Os desafios de uma fé
raciocinada
Vou começar contando uma
história que me contaram
recentemente... Em uma
juventude espírita,
certo dia surgiu um
jovem com alto grau de
ceticismo, e, no meio do
estudo, ele começou a
questionar os pilares da
doutrina – Deus,
imortalidade,
reencarnação,
mediunidade – com
argumentos sólidos e bem
construídos, de quem
sabia do que estava
falando.
A dirigente da
Juventude, em uma
demonstração de
sagacidade, ao invés de
reprimir o jovem “quizumbeiro”,
deixou o barco correr
para ver como os jovens
iam se portar. Os jovens
titubearam, e na
argumentação não
lograram sustentar as
suas convicções frente a
tantos questionamentos
de interlocutor tão
assertivo.
Obviamente, o menino
cético sumiu na semana
seguinte e a dirigente
aproveitou, pelo
princípio da
oportunidade, o ocorrido
de forma construtiva e,
na próxima aula, trouxe
a temática da fé
raciocinada, em rica
discussão que provocou
os jovens.
Parabenizando essa
lúcida orientadora de
juventude, temos que
esse caso nos leva a uma
profunda reflexão...
Como estamos construindo
a nossa fé raciocinada?
Estamos nos pautando
pela lógica, pela
pesquisa, pela reflexão
e pelo estudo? Estamos
construindo uma fé
sólida, que convive com
a razão e com a dúvida,
ou nos acomodamos na
postura do que é assim
porque está escrito na
pergunta tal de O Livro
dos Espíritos?
A via das
simplificações, dos
livros sagrados, da
pasteurização, dos
resumos e
superficialidades não
resiste a uma ventania
mais forte, como no
exemplo de Jesus da casa
construída na areia, ou
ainda, no exemplo
concreto trazido aqui,
que é uma replicação do
que passamos todos os
dias na rua, no
trabalho, diante dos
jornais, nos quais a
nossa convicção é posta
à prova, não em um
sentido do “eu
acredito”, mas sim do
“eu faço”.
Kardec, ao falar n’ “O
Evangelho segundo o
Espiritismo” da fé
raciocinada, traz um
trecho magistral quando
diz: “A fé
raciocinada, aquela que
se apoia nos fatos e na
lógica, é clara, não
deixa atrás de si
nenhuma dúvida.
Acredita-se porque se
tem a certeza, e só se
tem a certeza quando se
compreendeu. Eis por que
não se dobra, pois
somente é inabalável a
fé que pode encarar a
razão face a face, em
todas as épocas da
Humanidade”.
Situação que ele
exemplifica em vários
momentos da origem do
Espiritismo, em especial
nos célebres debates com
o cético e com o
crítico, na obra “O que
é o Espiritismo”, nos
quais Kardec sustenta
com argumentos e fatos
suas convicções,
situação que fazemos
hoje em melhor posição,
pois, no que tange à
fenomenologia, por
exemplo, avançou-se
muito nos estudos sobre
diversas situações que
corroboram os postulados
espíritas.
Note, estimado leitor,
que não falamos aqui em
se envolver em uma
cruzada de tertúlias
filosóficas na escola e
no trabalho tentando
angariar adeptos para as
fileiras espíritas pela
argumentação, em
exercícios de maiêutica.
Essa construção de
convicção é para nós
mesmos, para sustentar
nossa fé e nossos
exemplos, em especial
nos momentos difíceis, e
muito fáceis, que abalam
a nossa fé, por ela
confrontar a nossa
conduta. Fé cega é uma
faca amolada, já dizia o
compositor Milton
Nascimento!
E para construir essa
convicção sólida, não
vejo outro caminho que
não o estudo
disciplinado, a
discussão em grupos, a
luz de textos
consistentes, em
especial das chamadas
obras básicas, ilustrado
por outras obras
respeitáveis,
relacionando essas
ideias ao cotidiano, por
exemplos concretos, na
articulação de teses e
antíteses que constroem
sínteses.
Um caminho longo, mas
árduo, que sedimenta o
conhecimento espírita,
fugindo da sedução de
visões simplistas,
abordagens superficiais,
resumos, palestras,
romances, em conteúdos
soltos e frágeis, que
uma vontade mais
determinada ou um
problema mais sério
derrubam como uma árvore
podre na ventania.
A fé raciocinada é um
grande desafio proposto
pelo Espiritismo, e nos
vacina de males antigos,
como o fanatismo, o
desânimo e a exploração
religiosa. Ilumina a
prática do bem, a ação
mediúnica, sobrepondo a
quantidade pela
qualidade. Espíritas
convictos, trabalhadores
coerentes!
Fugir disso é o dogma, o
conteudismo, o
formalismo, e já
assistimos a esse filme
e já sabemos como ele
vai terminar... Depois,
nos restará o espanto
diante de práticas
estranhas, a importação
de paradigmas, de
causas, o
assistencialismo, e as
curiosas tentativas de
se padronizar corações e
mentes, ideias essas que
ferem o cerne do
Espiritismo.
A trinca de atividades –
estudo-mediunidade-caridade
– presente nas casas
espíritas compreende
todas as fontes de
conhecimento, todos os
estudos-ação, por causa
da reflexão e da mudança
de disposições íntimas
que elas proporcionam.
Tudo é estudo, em tudo
se aprende! Mas o estudo
tem a propriedade de
fazer o “visgo” que
relaciona no plano
mental essas reflexões.
Como os jovens da
história, terminamos
pensativos sobre a fé
raciocinada, nos
perguntando em que base
andam assentadas as
nossas crenças, pois que
devemos refletir sobre
esse conceito trazido
por Kardec, de uma fé
adjetivada da luz da
razão, que nos robustece
em todas as épocas de
existência como
encarnados.