Maria Solidária, a
dádiva
e o egoísmo
Uma das mais belas
canções do artista
mineiro Beto Guedes, na
composição do saudoso
Fernando Brant e do
Mestre Milton
Nascimento, e que teve
também outras belas
interpretações, “Maria
Solidária” narra em
fragmentos a história de
uma mulher que com muito
carinho e amor ajuda as
pessoas de sua
comunidade, mesmo que
com palavras apenas,
sendo ela uma referência
na resolução de
problemas cotidianos. Um
tipo que guardamos
vários exemplos na
memória.
Nesse mesmo naipe, nos
recordamos das pesquisas
do sociólogo Francês
Marcel Mauss que, após
estudar as tribos da
polinésia, publicou nos
idos de 1925 o texto “Ensaio
sobre a dádiva: forma e
razão da troca nas
sociedades arcaicas”,
obra durante longo tempo
desconhecida e que foi
recentemente
redescoberta, trazendo a
força da vida em
comunidade, que
flui em um rio de
relações,
na qual se dá e se
recebe, mas sem se
monetarizar essas
relações, buscando a
sustentabilidade no
tecido social, por conta
de uma colaboração
mútua, de se estender a
mão ao irmão.
Essa descoberta do
outro, a percepção da
interdependência dos
seres vivos habitantes
do planeta, em um
“holo-paradigma” da
existência, já cantada
por Jesus no “amai-vos
uns aos outros”, por
Francisco de Assis em
sua integração com a
criação, por Kardec no
“Fora da caridade não há
salvação”, e por tantos
outros filósofos,
políticos e religiosos,
nos faz entender que na
existência não nos vemos
solitários e sim
solidários, dependendo
uns dos outros, e que a
providência divina
utiliza a nós mesmos
para promover o bem
comum.
Se chove lá, se tem
crime acolá, se outros
ficam doentes mais
adiante, isso nos
interessa. O que ocorre
no mundo é da nossa
alçada. A varíola só foi
erradicada quando os
países mais
desenvolvidos entenderam
a necessidade de se
atuar nos países em
desenvolvimento. Na
fieira das encarnações,
essa verdade se faz mais
cristalina, imersos em
uma rede de Espíritos
que se alternam no mundo
de cá e de lá. Todos,
cordeiros do rebanho do
Senhor da vida.
Em tempos de um egoísmo
latente, da banalização
da dor do outro, da
individualização das
casamatas
em que nos encastelamos,
vendo o mundo mediado
por aparelhos
eletrônicos, em um
desenho no qual a
competitividade faz de
nossa vida um culto ao
“eu” e aos “meus”,
importa uma reflexão
sobre nossa pequenez
nesse intrincado mundo
das relações.
Cada vez que nos vemos
atemorizados ante os
riscos da vida, a cada
momento de sucesso
passageiro, a cada vez
que nos vemos envoltos
na solidão, esquecemos
essa teia de relações e
nos albergamos no
egoísmo, como se isso
fosse o suficiente,
revelando-se uma fuga do
mundo real, vencidos
pelo medo, pela decepção
e pela desconfiança. O
egoísmo é pai da
violência, em todas as
suas formas, simbólicas
ou não!
Basta ler os jornais,
ver os comentários nos
blogs e as notícias, e
saberemos bem do que se
trata... Como meninos
assustados, nos
escudamos em nossos
brinquedos e esquecemos
que assim como o
egocentrismo é a marca
da infância, o egoísmo é
uma característica da
imaturidade espiritual e
que se faz necessário
romper essa barreira
para avançarmos. Não
adianta olhar somente
para si. O foco é em
frente, percebendo quem
vem ao seu lado.
Os Espíritos são claros
nas mensagens a Kardec
no Evangelho (Cap. 11),
indicando que para que
nos amássemos reciprocamente,
seria necessário que
livrássemos o nosso
coração dessa couraça
que o envolve, a fim de
torná-lo mais sensível
ao sofrimento do
próximo. Para isso
converge – ou deveria –
toda a prática espírita:
o estudo, a reunião
mediúnica, a
assistência. O Nazareno
disse que seus
discípulos serão
reconhecidos por muito
se amarem!
Pequenas doações, um
sorriso, uma gentileza,
um esforço para
desembaraçar situações.
Pequenas dádivas que por
vezes estão ao nosso
alcance e não
percebemos, nos
recusando a ser
solidários, a ajudar. A
abnegação é uma virtude
tonificadora de nossas
relações e a
sustentabilidade não vem
do utilitarismo e do
egoísmo e sim do
interesse de ficarmos
todos bem, com pequenos
sacrifícios aqui e ali,
que são recompensados
diariamente pela
misericórdia divina, que
derrama um rio de
bênçãos em nossas vidas,
ainda que insistamos,
por vezes, em não
enxergar.