Frederico Figner, em 1933,
tendo em conta a instalação
da Constituinte que nos deu
a Carta Magna de 1934,
insistiu com o médium Chico
Xavier para que ele se
interessasse no recebimento
de uma mensagem de Ruy
Barbosa sobre o momento
político.
Ruy Barbosa atendeu ao apelo
e a mensagem veio através da
psicografia de Chico Xavier.
Fred Figner fez imprimir a
mensagem que a Folha
Espírita reproduziu na
íntegra:
“Não fosse solicitado a
falar sobre a situação
política do Brasil, e me
consideraria infenso a
quaisquer opiniões de ordem
pessoal sobre a atualidade
brasileira, não só
reconhecendo os
imprescritíveis direitos do
arbítrio individual e
coletivo, como pela
transcendência das
circunstâncias em que o meu
pensamento seria conhecido.
A morte, dilatando o prisma
da nossa visão, traz-nos um
certo desinteresse pelo
plano terreno, fragmentário,
minúsculo, em confronto com
a universidade de todas as
coisas, homogênea em si,
causa máter de toda a vida,
fonte original de tudo que,
manifestando-se através da
maleabilidade da matéria e
guardando, embora a luz
ignota das origens,
apresenta o caráter de uma
heterogeneidade fictícia e
perfunctória. A
grandiosidade inconcebível
do panorama cósmico nos
conduz à admiração das
parcelas do todo e, como as
partes são regidas pelas
mesmas leis imutáveis que
presidem ao conjunto, somos
levados a uma relativa
despersonalização, em
benefício da inevitável
concepção universalista, que
substitui em nossa
individualidade as ideias de
egoísmo prejudicial, que se
não justifica.
É inegável que o Brasil
atravessa um dos períodos
mais críticos da sua vida
como nacionalidade.
País novo, não se achava
indene de contagiar-se do
sopro das reformas em seus
paroxismos, que agita as
coletividades do Velho
Mundo, assoberbadas pelas
dificuldades intestinas, que
lhes tem dizimado as
energias revigoradas.
O erro da política
brasileira, porém, está em
não reconhecer a profunda
diversidade dos métodos
psicológicos a serem
aplicados ao nosso povo e
aos do mundo europeu. Ali, a
crise destruidora deve seus
efeitos a causas múltiplas e
indeclináveis; o estado
semianárquico da vida do
Brasil é oriundo da escassez
de valores morais.
É inútil hodiernamente
qualquer mudança nos
processos governamentais e,
em vésperas da nova
Constituinte, torna-se
oportuno recordar, aos que
se propõem outorgar outra
Carta à nação, que o menor
atentado às liberdades
públicas, sancionadas dentro
das normas do mais estrito
direito na Constituição de
91, seria um erro perpetrado
na mais irrefragável
ilegalidade, perante as
correntes evolucionistas
mantenedoras da ordem e do
progresso. Excetuando-se
algumas inovações de caráter
sucessivo, toda supressão
das conquistas jurídicas,
efetuadas no mais sadio dos
liberalismos, como expressão
singular de civismo,
estabelecendo as diretrizes
superiores da nacionalidade,
implica um retrocesso
injustificável.
A adaptação aqui dos
processos políticos
praticados largamente na
Europa moderna seria de
eficácia irrisória. No
Brasil, os problemas são
outros.
Embora prematuro todo
julgamento que se faça das
últimas sublevações
brasileiras, podem descobrir
se os seus fatores
primaciais na política
compressiva, despótica e
subornadora, posta em
prática nestes últimos anos,
foram uma consequência
lógica dos abusos da maquina
eleitoral, a constituírem os
maiores escândalos da
República, vexatórios às
suas doutrinas de liberdade
e igualdade.
Quando me refiro à
liberdade, é óbvio que a
subordino à lei soberana da
relatividade; todavia a
visão retrospectiva dos
acontecimentos nos
demonstrou que, se o ideal
republicano de 89 inflamava
a alma brasileira depois da
vitoriosa campanha
abolicionista, compelia o
povo à justa compreensão dos
seus direitos e deveres,
eliminando os preconceitos
factícios da autocracia
abominável do regime
monárquico, os continuadores
das ideias libertárias e
progressistas não se
mantiveram no nível dos seus
compromissos e
responsabilidades.
