EURÍPEDES
KUHL
euripedes.kuhl@terra.com.br
Ribeirão Preto, SP
(Brasil)
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Habent
sua fata libelli
(*)
(Os
livros têm os seus
destinos, os seus
fadários)
Um escritor espírita que
em 2005 vivenciou
experiência literária,
desnecessária e
dolorosa, mas
pedagógica, permitiu-me
narrá-la, objetivando
que eventuais escritores
a evitem. Vou chamá-lo
de “Aprendiz”.
Naquele ano, Aprendiz
estava com quinze livros
psicografados e outros
doze de sua autoria.
Todos editados, na
maioria, reeditados.
Todos doados.
Um belo dia Aprendiz
recebeu comunicado de
uma das Editoras
informando-lhe que um
dos seus livros, após
cinco reedições, não
mais seria reeditado. De
início,
quase "morreu", de
tristeza. Mais ou menos
na mesma época recebeu
novo comunicado, de
outra Editora,
declarando que seus três
livros que nela foram
editados e reeditados
sairiam do catálogo.
Intimamente lamentou que
de cada um, na média,
tinham sido impressos
dezoito mil
exemplares...
Ante a “aposentadoria”
dos seus quatro livros e
“tanta ingratidão” das
duas Editoras,
Aprendiz,
"ferido" por dentro,
surtou, literalmente.
Entristecido por alguns
dias, logo se valeu dos
71 anos de sua
existência terrena e de
sua vida, às vezes
sofrida, mas sempre bela
e generosa, buscando na
prece forças para
administrar tão grande
"trauma".
Atenção para o número de
palavras com aspas... É
intencional, para
enfatizar que, de
verdade verdadeira, nada
disso deveria ter
acontecido, pois, se
aconteceu, foi por
invigilância dele, o
Aprendiz.
Aprendiz,
sempre em preces, com a
alma aberta a conselhos
dos bons Espíritos, não
tardou a se pacificar e
refletir que, no mundo,
até então, bilhões de
livros tinham sido
editados — dentre eles,
alguns seus.
Pensou nos escritores
famosos, de todos os
tempos:
- Monteiro Lobato, que
tanto lhe influenciou a
mente na infância, com
suas joias literárias;
Clóvis Bevilacqua e o
seu incomparável
"Tesouro da Juventude",
que lhe alicerçou o
sabor da leitura, na
adolescência e
juventude; tantos
ganhadores do Prêmio
Nobel de Literatura.
Pensou nos poetas: Olavo
Bilac e seu “celestial”
Ouvir Estrelas;
Castro Alves e seu
iluminado e impactante
poema Navio Negreiro;
Cecília Meireles e seus
Cantos; Fernando
Pessoa e sua filosofia
universal.
E tantos outros,
escritores e poetas...
Considerou imperdoável
deslembrar, dentre os
expoentes brasileiros da
literatura espírita:
Chico Xavier, Divaldo
Franco, Yvonne Pereira,
então com
respectivamente, 417,
160 e 18 livros...
Nesse devaneio,
perguntas passearam
longamente em sua mente:
— Todos os livros
de todos eles
estão sendo reeditados?
Quantos estão
“adormecidos”?
Em autorresposta
relembrou que, sendo fã
ardoroso de poesia e de
Vicente de Carvalho ("o
poeta do mar"), jamais
conseguiu encontrar
livros dele. E tantos
aquele poeta escreveu...
Aí, Aprendiz
recordou que em
julho/1978 foi a uma
grande livraria e
queixou-se ao dono de
não encontrar livros
daquele poeta. Após
ouvi-lo, o velho
livreiro, com ar maroto,
pleno de mistérios,
pediu silêncio... (?) A
seguir, levou
Aprendiz aos fundos
da livraria, aonde olhos
públicos não chegavam...
