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Crônicas e Artigos

Ano 8 - N° 406 - 22 de Março de 2015

EURÍPEDES KUHL
euripedes.kuhl@terra.com.br
Ribeirão Preto, SP (Brasil)

 


Habent sua fata libelli
(*)

(Os livros têm os seus destinos, os seus fadários)


Um escritor espírita que em 2005 vivenciou experiência literária, desnecessária e dolorosa, mas pedagógica, permitiu-me narrá-la, objetivando que eventuais escritores a evitem. Vou chamá-lo de “Aprendiz”.

Naquele ano, Aprendiz estava com quinze livros psicografados e outros doze de sua autoria. Todos editados, na maioria, reeditados. Todos doados.

Um belo dia Aprendiz recebeu comunicado de uma das Editoras informando-lhe que um dos seus livros, após cinco reedições, não mais seria reeditado. De início, quase "morreu", de tristeza. Mais ou menos na mesma época recebeu novo comunicado, de outra Editora, declarando que seus três livros que nela foram editados e reeditados sairiam do catálogo. Intimamente lamentou que de cada um, na média, tinham sido impressos dezoito mil exemplares...

Ante a “aposentadoria” dos seus quatro livros e “tanta ingratidão” das duas Editoras, Aprendiz, "ferido" por dentro, surtou, literalmente.

Entristecido por alguns dias, logo se valeu dos 71 anos de sua existência terrena e de sua vida, às vezes sofrida, mas sempre bela e generosa, buscando na prece forças para administrar tão grande "trauma".

Atenção para o número de palavras com aspas...  É intencional, para enfatizar que, de verdade verdadeira, nada disso deveria ter acontecido, pois, se aconteceu, foi por invigilância dele, o Aprendiz.

Aprendiz, sempre em preces, com a alma aberta a conselhos dos bons Espíritos, não tardou a se pacificar e refletir que, no mundo, até então, bilhões de livros tinham sido editados — dentre eles, alguns seus.

Pensou nos escritores famosos, de todos os tempos:

- Monteiro Lobato, que tanto lhe influenciou a mente na infância, com suas joias literárias; Clóvis Bevilacqua e o seu incomparável "Tesouro da Juventude", que lhe alicerçou o sabor da leitura, na adolescência e juventude; tantos ganhadores do Prêmio Nobel de Literatura.

Pensou nos poetas: Olavo Bilac e seu “celestial” Ouvir Estrelas; Castro Alves e seu iluminado e impactante poema Navio Negreiro; Cecília Meireles e seus Cantos; Fernando Pessoa e sua filosofia universal.

E tantos outros, escritores e poetas...

Considerou imperdoável deslembrar, dentre os expoentes brasileiros da literatura espírita: Chico Xavier, Divaldo Franco, Yvonne Pereira, então com respectivamente, 417, 160 e 18 livros...

Nesse devaneio, perguntas passearam longamente em sua mente:

Todos os livros de todos eles estão sendo reeditados? Quantos estão “adormecidos”?

Em autorresposta relembrou que, sendo fã ardoroso de poesia e de Vicente de Carvalho ("o poeta do mar"), jamais conseguiu encontrar livros dele. E tantos aquele poeta escreveu... Aí, Aprendiz recordou que em julho/1978 foi a uma grande livraria e queixou-se ao dono de não encontrar livros daquele poeta. Após ouvi-lo, o velho livreiro, com ar maroto, pleno de mistérios, pediu silêncio... (?) A seguir, levou Aprendiz aos fundos da livraria, aonde olhos públicos não chegavam... Subiu numa escada e lá do alto, cuidadosamente, pegou um livro e surpreendeu Aprendiz com um inesquecível gesto de carinho: doou-lhe "Poemas e Canções", do “poeta do mar”, cuja primeira edição datou de 1908 (a que presenteou era de 1965 — a última e o exemplar, também).

Disse o livreiro:

— É de presente. Joias assim não têm preço. São imortais!

Aprendiz concluiu que, de fato, os livros têm seu destino, isto é, cada um tem uma história. E, também, que tudo e todas as coisas que são feitas de coração, com o tempo, passam a ser lembranças, deixando a saudade como sua herdeira. Com livros, no mundo todo isso sempre aconteceu, acontece e acontecerá, mas tais lembranças ficam guardadas na Biblioteca da Saudade — o coração dos leitores —, cuja zeladora é a Eternidade!

Por isso, decidiu: nada de ficar triste com suas "não edições", compreendendo que isso só pode acontecer com quem, na vida toda, tenha ao menos um livro editado, do agrado de um leitor; ou tenha realizado uma obra feliz; ou tenha sido o protagonista de algo importante que, de alguma forma, tenha beneficiado, ao menos, uma pessoa.

Aprendiz agradeceu a Deus pela bênção de ter tido acesso, na presente existência terrena, a muitas sublimidades literárias, máxime as espíritas, tão esclarecedoras das coisas da Vida!

Aprendiz comunicou-se com os dois editores e penitenciou-se de sua atitude, recebendo em troca fraternais palavras de incentivo e amizade.

Daí em diante, com alegria, passou a imaginar que cada um dos livros não editados e que hoje se aquietaram, os seus e os dos demais escritores, um dia circularam vitoriosos por este mundo de Deus.

Os anos passaram, ou melhor, correram... E eis que auspicioso e utilíssimo fato veio beneficiar novas gerações de leitores, com a abençoada inauguração em Abril/2013 da EVOC (Editora Virtual O CONSOLADOR). Essa editora virtual passou a reeditar em e-book e ofertar na internet, graciosamente, livros espíritas já fora do catálogo nas respectivas editoras. Assim, tantos escritores, como Aprendiz, tiveram a inimaginável surpresa de verem alguns dos seus livros não mais publicados voltarem a decolar na EVOC, quais “fênix literárias”!

Aprendiz refletiu que a ideia da EVOC é algo que deveria multiplicar-se.

As próprias editoras, ao decidirem não mais publicar obras que julgam não ter público, poderiam enviar os originais delas à EVOC, que seriam publicados tranquilamente, tornando perenes e disponíveis a um clique livros que hoje jazem nos sebos e nas bibliotecas, num convite às traças.

Por falar em sebos, certa vez Aprendiz foi a um sebo, procurando um livro que noticiava registros de enchentes que há mais de um século aconteceram em sua cidade, como desde então, todos os anos...

No referido sebo viu alguns livros seus à venda... Trocando algumas palavras com o dono do sebo, este convidou Aprendiz para uma tarde de autógrafos, lá mesmo, regado a um coquetel gratuito. Aprendiz declinou, imaginando que talvez, no mundo todo, aquela fosse a primeira vez que um escritor recebera tão insólito quanto exótico convite...

(Em tempo: o “Aprendiz” e sua história, real, sou eu.)

 


* A frase-título é de Terêncio (Publius Terentius Afer), poeta cômico latino (Cartago, 185-159 a.C.). Escravo de origem africana, alforriado por seu amo Terêncio Lucano. Escreveu seis comédias, nas quais a análise psicológica e o problema moral sobrepõem-se às peripécias dramáticas e aos exageros cômicos. Foi um modelo para os clássicos franceses, sobretudo Molière.  

 


 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita