MARCOS PAULO DE
OLIVEIRA SANTOS
mpoliv@bol.com.br
Taguatinga,
Distrito Federal
(Brasil)
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Tudo posso, mas
nem
tudo me
convém
Há mais de dois
mil anos, um
rico mercador
grego tinha um
escravo chamado
Esopo. Um
escravo
corcunda, feio,
mas de sabedoria
única no mundo.
Certa vez, para
provar as
qualidades de
seu escravo, o
mercador
ordenou:
─
Toma, Esopo.
Aqui está esta
sacola de
moedas. Corre ao
mercado. Compra
lá o que houver
de melhor para
um banquete. A
melhor comida do
mundo!
Pouco tempo
depois, Esopo
voltou do
mercado e
colocou sobre a
mesa um prato
coberto por fino
pano de linho. O
mercador
levantou o
paninho e ficou
surpreso:
─
Ah, língua? Nada
como a boa
língua que os
pastores gregos
sabem tão bem
preparar. Mas
por que
escolheste
exatamente a
língua como a
melhor comida do
mundo?
O escravo, de
olhos baixos,
explicou sua
escolha.
─
O que há de
melhor do que a
língua, senhor?
A língua é que
une a todos,
quando falamos.
Sem a língua não
poderíamos nos
entender. A
língua é a chave
das ciências, o
órgão da verdade
e da razão.
Graças à língua
é que se
constroem as
cidades, graças
à língua podemos
dizer o nosso
amor. A língua é
o órgão do
carinho, da
ternura, do
amor, da
compreensão. É a
língua que torna
eternos os
versos dos
grandes poetas,
as ideias dos
grandes
escritores. Com
a língua se
ensina, se
persuade, se
instrui, se
reza, se
explica, se
canta, se
descreve, se
elogia, se
demonstra, se
afirma. Com a
língua dizemos
“mãe”, “querida”
e “Deus”. Com a
língua, dizemos
“sim”. Com a
língua dizemos
“eu te amo”! O
que pode haver
de melhor do que
a língua,
senhor?
O mercador
levantou-se
entusiasmado:
─
Muito bem, Esopo!
Realmente tu me
trouxeste o que
há de melhor.
Toma agora esta
outra sacola de
moedas. Vai de
novo ao mercado
e traze o que
houver de pior,
pois quero ver a
tua sabedoria.
Mais uma vez,
depois de algum
tempo, o escravo
Esopo voltou do
mercado trazendo
um prato coberto
por um pano. O
mercador
recebeu-o com um
sorriso:
─
Hum... já sei o
que há de
melhor. Vejamos
agora o que há
de pior.
O mercador
descobriu o
prato e ficou
indignado:
─
O quê?! Língua?
Língua outra
vez? Língua? Não
disseste que a
língua era o que
havia de melhor?
Queres ser
açoitado?
Esopo encarou o
mercador e
respondeu:
─
A língua,
senhor, é o que
há de pior no
mundo. É a fonte
de todas as
intrigas, o
início de todos
os processos, a
mãe de todas as
discussões. É a
língua que
separa a
humanidade, que
divide os povos.
É a língua que
usam os maus
políticos quando
querem enganar
com suas falsas
promessas. É a
língua que usam
os vigaristas
quando querem
trapacear. A
língua é o órgão
da mentira, da
discórdia, dos
desentendimentos,
das guerras, da
exploração. É a
língua que
mente, que
esconde, que
engana, que
explora, que
blasfema, que
vende, que
seduz, que
corrompe. Com a
língua, dizemos
“morre” e
“demônio”. Com a
língua dizemos
“não”. Com a
língua dizemos
“eu te odeio”!
Aí está, senhor,
porque a língua
é a pior e a
melhor de todas
as coisas!
Este texto é
evocado para
tecermos alguns
comentários
acerca dos
últimos
acontecimentos
na França. Toda
forma de
violência é
lamentável!
O terrorismo
não se justifica
em nenhuma
hipótese.
Mas é preciso
considerar que
há uma linha
tênue entre a
tal "liberdade
de expressão" e
o desrespeito.
Fazer
caricaturas de
um líder
religioso (como
o profeta Maomé)
é perigoso; é
grave!
Especialmente,
quando lidamos
com
fundamentalistas/radicais.
Aqui no Brasil
há também a tal
“liberdade de
expressão” e é
em nome dela que
ocorrem
violências
simbólicas, que
se tornaram
corriqueiras,
infelizmente.
