Ô, do centro espírita!
Era um dia de 2011 ou
2012, não lembro ao
certo. Só sei que havia
estado doente. Nada
grave. Nem sei se doente
é o termo adequado. Foi
um problema
dermatológico que estava
causando certo incômodo.
Havia ido ao
dermatologista, que me
receitou creme e
antibiótico.
Duas semanas haviam se
passado e eu já estava
bem melhor. Mas era
preciso voltar ao médico
para fazer o
acompanhamento. Eu
estava marcado para o
meio da tarde; 16h,
creio. Por questões de
trabalho, no entanto,
não conseguiria chegar
no horário combinado.
Liguei, então, para o
consultório e falei com
a secretária. O Dr.
Marco Liserre, meu
grande amigo e excelente
dermatologista,
atenderia somente até
17h30, pois teria um
compromisso. Combinei de
chegar logo depois das
17h.
Entre 17h e 17h15, lá
estava eu caminhando
apressado pela rua.
Apertava o passo, pois
precisaria vencer
algumas quadras e
cruzamentos para chegar
ao consultório. Estava
preocupado com o
horário. Não gosto de
chegar atrasado e muito
menos deixar as pessoas
me esperando. E nem
podia, pois o Marco não
iria me esperar.
Foi aí que algo
inesperado aconteceu.
Passei em frente a um
bar onde vários homens
jovens bebiam cerveja e
conversavam
animadamente. Uns na
calçada, outros ocupando
parte da beira da rua.
Foi quando um dos
rapazes, do grupo que
estava além do meio-fio
gritou e olhou em minha
direção: - Ô, Ô! Ô!
Não tenho o hábito de
tomar cerveja e de
frequentar bares. Nada
contra. Apenas não é
minha praia. Por isso,
concluí que o rapaz
estava chamando outra
pessoa e prossegui no
meu passo apressado. Foi
quando o rapaz gritou:
- Ô, do centro
espírita! Ô, do centro
espírita!
Não havia mais dúvidas.
Era comigo. Parei. Ele
veio em minha direção
todo sorridente, olhos
brilhando de
contentamento, rosto
iluminado de empolgação
e felicidade. Quando ele
chegou perto de mim,
disse, cheio de gratidão
e alegria, que havia
gostado muito da minha
palestra. Falou que
ficou muito feliz de ter
ouvido os ensinamentos
que eu transmitira.
Aquilo me tocou
sobremaneira. Sorridente
e meio sem graça,
conversei ligeiramente
com ele, agradeci e
segui apressado, já que
não podia perder a hora
do médico.
Faço palestra não só na
União Municipal Espírita
de Petrópolis (Umep),
como também em vários
outros centros espíritas
da Cidade Imperial. E
como sou muito falante e
brincalhão, muita gente
vem conversar comigo
depois da palestra.
Dizem que gostaram do
que expus, das histórias
que contei etc. Isso me
deixa sempre muito
feliz. É bom saber que
nosso trabalho toca as
pessoas.
Mas aquele rapaz era
diferente. Ele não veio
conversar comigo logo
depois da palestra. Ele
estava na porta de um
bar e me abordou com um
copo de chope na mão e
cheio de alegria.
Ressalto esse fato
porque algumas pessoas
têm receio de serem
admoestadas por um
espírita caso sejam
flagradas ingerindo
bebida alcoólica. Sobre
isso, recomendo a
leitura do capítulo
intitulado O
Argueiro, a Trave no
Olho, o Chope e o
Cigarro, do meu
primeiro livro –
Inquietações de um
Espírita. E se ele
me abordou daquela forma
é porque percebeu,
inconscientemente ou
não, que com os
espíritas não deve haver
esse tipo de barreira.
Afinal, o espírita deve
orientar, esclarecer e
consolar. Nunca condenar
ou bancar o censor da
vida alheia. Eis por que
o Espiritismo é pop.
Creio que só ele permite
uma abordagem assim, tão
livre e democrática,
despida de
prejulgamentos.
Depois que saí do
médico, minutos mais
tarde, pus-me a pensar:
- Em que centro
espírita ele me viu
fazer palestra?
Quando foi? Qual terá
sido o tema da palestra?
O que será que eu disse
para deixá-lo naquele
estado de euforia e
gratidão? Será que eu o
libertei de alguma
culpa? Terei eu aliviado
uma carga de mágoa que
ele carregava? Será que
a minha fala o fez dar
uma nova diretriz à
vida? Em seguida,
deduzi que eu deveria
ter perguntado o nome
dele e onde havia sido a
palestra. Mas como
estava com pressa, segui
adiante. Arrependo-me
disso até hoje. Já se
passou um tempo e ainda
me pergunto quem é
aquele rapaz.
Isso me fez recordar um
episódio semelhante,
ocorrido em abril de
2012, lembro-me bem. Foi
em plena Praça Florida
de Livros, evento
espírita cultural que em
todos os anos realizamos
em Petrópolis e na
cidade vizinha de São
José do Vale do Rio
Preto. Estava eu na
porta do Theatro D.
Pedro verificando o
material de divulgação
da palestra que
ocorreria no local,
quando uma moça chegou
para mim e perguntou:
- Você é o Marcelo, não
é? Respondi que sim.
