MARCELO TEIXEIRA
maltemtx@uol.com.br
Petrópolis, RJ (Brasil)
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O necessário e o
supérfluo, mas sem
passar batido
O jornalista espírita
André Trigueiro, meu
amigo-irmão, é
especialista na área
ambiental. Tem livros
publicados e também faz
inúmeras palestras sobre
o assunto, tanto em
centros espíritas como
em universidades,
igrejas católicas e em
todo local onde houver
um grupo religioso,
estudantil ou entidade
de classe interessada em
meio ambiente, assunto
de suma importância para
melhor nos situarmos no
mundo atual, às voltas
com mudanças climáticas,
consumismo e afins.
Certa vez, em
Petrópolis, durante o
seminário “Ecologia e
Paz”, o André,
ressaltando que a
Doutrina Espírita aborda
várias vezes a questão
ecológica, disse que
precisamos deixar de
passar batido pelo item
“O necessário e o
supérfluo”, de “O Livro
dos Espíritos” (terceira
parte, capítulo cinco,
questões 715 a 717).
Confesso que não lia
essas questões há um
tempo. Passei batido
também, como advertiu o
André. E fiquei surpreso
ao ver que são apenas
três questões que, de
fato, devem passar
despercebidas para
muitos. É como se as
três formassem um item
de menor importância,
perdido na parte que
estuda as Leis Morais.
Como nada nas obras de
Kardec é mais ou menos
importante (tudo tem o
mesmo e importantíssimo
peso) e eu também sou um
entusiasta da questão
ambiental, resolvi me
debruçar sobre as três.
Que Santo André
Trigueiro, padroeiro das
causas ecológicas, me
ajude!
Na questão 715, Kardec
pergunta “Como pode o
homem conhecer o limite
do necessário?”. A
resposta diz que o homem
ponderado conhece tal
limite por intuição.
Muita gente, no entanto,
só irá conhecê-lo à
própria custa, ou seja,
batendo cabeça.
Quando reli essa
questão, lembrei-me de
uma senhora com quem
dividi algumas sessões
de fisioterapia quando
torci o tornozelo há
alguns anos. Conversa
vai, conversa vem, ela
contou que ela e o
marido moravam numa casa
com cinco suítes. Uma
para o casal. As demais,
para os quatro filhos
homens. Só que os filhos
já haviam saído de casa
por terem casado ou ido
trabalhar em outra
cidade. Ficaram ela e o
marido morando numa
residência cheia de
suítes, que ela mantinha
fechadas e nas quais não
entrava havia meses.
Contou, também, que por
ser uma casa grande,
havia demorado a ficar
pronta. Por isso, os
filhos aproveitaram
pouco das suítes.
Perguntei se ela pensava
em vender a casa, quem
sabe para alguém
interessado em
transformá-la numa
pousada. A casa, disse a
senhora, estava à venda,
mas ainda não havia
aparecido comprador.
É claro que se tenho
dinheiro e sou pai de
quatro filhos, não vou
morar com minha família
numa casa apertada. Mas
se ajo com ponderação,
como ressalta “O Livro
dos Espíritos”,
perceberei que, em
breve, eu e minha esposa
corremos o risco de
ficar sozinhos numa casa
imensa. Creio que se os
proprietários tivessem
construído uma casa com
dois quartos para os
filhos (dois filhos por
quarto) e dois banheiros
sociais, fora a suíte de
marido e mulher, a casa
estaria num bom tamanho.
Todos teriam aproveitado
mais não só a casa, mas
também a companhia uns
dos outros.
Na Região Serrana do RJ,
onde vivo, há casas
cinematográficas em
profusão. Todas com
inúmeras suítes (com
closet), churrasqueira,
forno a lenha, salão de
jogos, casa de hóspedes,
piscina, sauna seca e a
vapor e por aí vai.
Muitas delas à venda há
meses. Não aparece
comprador. Hoje em dia,
muita gente não dispõe
de tempo e dinheiro para
manter uma mansão.
Quando “O Livro dos
Espíritos” diz que
muitos vão conhecer o
limite do necessário
pela própria – e muitas
vezes sofrida –
experiência é porque não
sabemos lidar com a
matéria de forma
equilibrada. Geralmente,
pensamos que ser
materialista é não
acreditar em Deus ou na
existência de algo além
da morte. Mas
materialismo também é
não parar para pensar na
hora de construir um
imóvel que, mais
adiante, se transformará
num elefante branco. Não
só pelo tamanho do
mesmo, mas pela
quantidade de tempo e
dinheiro que a casa mega
linda requer para
permanecer de pé e
arrumada. Estou falando
de impostos altos,
número de empregados,
material de limpeza...
Tudo para dar conta do
número exagerado de
quartos, salas e
banheiros que a gente
inventou. Haja material
de construção! E
cimento, barro, madeira
e Cia. Ltda. vêm de
onde? Da Natureza, que
já demonstra sinais de
saturação por causa de
tanta extravagância.
