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Crônicas e Artigos

Ano 8 - N° 401 - 15 de Fevereiro de 2015

JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
Brasília, DF (Brasil)

 
 
 

O Sermão da Montanha e O Evangelho segundo o Espiritismo (Parte II)


Como dito no artigo anterior (parte I) desta pesquisa, o Sermão da Montanha (ou do Monte) foi abordado diretamente por Allan Kardec, sob a inspiração e ditado dos Espíritos superiores, em 14 capítulos d'O Evangelho segundo o Espiritismo (ESE).

O Sermão do Monte inicia-se no cap. 5, com as bem-aventuranças, e só termina no cap. 7 de Mateus, no Novo Testamento. No artigo anterior, citamos os cinco primeiros capítulos do ESE, dos seus quatorze que tratam diretamente sobre o assunto; neste, citaremos outros cinco: capítulos 10, 12, 13, 16 e 17:

O cap. 10 do ESE, intitulado Bem-aventurados os que são misericordiosos, corresponde ao contido em Mateus, 5: 7, "Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia".

Kardec esclarece-nos que "a misericórdia é o complemento da brandura, porquanto aquele que não for misericordioso não poderá ser brando e pacífico". Afirma ele ainda que a misericórdia está no perdão e no esquecimento das ofensas que nos são desferidas, virtudes que são inerentes às almas superiores.

Em seguida, o codificador da Doutrina Espírita diz: "Ai daquele que diz: nunca perdoarei. Esse, se não for condenado pelos homens, sê-lo-á por Deus". Se nossa misericórdia para com nosso próximo não for ilimitada, como pretendermos que Deus nos perdoe sempre, como almas ainda tão imperfeitas e, consequentemente, pecadoras. O perdão, porém, não deve jamais humilhar o perdoado, o que demonstra orgulho de quem assim age. Também deve ser incondicional, pois somente a Deus cabe o julgamento de cada um de nós.

Conclui Kardec que na recomendação de Jesus para perdoarmos nossos ofensores, na primeira oportunidade que surgir para essa reconciliação, seu objetivo é evitar que nossas desavenças não se perpetuem em infindáveis existências. Sendo a Terra uma prisão para o Espírito que deseja evoluir, daqui não sairemos sem quitarmos nossas dívidas para com a Justiça Divina.

No cap. 12 do ESE, lemos o seguinte: Amai os vossos inimigos, que expressa o contido no art. 5, vers. 44 do sermão proferido por Jesus e citado por Mateus: "Amai os vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem".

Sendo o amor o sentimento que nos leva à caridade para com nossos semelhantes, explica o codificador, "amar os inimigos é a mais sublime aplicação desse princípio, porquanto a posse de tal virtude representa uma das maiores vitórias alcançadas contra o egoísmo e o orgulho" (KARDEC, 2013, p. 166).

Explica ainda Kardec que o amor aos inimigos não significa ter para com estes a mesma confiança e carinho que temos para com nossos amigos e familiares. Principalmente quando se sabe que aqueles que não participam das mesmas ideias e sentimentos nossos podem fazer mau uso da nossa confiança.

Os sentimentos negativos de alguém em relação a nós causam-nos uma impressão ruim e, portanto, amá-los não é nos sujeitarmos à sua companhia desagradável, salvo quando for para socorrê-los em alguma situação difícil.  Amá-los é, entretanto, aproveitar todas as oportunidades que nos forem oferecidas para lhes retribuir o mal com o bem; ficar felizes com o que de bom lhes suceda e evitar todo o mal que os possa prejudicar.

Ninguém pode impedir alguém de ser seu inimigo, mas, conforme disse Divaldo Franco em entrevista, "o importante é não ser inimigo de ninguém". Ou seja, exercitar o amor e sua prática sempre.

Cita Allan Kardec no cap. 13 do ESE: Não saiba a vossa mão esquerda o que dê a vossa mão direita. Isso está em Mateus, 6:3, que é continuação do Sermão da Montanha: "Mas, quando tu deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita".

Essa figura de linguagem significa, segundo Kardec, não ostentar o bem que fazemos, evitar os aplausos do mundo, ser modesto na beneficência praticada. Enfim, evitar todo sinal de orgulho pelo bem que fazemos, por mais insignificante que seja essa marca de caridade para com o nosso próximo.