É em razão dela
que alguns
religiosos
vilipendiam as
religiões de
matriz africana;
propagam
absurdos sobre
elas. É em nome
da tal liberdade
de expressão que
certa feita um
líder religioso
resolveu
chutar/quebrar a
imagem de Nossa
Senhora, porque,
segundo essa
pessoa, cultuar
imagens era um
equívoco. É em
nome da tal
liberdade... que
a Igreja, por
exemplo, proíbe
determinados
filmes, como o
"Inútil
Paisagem" do
diretor José
Padilha, ou faz
uma pressão para
a grande mídia
não divulgar os
casos pavorosos
de pedofilia em
seus porões. A
tal liberdade de
expressão só é
conivente para
quem dá as
cartas. E o
preço disso é
bastante alto!
Este é um tema
delicadíssimo e
não se esgotará
com essas breves
linhas
redigidas...
A liberdade tem
um preço
altíssimo! As
pessoas que
lutaram e lutam
por ela que o
digam. Contudo,
em minha
opinião, a
fábula de Esopo
sobre o uso da
língua é
brilhante! Ela é
portadora de um
ensinamento
profundo.
A língua (e aqui
compreendamos
qualquer tipo de
manifestação
escrita, verbal,
visual,
charges...) pode
tanto contribuir
para a
edificação de
uma sociedade
melhor, mais
justa, mais
igualitária,
como pode
destruí-la,
provocar
guerras, enfim.
Infelizmente, os
cartunistas
franceses
morreram de modo
estúpido. Mas
eles sabiam do
perigo que
corriam. E é
este o ponto.
Será que tudo
pode ser dito
mesmo sem
medirmos as
consequências?
Vejamos o trecho
de uma
reportagem sobre
os tais "cartoons"
muito antes
do atentado
terrorista:
"Editor do
satírico 'Charlie
Hebdo',
conhecido apenas
como Charb,
exibe a última
edição da
revista, que
traz na capa uma
charge sobre o
Islã. A França
anunciou que
fechará
temporariamente
embaixadas e
escolas em 20
países após a
publicação. O
Facebook retirou
da página da
revista francesa
Le Point na rede
social a
reprodução da
charge do
profeta Maomé
nu, publicada
originalmente
pelo semanário
satírico francês
Charlie Hebdo.
Sob o título
"Por que Charlie
Hebdo brinca com
fogo?", a charge
foi publicada
pela Le Point
nesta
quarta-feira.
Uma hora depois,
a rede social
americana
retirou a
postagem da
fotografia,
informando ao
administrador da
conta que o
conteúdo "não
está de acordo
com o
regulamento em
vigor" no
Facebook,
segundo informou
a revista
francesa nesta
quinta-feira. A
maior rede
social do mundo
costuma bloquear
conteúdos com
referência a
nudez e a sexo
explícito"
(veja.abril.com.br/noticia).
Ora, se eles já
sabiam do risco,
para que ou qual
a utilidade de
se aviltar as
idiossincrasias
alheias? Se o
leitor tiver a
curiosidade de
realizar uma
busca acerca das
tais charges,
não será difícil
constatar que
são de péssimo
gosto. São
racistas,
preconceituosas,
machistas etc.
A tal “liberdade
de expressão”
pode ser
exercida sim,
mas que se arque
com as
consequências
desse direito.
Penso que a cada
um, segundo as
suas obras. O
plantio é livre,
mas a colheita é
obrigatória.
Porém, muitos
confundem. E é
em nome da
“liberdade de
expressão” que
se ofendem
negros,
homossexuais,
pessoas com
necessidades
especiais,
mulheres,
nordestinos,
líderes
religiosos ou
religiões,
propagam-se
calúnias,
difamações,
etnocentrismos...
A liberdade de
expressão é um
direito ainda
pouco
compreendido em
sua essência
para a grande
maioria das
pessoas. Ela só
convém para
aqueles que
ditam as regras.
Mas, quando eles
são aviltados no
mesmo diapasão,
a situação muda
de contexto.
Sua Santidade, o
Papa Francisco,
disse
recentemente que
“temos a
obrigação de
falarmos
abertamente, de
ter essa
liberdade, mas
sem ofender”
(g1.globo.com/mundo/noticia).
Sua fala é a
consequência do
que foi dito
pelo Apóstolo
dos gentios há
muitos anos:
Tudo posso,
mas nem tudo me
convém.
Qualquer cidadão
cônscio das
ciências
jurídicas sabe
que nenhum
direito é
absoluto,
inclusive a
liberdade de
expressão.
Abominável o
terrorismo. Mas,
execráveis uns
rabiscos que
denominam arte.