Refratários à corrente
purificadora dos pensamentos
republicanos criaram o falso
conceito da facção política
e com um partidarismo
ominoso fomentaram a
oligarquia devastadora.
A Constituição de 1891 não
falhou no Brasil; está de
pé, como síntese admirável
das vibrações do entusiasmo
de um povo pelo direito
incorrupto, imprescritível.
Os seus homens públicos é
que faltaram lamentavelmente
aos seus magnos deveres de
condutores, sobrepondo aos
altos interesses da pátria o
egoísmo da personalidade,
incentivando abusos,
acirrando ódios partidários,
olvidando a justiça,
coadjuvados por uma imprensa
quase sempre mercenária e
oportunista, levando o país
ao caminho franco da
falência moral, sem que se
justifiquem tamanhos
descalabros. Enquanto a
política pessoal tem feito
medrar no Brasil a
oligarquia, alguns Estados
hão disputado egoisticamente
a hegemonia da
nacionalidade, a par de
outros submersos na miséria
e no analfabetismo;
entretanto, os brasileiros
não desconhecem seus deveres
de coesão em torno da
unificação nacional.
A bancarrota dos indivíduos
teria de conduzir fatalmente
a nação aos últimos
acontecimentos. A fase atual
é de transição e reclama
insistentemente o valor
intrínseco de cada uma. O
momento não é de parenética
nociva, de verbosidade
estéril, mas de atos
concluintes, sinceros.
Cogita-se de movimentos
visceralmente renovadores. É
necessário, contudo, uma
profunda acuidade analítica
na concepção dessas reformas
que se fazem precisas, a fim
de que não redundem em
fórmulas desastrosas.
Medidas têm sido tomadas e
elaboradas que requerem
indispensáveis restrições na
sua aplicação,
refreando-lhes a expansão
abusiva e claudicante. Nesse
ambiente, porém, atordoador,
caótico, o perigo iminente é
a intromissão da corrente
clerical na política
situacionista, tentando
lesar o patrimônio da pátria
no que ela tem de mais
respeitável, a liberdade das
consciências, lídima
aquisição do direito
inviolável. A Igreja livre
dentro do Estado livre,
fórmula outorgada ao país
pelos republicanos de 1891,
conciliadora, compatível com
a evolução da mentalidade
moderna, não pode ser
desrespeitada sem graves
resultados para a vida
coletiva do núcleo
brasileiro.
Depois de verificada a
eliminação do jugo papista,
como necessidade
internacional cessadas as
lutas fratricidas, filhas do
fanatismo, cujo sangue ainda
está quente na história dos
países que oficializaram a
religião, cerrar os olhos à
sede megalômana da pretensa
infantilidade romanista, é
ação criminosa, condenável.
Infelizmente, houve no
Brasil incompreensão dos
seus orientadores de 89; não
é lícito, entretanto, que se
lhes torça o pensamento
superior sem reações
perturbadoras e deploráveis.
Destruir a laicidade do
Estado nos mínimos
departamentos que lhe são
afetos é uma deliberação
atentatória de todas as
conquistas liberais do povo
brasileiro que comina e
revolta como efeito natural
e incoercível. A submissão a
máquina política de Roma,
cujas manobras se revestem
da mais refinada hipocrisia,
é um escândalo
inqualificável, indicador do
retrocesso de toda uma
nacionalidade, a buscar o
passado obscuro, para o
colocar no porvir, que
pertence ao progresso por
uma questão racional de
justiça.
Que Deus inspire aos novos
constituintes as noções dos
seus austeros deveres, a fim
de que não sufoquem
arbitrariamente as
prerrogativas naturais do
direito, que jamais se
postergam, impunemente,
outorgando à pátria um
código perfeito, de acordo
com as suas necessidades
internas e com as exigências
da civilização em seu justo
sentido.
Calando-me aqui, por falta
de imanência comprobatória
das minhas palavras, desejo
ao Brasil um período
próspero de tranquilidade,
anelando a paz coletiva para
todos os seus filhos. Ruy”.
(Do livro: “Lições de
Sabedoria”, de Marlene Rossi
Severino Nobre, editado pela
Folha Espírita.)
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