Aqueles que fingem a modéstia, mas procuram o reconhecimento do mundo, ainda que ocultamente, já receberam sua recompensa. O bem feito com a intenção de humilhar o beneficiado nem mesmo o reconhecimento terreno terá, pois não receberá a gratidão do beneficiado, que se sentirá humilhado e não socorrido amorosamente em suas necessidades materiais ou morais.

Temos, no cap. 16, a seguinte citação de Kardec: Não se pode servir a Deus e a Mamon, que sintetiza estas palavras do Cristo, em Mateus, 6:24: "Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de odiar um e amar o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e a Mamon".

Nesse longo capítulo de quinze itens, somos esclarecidos sobre o amor a Deus e o apego às riquezas mundanas, representadas por Mamon. Kardec explica, no item 7, que "Se a riqueza é causa de muitos males, se exacerba tanto as más paixões, se provoca mesmo tantos crimes, não é a ela que devemos inculpar, mas ao homem que dela abusa, como de todos os dons de Deus". O problema não é, portanto, a riqueza em si, mas o mau uso que dela fazemos, pois ela é fundamental ao progresso humano, quando utilizada para o bem da sociedade e adquirida por meio do trabalho honesto.

Dentre as seis mensagens finais desse capítulo, contidas nas instruções dos Espíritos, o Espírito Fénelon, item 13, destaca a Parábola dos Talentos narrada por Jesus, que o leitor amigo e a amiga leitora podem conferir em Mateus, 25:14 a 30. Conclui o Espírito Fénelon: "A todos os que podem dar, pouco ou muito, direi, pois: dai esmola quando for preciso; mas, tanto quanto possível, convertei-a em salário, a fim de que aquele que a receba não se envergonhe dela".

Atualmente, os órgãos governamentais não admitem o emprego da palavra "esmola", nos serviços de assistência social, e, sim, benefícios destinados às pessoas em situação de vulnerabilidade e risco social. E o auxílio a essas pessoas não se restringe ao assistencialismo, mas também ao seu preparo para o exercício da cidadania, além de proporcionar-lhes a oportunidade da contraprestação do benefício recebido. Ou seja, sem desamparar os que se encontram na situação de vulnerabilidade social, a essas pessoas é proporcionada a oportunidade de ser também úteis à sociedade pelo exercício de uma profissão remunerada.

Antes disso, já nos advertiam os Espíritos elevados para socorrermos aos que nos pedem ajuda sem, porém, os humilhar.

O cap. 17 do ESE traz como título: Sede perfeitos, correspondendo ao vers. 48 do cap. 5 de Mateus: "Sede vós, pois, perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus".

É nesse capítulo do ESE que encontramos, no seu item 3, o maravilhoso roteiro do que caracteriza o "verdadeiro homem de bem", começando pela informação de que este "é o que cumpre a lei de justiça, de amor e de caridade, na sua maior pureza".

Após a enumeração dessas qualidades elevadas, que continua elencando as virtudes do "homem de bem" como a fé, a aceitação das provas e expiações sem murmúrio, a ação no bem incondicional, a caridade, a indulgência para as fraquezas alheias e o perdão, entre outras virtudes, como, principalmente, a humildade, como forma de combater o orgulho, e o amor, como antídoto contra o egoísmo, Kardec diz que "aqueles que se esforcem por possuir essas qualidades, no caminho se acham que a todas as demais conduz".

Como podemos observar, leitor amigo, não é tarefa fácil nos libertarmos de todas as nossas imperfeições milenares. Comparemos nossa alma ao nosso corpo, porém, e verificaremos que, tanto quanto os cuidados paulatinos que, de modo limitado, o corpo exige para ter saúde, também devemos cuidar da saúde da alma imortal de forma ilimitada, pois sem limites é a felicidade das almas elevadas, incansáveis na prática do bem.

Por isso, disse Jesus, "Na paciência possuireis as vossas almas" (Lucas, 21:19). E Paulo, após recomendar-nos não nos cansarmos de fazer o bem, porque se não desfalecermos teremos o tempo da boa colheita, alerta-nos ainda: "Porque o reino de Deus não consiste em palavras, mas em virtude" (Aos Gálatas, 6:9 e I Coríntios, 4:20).


Referências:

A BÍBLIA Sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida. Rio de janeiro: Sociedade Bíblica do Brasil, 1969.

KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Tradução de Guillon Ribeiro. 131. ed. histórica. Brasília: FEB, 2013.


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