CHRISTINA NUNES
cfqsda@yahoo.com.br
Rio de Janeiro,
RJ (Brasil)
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A concha preta
No litoral
carioca, havia
naquela época,
mais de quarenta
anos atrás,
vários tipos de
conchas nas
areias da praia
da Barra da
Tijuca e
Recreio.
Arredondadas,
enviesadas,
ainda fechadas
com seu bichinho
proprietário
dentro, ainda
vivo; de todas
as cores e
tamanhos. Havia
os mariscos, e
também filhotes
daquelas conchas
acústicas, das
quais não me
recordo agora a
denominação, que
nos permitiam a
mágica de
se "ouvir o
barulho do mar".
Eram o meu
encanto! Mais
que as outras,
as conchas
elípticas,
aquela
infinidade
rajada de várias
cores, e as
arredondadas
texturizadas
eram as minhas
preferidas.
Quando as
recolhia para a
minha coleção,
meu pai me
ajudava - sim,
ainda não havia
a consciência de
não se retirar
nada da praia,
porque também a
extinção em
massa da fauna
marinha ainda
não era
evidenciada. Não
havia tanta
poluição e
depredação do
ambiente; por
conseguinte, a
ninguém ocorria
que colecionar
coisas do
mar poderia
significar algo
politicamente
incorreto do
ponto de vista
ecológico. Salvo
minha mãe, que,
pressurosa, com
outras
considerações em
mente, alertava
que não se devia
levar nada do
mar para casa,
porque isso
seria de mau
agouro.
Meu pai,
portanto, me
ajudava; mas
apenas muitos e
muitos anos
depois, já na
maturidade,
compreendi a
lição sutil que
ele aproveitava
para incutir na
filha pequena
durante o encanto
frequente
daquele lazer de
verão: as
conchas pretas
eram as mais
valiosas!
Ora, as conchas
pretas eram as
mais raras! E
ele me dizia que
era justo por
isso que tinham
mais valor, e
eram mais belas
que as outras,
amarelas,
rajadas de azul
ou lilás,
brancas,
laranjas e
tantas outras
que se viam aos
montes, conforme
as ondas iam e
vinham. E toda
vez,
praticamente, se
estabelecia uma
competição para
o achado da rara
conchinha preta,
que, caprichosa,
nem sempre dava
o ar da graça,
para ser
comemorada
quando, enfim,
aparecia nas
extensões das
areias molhadas,
trazida pelo
movimento
incessante das
ondas! Eu
gritava de
alegria, pulava,
e corria para
mostrar!
A valiosa concha
preta! Enfim,
conseguira uma!
Qual foi a
lição,
incorporada na
prática do dia a
dia para todo o
resto da vida? O
valor impagável
das diferenças!
Porque algo
assim,
assimilado na
fase da infância
e da formação da
personalidade,
certamente
contribuiu para
a compreensão
precoce de que
toda e possível
diferença
traz, embutido,
o seu valor
intrínseco!
Uma mentalidade
formada neste
sentido,
portanto, é a
responsável
por, mais tarde,
se
oferecer à sociedade
o adulto maduro,
do ponto de
vista, sobretudo
espiritual,
para, ainda mais
nos
dias caóticos da
atualidade,
sobrenadarem preconceitos
arraigados que
há séculos
contribuem apenas
para transformar
a vida em
sociedade num
inferno.
O preconceito
contra a
diferença! A
convivência
com o diferente
- algo que a
humanidade, de
uma forma
global, ainda encontra
dificuldades
francas
para lidar a
contento, em
nome de uma
coexistência humana harmoniosa
e mais feliz!
A concha
preta! O se
valorizar, com
visão de dentro
e amor
franco, toda e
qualquer
manifestação de
vida, desde os
animais até os
seres humanos,
sejam quais
forem seus
característicos
de raça, de
preferências, de
aparências, de
limitações de
saúde, ou de
idade!
Sejam brancos,
pardos, negros,
asiáticos,
orientais;
cristãos,
muçulmanos,
judeus,
budistas,
espíritas ou
evangélicos;
homo ou
heterossexuais!
Pessoas com
necessidades
especiais,
idosos, pobres
ou ricos, sem
esse
escalonamento
utilitário e
opressor de
classes
pelo qual se
habituou a
referir, dentro
de nossos
contextos
sociais, a nada
mais do que seres
humanos!
Sim! A
grande verdade! Seres humanos
- habitantes de
um mesmo
planeta!
-expressões
diversificadas
do Criador, com
a mesma centelha
de vida idêntica
dentro de si!
Matizados,
apenas, nas
suas manifestações pessoais, sob
os coloridos
culturais,
sociais,
familiares, e de
acordo com
cenários,
idiomas
diferentes,
obedecendo ao
uso sagrado do
livre-arbítrio, que
requer do
circunstante
apenas o uso do respeito, em
toda e qualquer
situação, e em
nome de um
cenário pacífico
para uma nova
realidade, de
melhor qualidade
para todos, na
infinidade
de lugares do nosso
mundo!
A lição de meu
pai ficou para a
eternidade. E
sempre hei de
lhe ser grata,
porque, com cerca
de sete ou oito
anos de idade,
eu já
sabia valorizar
e me alegrar com
a concha preta!
A mais bela e a
mais rara!
Exatamente por
sua diversidade
mais escassa,
difícil de se
encontrar, que
representava
nada menos do
que a capacidade
suprema da Vida
para
a criação, para a
inovação
constante,
sempre no rumo
do ineditismo -
ensinando-nos a
nos encantarmos com
o desconhecido e
com
o enriquecedor
do e
no outro, como em
nós mesmos, ao
longo
das experiências pródigas
do cotidiano!