A resposta à pergunta
716 diz que a Natureza
deu ao homem uma
organização que lhe
traça os limites da
necessidade. O homem,
porém, tudo alterou por
causa de vícios que o
fizeram criar
necessidades nada reais.
Hoje em dia, é farta a
oferta de confeitarias,
restaurantes de comida a
quilo, lanchonetes de
comida rápida... Comida
saborosa, farta e
acessível. Mas será que
temos necessidade de,
todo santo dia, tomar
refrigerante, comer
brigadeiro, se entupir
de batata frita?
Em 16 de dezembro de
2013, o pediatra carioca
Fábio Becker deu
entrevista ao programa
“Roda Viva”, da TV
Cultura. Ele abordou a
questão da comida pronta
de hoje em dia. Nos
Estados Unidos, paraíso
do alimento
industrializado, a
comida é feita com
sabor, crocância e
consistência ideais para
que a criança rejeite o
alimento natural quando
o provar. Dessa forma,
diz ele, corremos o
risco de ter crianças
que só aceitam comida
fabricada e rechaçam a
couve, o chuchu, a
beterraba... Vícios que
alteram nossa
constituição e criam
necessidades irreais,
conforme observa o
sempre atual “O Livro
dos Espíritos”.
O André Trigueiro é
inimigo do closet. Em
suas palestras, ele
sempre fala da
desnecessidade de
fazermos um cômodo
estilo sala de troféus
para exibir a coleção de
sapatos, gravatas,
lingerie, camisas,
toalhas felpudas e sabe
lá Deus o quê. E esse
cômodo supérfluo tem,
ainda por cima,
iluminação especial,
feita por um “light
designer”. Haja energia
elétrica!
Se o André elegeu
combater o closet, eu
escolhi a varanda
gourmet como inimiga.
Tenho visto, em recentes
lançamentos imobiliários
no RJ e SP, apartamentos
com as tais varandas,
que vêm equipadas com
churrasqueiras. Será que
precisamos de
churrasqueiras em
varandas de
apartamentos? Fico
imaginando o fumacê se
todo mundo resolver
fazer churrasco no mesmo
dia. Sabemos que uma das
grandes causas de
desmatamento na Amazônia
é a criação de pastos
para o gado. Portanto, a
fumaça do exagero
churrascal é a mesma das
queimadas na Amazônia.
Será que precisamos
consumir tanto churrasco
assim? Será que virou um
item de primeira
necessidade, a ponto de
novos apartamentos já
virem com a tal da
varanda gourmet? Além
disso, a área de serviço
teve o espaço bastante
reduzido para dar lugar
à dita cuja gourmet. Há
lugar para tanque,
máquina de lavar e um
pequeno armário. Nada
mais. Será que só eu
lavo e seco roupa em
casa?
Todos nós sabemos que o
dia a dia doméstico não
é varanda gourmet. É,
entre outros itens, um
local para secar a roupa
que foi lavada. Digo
isso porque já vi
apartamentos de
condomínios luxuosos
cheios de varais de chão
na varanda gourmet. Ou
seja, não há local para
secar a roupa. E quando
chove, os varais de chão
repletos de panos de
pratos, meias e afins
molhados ficam na sala.
Eu particularmente
prefiro uma boa área de
serviço a uma varanda
gourmet. Abaixo a
varanda gourmet!
Por fim, a questão 717,
que diz que os homens
que se apropriam dos
bens da Terra para ter o
supérfluo enquanto
muitos não possuem o
necessário terão de
responder pelas
privações que causam.
Estas palavras me fazem
lembrar Madre Teresa de
Calcutá. Uma vez, ao
desembarcar nos Estados
Unidos para uma
conferência, ela ficou
horrorizada ao ver a
quantidade de comida que
estava sendo jogada fora
no aeroporto. Comida
industrializada, cheia
de gordura. Mas ainda
assim, comida. Comida
feita de trigo, carne,
leite, milho, batata e
outros itens, que foram
tirados na Natureza
(Olha ela aí
novamente!), para
alimentar um bando de
gente que come em
excesso e joga fora
toneladas de alimentos
todos os dias. Até
quando?
No livro “Mundo
Sustentável”, o André
Trigueiro, referindo-se
ao desenho animado
“Mogli, o Menino Lobo”,
cita a música cantada
pelo Urso Balu, amigo do
personagem-título: -
Necessário, somente o
necessário. O
extraordinário é demais.
Sei que às vezes é
difícil estabelecer o
limite entre o
necessário e o
supérfluo. Mas como diz
o André Trigueiro, um
bom indício é evitarmos
fazer coleção. Todos
sabem quantos sapatos,
celulares, automóveis,
toalhas e peças de roupa
devem ter. É questão de
foro íntimo. Mas se
alguém começa, por
exemplo, a fazer coleção
de sapatos, é melhor
acender o sinal de
alerta. Afinal, como diz
o adendo à questão 717,
“Tudo é relativo,
cabendo à razão regrar
as coisas”.