A viagem de um
menino
Noutro dia fiz
interessante
viagem. Não
precisei levar
malas, sacolas
ou bolsas. Isto
embaraça o bom
aproveitamento
daqueles
momentos em que
saímos do
rotineiro para o
incomum. Assim,
sem pagar o
bilhete entrei
numa nave muito
especial e fui
levado pelas
emoções ao
encontro dos
encontros que me
aguardavam. E
eram tantos!
Passado –
Presente e
Futuro. Com cada
um deles travei
sérios debates.
Ao Passado pedi
que me deixasse
seguir livre de
suas
interferências
muitas vezes
pertinazes que
chegam a
atormentar-me.
Ao Presente
falei com
galhardia
mostrando-me
mestre na arte
de aprender e
ensinar e ao
Futuro disse que
ele me
aguardasse, pois
o encontraria em
melhores
condições.
Foi assim que de
conversas em
conversas
resolvi
sentar-me num
platô que se
erguia bem
próximo da linha
do horizonte que
se expande
sempre que para
ela caminhamos
como a nos
indicar o
infinito. Era
hora de meditar,
reavaliar,
reconsiderar
fatos,
circunstâncias e
escolhas. Ah
essas escolhas!
Como nos tornam
presos a elas!
Contudo,
necessitamos
fazê-las. Assim
Deus permite. E,
por falar em
Deus, tentei ir
ao Seu encontro.
Foi bem difícil,
mas vislumbrei,
lá ao fundo, bem
ao fundo, uma
luz ainda
embaçada e
permeada por
névoa
esbranquiçada.
Era como um Sol
que se põe ou
chega, ainda
devagar, dúbio,
tremulante, sem
os arroubos da
hora maior do
dia. Entre eu e
Deus existiam
várias ruelas,
vilas,
penhascos,
abismos,
planícies. Havia
ladeiras,
escarpas,
montanhas,
lagos, mares,
rios, auroras e
um sem-fim de
coisas que ainda
não conheço ou
decodifico com
os conhecimentos
que possuo. Mas,
ao ver-me,
saudou-me com
alegria. Senti
que Ele me
disse:
– Que bom que
veio. Fique!
Eu O olhei e não
consegui saber
se o que acabara
de ouvir era
concreto ou não
passava de mais
uma ilusão dos
meus devaneios
de menino. Se
aquele convite
era pra valer e
o que deveria
fazer para
seguir tal
orientação.
– Orientação,
não. Pedido.
Insistente
pedido! Disse-me
Ele ainda uma
vez.
Insistente
Pedido... Coisa
bonita de se
ouvir. Deus
insistindo para
que eu fique com
Ele. Sou ainda
tão menino que
apenas sei falar
as coisas de
menino!
– Só se deixa
ser menino quem
assim o deseja!
De fato é hora
de crescer!
De novo Ele
falou comigo.
Será que já está
na hora de
deixar os
caminhõezinhos,
as pazinhas que
se usam nas
areias na praia,
os skates que me
levam célere aos
inevitáveis
tombos,
repetidos
tombos? Será que
o menino que
ainda existe é
um menino tardio
que insiste em
brincar de pião
na praça,
bolinhas de gude,
lambiscos
sorrateiros nos
bolos de
chocolates,
postos às mesas
para os festins
que ainda não
começaram?
Amontoados de
beijos na menina
travessa que me
olha de soslaio
e sorri feito
Eva picada pelo
veneno da cobra?
– O que vem
depois do menino
é o moço!
Ele me falou de
novo. O moço!
Que interessante
deve ser
sentir-se como
moço. Estudante,
palestrante,
divagador,
comentador,
cheio de anseios
pelo futuro,
cheio de sonhos,
de Platão –
Sócrates –
Aristóteles -
Descartes – Marx
– Freud – Young,
Voltaire,
Espinosa, o
Sábio de Aquino,
da Cantuária e o
de Hipona...
Hipátia da
Alexandria,
mulher
cientista, a
primeira! Há
tantos que
pensaram
entusiasmados e
que costumam
entusiasmar
mentes juvenis.
Mas, cuidado! Há
jovens que
preferem
caminhos
estranhos,
viagens confusas
que juram ser
venturosas. Há
jovens que não
se prezam, não
se cuidam, não
se amam e se
buscam com
avidez,
expondo-se uns
aos outros para
outros. Todos! E
criam rescaldos
que alimentam
abutres!
– Depois do
jovem virá o
adulto!
Aquela voz
insistia e eu a
ouvia. O adulto.
Ah, que bom deve
ser aparentar um
comendador,
barão, conde,
visconde,
marquês,
duque... Epa!
Não temos mais
monarquia aqui.
Mas temos outros
degraus. Que bom
deve ser
costurar
matérias-primas,
juntá-las,
uni-las,
dar-lhes formas,
conteúdos,
justas
aplicações. Que
bom deve ser
comercializá-las.
Que bom deve ser
consertar
dentes, corpos,
construir
prédios –
defender,
acusar,
arbitrar!...
– Depois do
adulto vem a
senectude!
Ah, velhice!
Quanta
sabedoria...
Será? O que deve
pensar um idoso
enquanto caminha
lento pela
praia, praça,
jardins...
Enquanto viaja
também pela
viagem que fiz
ou como Einstein
que viajou pleno
e feliz ao lado
da luz, para
melhor
conhecê-la e
senti-la! Um dia
a morte vai
chegar, deve
pensar ele.
Estarei pronto
para ela? Deve
se perguntar.
Ah, qual nada!
Depois da morte
vem a vida,
outra vida,
muitas vidas e
lá vou eu de
novo do menino
para o jovem, do
jovem para o
adulto e de novo
para o velho,
morrendo,
renascendo. Isto
não tem fim!
Olhei para Deus
que insistia em
brilhar dentro
de mim e falei
para Ele:
– Obrigado por
nos fazer assim.
Meninos, jovens,
adultos, velhos
– Meninos,
jovens, adultos,
velhos...
– Que sejam
estes momentos
enredos
definitivos para
deixar que Eu me
faça em você,
por você!
Respondeu-me
Deus.
Já era hora de
voltar. Retornei
à minha casa
comum no mundo
comum e vi que
ele é tão
pequeno, tão
ainda confuso e
jurei para mim
que em breve o
deixaria e
visitaria outros
mundos. Deixaria
de ser menino,
passaria rápido
pelo jovem,
aproveitando seu
vigor e me
aninharia no
adulto, mesmo
tendo apenas
poucos anos. Ser
adulto é questão
do Espírito, não
do corpo. Olhei
lá na frente,
num futuro
distante,
procurando o
velho e não o
encontrei. Vi o
jovem qual
Príncipe do
grande Reino de
Deus. Então
entendi Sua
insistência por
mim. Noutra
viagem eu de
novo O vi. Era
claro, brilhava
feito mil sóis e
eu me entendi
com Ele, para
sempre, sem ser
menino, jovem ou
adulto, muito
menos velho. Um
ser perene
transmutando ora
numa forma, ora
noutra, num
constante
crescer. Num
constante ser
bom, ser belo,
ser puro, ser
cristo!