Não perdoar
Hilário Silva
Bezerra de
Menezes, já
devotado à
Doutrina
Espírita,
almoçava, certa
feita, em casa
de Quintino
Bocaiúva, o
grande
republicano, e o
assunto era o
Espiritismo,
pelo qual o
distinto
jornalista
passara a
interessar-se.
Em meio da
conversa,
aproxima-se um
serviçal e
comunica ao dono
da casa:
–
Doutor, o rapaz
do acidente está
aí com um
policial.
Quintino, que
fora
surpreendido no
gabinete de
trabalho com um
tiro de raspão,
que, por pouco,
não lhe atingiu
a cabeça, estava
indignado com o
servidor que
inadvertidamente
fizera o
disparo.
–
Manda-o entrar –
ordenou o
político.
–
Doutor – roga o
moço preso, em
lágrimas –,
perdoe o meu
erro! Sou pai de
dois filhos...
Compadeça-se!
Não tinha
qualquer má
intenção... Se o
Senhor me
processar, que
será de mim? Sua
desculpa me
livrará! Prometo
não mais brincar
com armas de
fogo! Mudarei de
bairro, não
incomodarei o
Senhor...
O
notável
político, cioso
da própria
tranquilidade,
respondeu:
–
De modo algum.
Mesmo que o seu
ato tenha sido
de mera
imprudência, não
ficará sem
punição.
Percebendo que
Bezerra se
sentia mal,
vendo-o assim
encolerizado,
considerou, à
guisa de
resposta
indireta:
–
Bezerra, eu não
perdoo,
definitivamente
não perdoo...
Chamado
nominalmente à
questão, o amigo
Bezerra exclamou
desapontado:
–
Ah!... você não
perdoa!
Sentindo-se
intimamente
desaprovado,
Quintino
Bocaiúva falou
irritado:
–
Não perdoo erro.
E você acha que
estou fora do
meu direito?
Bezerra cruzou
os braços com
humildade e
respondeu:
–
Meu amigo, você
tem plenamente o
direito de não
perdoar,
contanto que
você não erre...
A
observação
penetrou
Quintino
Bocaiúva como um
raio.
O
grande político
tomou um lenço,
enxugou o suor
que lhe caía em
bagas, tornou à
cor natural, e,
após refletir
alguns momentos,
disse ao
policial:
–
Solte o homem. O
caso está
liquidado.
E
para o moço que
mostrava
profundo
agradecimento:
–
Volte ao serviço
hoje mesmo, e
ajude na copa.
Em seguida,
lançou
inteligente
olhar para
Bezerra, e
continuou a
conversação no
ponto em que
haviam ficado.
Do livro
Almas em Desfile,
obra mediúnica
psicografada
pelo médium
Francisco
Cândido Xavier.