Ela, então, completou:
- Olha, você mudou a
minha vida! Aquela
palestra que você fez
foi muito boa para mim.
Graças ao que você
disse, consegui resolver
um problema que me
agoniava. Muito
obrigado! Perguntei
onde havia sido a
palestra. Ela respondeu
que havia sido no Grupo
da Fraternidade Espírita
Oswaldo Cruz, centro
petropolitano no qual
volta e meia faço
palestra. Mas e o rapaz
do chope? Em que centro
ele me assistiu? Acho
que jamais saberei.
Pena.
Citei no capítulo
anterior a Parábola do
Semeador. Nela, Jesus
diz que o semeador saiu
espalhando sementes por
onde passava. Jogou-as e
seguiu adiante; cumpriu
sua tarefa sem saber se
germinaram ou não. Faço
um paralelo com uma
história muito
conhecida. Faz parte do
livro O Semeador,
psicografado pelo médium
Divaldo Pereira Franco e
ditado pelo Espírito
Amélia Rodrigues. Na
história, uma professora
andava de trem
constantemente. Quem a
via de fora, pensava que
se tratava de uma mulher
louca, já que vivia com
a mão para fora da
janela, como se
estivesse acenando a
esmo. Mas, na verdade,
ela trazia sempre
consigo um saco de
sementes e as ia jogando
pela janela. Quando
souberam disso, os que
não entendiam seu gesto
compreenderam por que as
margens dos trilhos eram
tão floridas. As
sementes que a
professora jogava
transformavam-se em
flores a enfeitar o
caminho. Ela
simplesmente saía a
semear. Ao longo dos
anos, transformara a
paisagem árida em um
local florido.
Quem é esse semeador ao
qual Jesus se refere? Um
missionário de altíssima
elevação que saiu de
casa ciente de que
exerceria a nobre missão
de jogar sementes?
Talvez sim. Mas pode
simbolizar todos nós,
seres humanos cheios de
contradições e que, a
despeito dos problemas
que enfrentam, saem de
casa para trabalhar e
jogam sementes de
compreensão,
entendimento, esperança,
tenham ciência disso ou
não.
Semeadores, portanto,
seríamos todos nós. Às
vezes sem percebermos,
devido a um sorriso, uma
gentileza, uma palavra
amiga ou equivalente,
renovamos as esperanças
na vida de alguém.
No livro Ceifa de
Luz, o Espírito
Emmanuel, pela
psicografia do médium
Chico Xavier, na
mensagem intitulada
Compromisso Pessoal,
diz que Deus dá a seiva,
o solo, o clima, a
semente etc. E também
fornece a saúde, a
coragem a inteligência e
o discernimento do
semeador. No entanto,
ressalta que o trabalho
só será concluído se
alguém plantar.
Agora me levo a imaginar
Jesus Cristo como o
maior semeador de todos
os tempos. As sementes
fornecidas por ele estão
aí, ao nosso alcance,
dia após dia. E quem
exerce tarefas no meio
espírita sabe muito bem
do que estou falando.
Muitas vezes, estamos
chateados, cansados,
desanimados até. Tivemos
um dia cheio, a família
está dando problemas, a
saúde anda meio
irregular, problemas no
trabalho, finanças
balançadas... Mas temos
de aplicar passe, fazer
palestra, aplicar estudo
e similares. Chegamos
meio chateados ao centro
e, com a ajuda dos
amigos espirituais,
exercemos nossa tarefa.
Depois, voltamos para os
desafios da vida lá
fora. Mas, apesar de
todos os percalços,
pegamos a semente e a
plantamos. Aí, seguimos
sem olhar para trás e
nem tomamos conhecimento
que uma semente que
plantamos floresceu.
Até que um dia, andando
apressadamente rumo ao
consultório do
dermatologista, alguém
que eu não conheço, mas
que me conhece, chama
por mim em frente a um
bar e, tulipa de chope
em punho, me dá um dos
maiores presentes que já
recebi desde que entrei
para o movimento
espírita, em 1984. Não
tive tempo de perguntar
o que eu disse na
palestra e onde ela
ocorreu. Nem o nome do
rapaz eu perguntei. Mas
havia plantado algo bom
no coração dele. Acho
que ganhei a encarnação
naquele momento
insólito. Num instante,
percebi o quanto vale a
pena dedicar-se a uma
causa nobre como a do
movimento espírita. Não
desanimemos, portanto.
Sigamos a plantar,
apesar de todos os
nossos pesares.
Termino esse texto
fazendo um pedido aos
companheiros do
movimento espírita de
Petrópolis (RJ): contem
essa história para todo
mundo. Espalhem-na aos
quatro ventos. Tenho
muita vontade de saber
quem é esse rapaz e dar
a ele a atenção que,
naquele dia, não pude
dar.
Enquanto isso não
acontece, a frase
inesquecível, pois
tocada de amor e
gratidão, continua a
ecoar em meu coração.
Quando passo em frente
àquele bar, então, nem
se fale! Ô, do centro
espírita! Ô, do centro
espírita!
BIBLIOGRAFIA:
1 -
FRANCO, Divaldo Pereira.
O Semeador.
2 -
XAVIER, Francisco
Cândido. Ceifa de
Luz. Federação
Espírita Brasileira (FEB),
4ª Ed., 1996, Brasília,
DF.