O Cristo convertido
Estupefato, deixei a
sala de cinema após
assistir ao filme Exodus
(EUA, Reino Unido,
Espanha; 2014), que
narrou naquela visão
cinematográfica a saga
de Moisés e a libertação
dos hebreus do jugo
egípcio. Causou espanto
a troca, na película, do
cajado do patriarca pela
espada e a sua conversão
em um general, diante de
um verdadeiro Deus dos
exércitos, com escolhas
claras entre seus
filhos.
Pela mente, na saída da
sala de cinema, trazendo
Moisés para o contexto
do cristianismo,
passaram as cruzadas e
as mortes em nome do
Cristo, os palácios
erguidos em honra ao
filho do carpinteiro, as
politicagens e
negociatas com ares
cristãos, e ainda, as
guerras que povoam os
noticiários e que
trazem, nas suas
justificativas, uma
menção ao Nazareno.
Passados mais de dois
mil anos, ainda persiste
a ideia de um Deus
sectário, de povos
eleitos em detrimento de
outros e no caso de
Jesus, mais
especificamente, uma
vinculação a realezas
terrenas, distante ainda
de uma mensagem não
compreendida, de amor ao
próximo como a si mesmo.
Vemos então um Cristo
convertido, que sustenta
ideias e projetos
estranhos a suas
palavras e gestos,
fossilizados na mágica
alienante da “palavra de
Deus”. Seguindo suas
pegadas, percebemos que
em alguns momentos
históricos, por conta de
forças econômicas e
políticas, a mensagem
evangélica foi se
deturpando ao sabor dos
interesses, pela força
das circunstâncias
aliada a fraqueza dos
homens.
Jesus disse claramente
que seu reino não era
deste mundo, discussão
que Kardec traz no
Capítulo II de O
Evangelho segundo o
Espiritismo. Uma
reflexão profunda e
necessária, no sentido
de que buscamos trazer o
Cristo para as nossas
medidas, como fizeram os
gregos no
antropomorfismo de seus
deuses. Buscamos adaptar
Jesus, converter o
Cristo em um símbolo
para justificar nossas
ações reprováveis e não
um modelo para as nossas
atitudes, na indicação
da pergunta 625 de O
Livro dos Espíritos.
Assim, vemos passar pelo
mundo e pelas falas o
Cristo, com roupagens de
general, de galã de
cinema, de soberano com
riquezas, e até Jesus
como Deus, uma falácia
que se desmonta ao
olharmos a nossa
condição na imensidão do
universo. Esquecemo-nos
do papel que ele mesmo
escolheu nessa
encarnação, um humilde
filho de carpinteiro.
Para nós, espíritas, o
Cristo se apresenta como
modelo e fonte de
ensinamento, como um
Mestre. Não figura como
salvador, a carregar
nossas mazelas. Não
figura como ente
exclusivista, a defender
seu povo eleito. Não se
apresenta como figura
acima do bem e do mal.
Trata-se de um irmão
maior, na nossa longa
estrada da evolução.
O Cristo não é o que
queremos, o que nos
convém. Para além da
temporalidade de nossos
poderes terrenos, pairam
suas palavras e
exemplos, carentes de
interpretações mais
realistas que sustentem
não os sonhos bélicos e
de poder e sim a
construção do homem
novo, reconhecido pelo
amor em seus atos.