Subiu numa escada e lá
do alto, cuidadosamente,
pegou um livro e
surpreendeu Aprendiz
com um inesquecível
gesto de carinho:
doou-lhe "Poemas e
Canções", do “poeta do
mar”, cuja primeira
edição datou de 1908 (a
que presenteou era de
1965 — a última e o
exemplar, também).
Disse o livreiro:
— É de presente. Joias
assim não têm preço. São
imortais!
Aprendiz
concluiu que, de fato,
os livros têm seu
destino, isto é, cada um
tem uma história. E,
também, que tudo e todas
as coisas que são
feitas de coração, com o
tempo, passam a
ser lembranças, deixando
a saudade como sua
herdeira. Com livros, no
mundo todo isso sempre
aconteceu, acontece e
acontecerá, mas tais
lembranças
ficam guardadas na
Biblioteca da Saudade —
o coração dos leitores
—, cuja zeladora é a
Eternidade!
Por isso, decidiu: nada
de ficar triste com suas
"não edições",
compreendendo que isso
só pode acontecer com
quem, na vida toda,
tenha ao menos um livro
editado, do agrado de um
leitor; ou tenha
realizado uma obra
feliz; ou tenha sido o
protagonista de algo
importante que, de
alguma forma, tenha
beneficiado, ao menos,
uma pessoa.
Aprendiz
agradeceu a Deus pela
bênção de ter tido
acesso, na presente
existência terrena, a
muitas sublimidades
literárias, máxime as
espíritas, tão
esclarecedoras das
coisas da Vida!
Aprendiz
comunicou-se com os dois
editores e
penitenciou-se de sua
atitude, recebendo em
troca fraternais
palavras de incentivo e
amizade.
Daí em diante, com
alegria, passou a
imaginar que cada um dos
livros não editados e
que hoje se aquietaram,
os seus e os dos demais
escritores, um dia
circularam vitoriosos
por este mundo de Deus.
Os anos passaram, ou
melhor, correram... E
eis que auspicioso e
utilíssimo fato veio
beneficiar novas
gerações de leitores,
com a
abençoada inauguração em
Abril/2013 da EVOC
(Editora Virtual O
CONSOLADOR). Essa
editora virtual passou a
reeditar em e-book e
ofertar na internet,
graciosamente, livros
espíritas já fora do
catálogo nas respectivas
editoras. Assim, tantos
escritores, como
Aprendiz, tiveram a
inimaginável surpresa de
verem alguns dos seus
livros não mais
publicados voltarem a
decolar na EVOC, quais
“fênix literárias”!
Aprendiz
refletiu que a
ideia da EVOC é algo que
deveria multiplicar-se.
As próprias editoras, ao
decidirem não mais
publicar obras que
julgam não ter público,
poderiam enviar os
originais delas à EVOC,
que seriam publicados
tranquilamente, tornando
perenes e disponíveis a
um clique livros que
hoje jazem nos sebos e
nas bibliotecas, num
convite às traças.
Por falar em sebos,
certa vez Aprendiz
foi a um sebo,
procurando um livro que
noticiava registros de
enchentes que há mais de
um século aconteceram em
sua cidade, como desde
então, todos os anos...
No referido sebo viu
alguns livros seus à
venda... Trocando
algumas palavras com o
dono do sebo, este
convidou Aprendiz
para uma tarde de
autógrafos, lá mesmo,
regado a um coquetel
gratuito. Aprendiz
declinou, imaginando que
talvez, no mundo todo,
aquela fosse a primeira
vez que um escritor
recebera tão insólito
quanto exótico
convite...
(Em tempo: o “Aprendiz”
e sua história, real,
sou eu.)
* A frase-título é de
Terêncio (Publius
Terentius Afer), poeta
cômico latino (Cartago,
185-159 a.C.). Escravo
de origem africana,
alforriado por seu amo
Terêncio Lucano.
Escreveu seis comédias,
nas quais a análise
psicológica e o problema
moral sobrepõem-se às
peripécias dramáticas e
aos exageros cômicos.
Foi um modelo para os
clássicos franceses,
sobretudo Molière.