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Crônicas e Artigos

Ano 9 - N° 448 - 17 de Janeiro de 2016

IVAN FRANZOLIM
franzolim@gmail.com
São Paulo, SP (Brasil)

 

 


O conhecimento espírita
pode mudar?


Uma doutrina organizada há mais 150 anos, cujo conhecimento se interconecta com todas as ciências e filosofias, certamente tem pontos a serem atualizados.

O Espiritismo é, ou deveria ser, uma doutrina com um conjunto de conhecimentos em constante crescimento, complementação e modificação, uma vez que é muito abrangente, penetrando todos os campos do saber humano, não nasceu completa e é baseada na Lei de Evolução. Veja alguns exemplos da abordagem de Kardec sobre esse assunto (grifos meus):

Caminhando de par com o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrassem estar em erro acerca de um ponto qualquer, ele se modificaria nesse ponto. Se uma verdade nova se revelar, ele a aceitará.  A Gênese, Capítulo I, item 55.

Os Espíritos propõem, mas os homens concorrem com o seu raciocínio e seu critério, tudo submetem ao cadinho da lógica e do bom senso. Isto é, o homem se beneficia dos conhecimentos especiais que os Espíritos dispõem pela posição em que se acham, sem abdicar do uso da própria razão. A Gênese, Capítulo 1, item 57.

 (...) porque a doutrina não foi ditada completa, nem imposta à crença cega; porque é deduzida pelo trabalho do homem, da observação aos fatos que os Espíritos lhe põem sob os olhos e das instruções que lhe dão, instruções que ele estuda, comenta, compara, a fim de tirar ele próprio as ilações e aplicações. A Gênese, Capítulo 1, item 138.

A verdade absoluta é eterna e, por isso mesmo, invariável. Mas, quem poderá lisonjear-se de possuí-la toda? No estado de imperfeição em que se acham os nossos conhecimentos, o que hoje nos parece falso pode amanhã ser reconhecido como verdadeiro, em consequência da descoberta de novas leis, e isso tanto na ordem moral, quanto na ordem física. Contra essa even­tualidade, a Doutrina nunca deverá estar desprevenida. O princípio progressivo, que ela inscreve no seu código, será a salvaguarda da sua perenidade e a sua unidade se manterá, exatamente porque ela não assenta no princípio da imobilidade. Obras Póstumas, Capítulo 90.

A grande dificuldade que o movimento espírita ainda não conseguiu transpor foi encontrar os critérios justos e eficazes que possam garantir o verdadeiro crescimento epistemológico da doutrina sem incorrer no seu desvirtuamento. Kardec apontou para o critério do controle universal dando ênfase na obtenção da concordância da maioria dos Espíritos fidedignos por meio da igualmente maioria de médiuns confiáveis. Contudo, o enriquecimento doutrinário pode e deve ocorrer também por meios dos espíritas que estudam seus conhecimentos e das ciências que diariamente descobrem coisas novas.

Introduzir mudanças a partir de descobertas científicas, sempre comprováveis, parece ser o meio mais seguro de avançar. Produzir alterações em razão da opinião de alguns espíritas ou médiuns é um grande risco, a não ser que fossem oferecidas teses para debate público, semelhantes às científicas, cuja aceitação é baseada na lógica e na precisão dos argumentos, o que até hoje não ocorreu. Os novidadeiros apresentam suas mudanças, não como propostas, mas como verdades que devem ser aceitas e não discutidas.

Alterações nos alicerces da filosofia espírita, nas suas definições, conceitos, premissas, proposições, conclusões, são muito delicadas, pois a mudança de um item ou aspecto pode afetar outros e o resultado final correrá o risco de comprometer a doutrina.

Torna-se mais fácil e corre-se menor risco se as possíveis atualizações ocorram no campo das informações sem vinculação significativa, dos exemplos, das mensagens dos Espíritos e das ideias acessórias.

Aproveito esse artigo para apresentar uma proposta de atualizar um pequeno ponto da Doutrina Espírita.

Atualmente a ciência comprova que a dieta vegetariana equilibrada é até mais saudável que uma dieta carregada em carnes, além de ser ecológica e economicamente mais adequada visando à sustentabilidade do planeta. Eu, por exemplo, sou vegetariano há 33 anos e nunca tive problemas de saúde decorrentes dessa dieta, assim como milhões de pessoas no mundo.

Entretanto, há um século e meio, o entendimento da ciência era outro e O Livro dos Espíritos (Kardec: 1857) registra a pergunta e a resposta sobre o assunto (grifos meus):

723. A alimentação animal, para o homem, é contrária à lei natural? – Na vossa constituição física, a carne nutre a carne, pois do contrário o homem perece. A lei de conservação impõe ao homem o dever de conservar as suas energias e a sua saúde, para poder cumprir a lei do trabalho. Ele deve alimentar-se, portanto, segundo o exige a sua organização.

Hoje em dia, baseados na ciência, temos condição de afirmar que o homem não perece com a dieta vegetariana e que ela conserva suas energias e saúde. Mais ainda, que essa dieta atende melhor as necessidades da população, que é seis vezes maior que na época de Kardec. Portanto, o homem pode excluir todas as carnes do seu cardápio e se conservar tão ou mais saudável do que aqueles que mantêm dietas onívoras.

Vale lembrar que as descobertas da ciência nos permitem hoje conservar melhor as frutas, verduras, legumes e cereais, distribuindo-as por longas distâncias, atendendo lugares que no passado não teriam acesso a esses alimentos.

Isso sem abordar temas como a Lei de Evolução que pressupõe um progresso também no tipo de alimentos que escolhemos para nos alimentar, e da Lei de Amor que deveria ser igualmente estendida aos animais.

Assim, essa proposta compreende acrescentar uma simples nota explicativa junto à pergunta 723 de O Livro dos Espíritos, informando que atualmente é comprovado que o ser humano pode ter uma dieta vegetariana saudável e que isso é uma resolução pessoal de cada um.

Outros pontos aguardam a introdução de notas nos livros da codificação. Afinal, muita coisa mudou na física, astronomia, biologia, química, psicologia, medicina e em todas as ciências. O leitor de Kardec se deparando com uma afirmação inverídica pode ser levado a desmerecer o conjunto. Por outro lado, esse mesmo leitor também pode com um mínimo de boa vontade e discernimento entender a época em que o texto foi publicado.

Uma atualização dessa ordem então se resumiria a uma simples nota de rodapé. Seria tão simples assim? Parece que não. Um texto pode ser elaborado de várias formas podendo induzir os leitores a interpretações diversas.

A escolha das notas e a elaboração dos textos deve ser atribuição de quem? Provavelmente de um conjunto de pessoas e instituições espíritas representativas, mesmo assim, as notas selecionadas e seus textos certamente apresentarão os traços das crenças e ideologias predominantes desse grupo. Deixar então que cada editora faça suas próprias notas? Melhor guardar minha proposta no arquivo para rever no futuro.

 


 


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 Revista Semanal de Divulgação Espírita