano, “há muito
mais grandeza espiritual
e beleza humana nesse
quadro simples,
emocionante, do que em
todo o aparato
mitológico de uma
encenação celeste”, pois
que “um Espírito que,
por sua evolução
espiritual, supera a
condição humana,
diviniza-se”. Assim, o
exato entendimento da
importância de Jesus
para a Doutrina Espírita
deve passar pela razão e
pelo bom senso, tentando
superar nossa atávica
tendência ao mágico e ao
fantástico em relação a
ele. E, também neste
ponto, Herculano Pires
demonstra sua prudência:
“Claro que não se pode
impedir, no meio
popular, a remanescência
de resíduos
supersticiosos nas
práticas espíritas”, mas
“no julgamento honesto
da questão, os
condicionamentos
provindos dos meios
religiosos tradicionais
não podem ser
esquecidos, tanto mais
que os espíritas
conscientes dos
princípios de sua
doutrina são os
primeiros a condená-los
e denunciá-los, como
influências estranhas e
prejudiciais”.