IVOMAR SCHÜLER
DA COSTA
ivomarcosta@gmail.com
Curitiba, PR
(Brasil)
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A
caridade
é inata
ou
adquirida?
A
pergunta
colocada
como
título
nos
induz a
pensar
que a
caridade
só pode
ser
inata ou
adquirida;
uma
coisa ou
outra.
Será que
esta
disjunção
é real?
Duas
teses
muito
importantes
são
confrontadas,
a do
inatismo
ou
nativismo
e a do
aquisitivismo
ou
empirismo.
Porém,
antes de
respondermos
a
questão
colocada
se faz
necessário
esclarecer
o
significado
de
“inato”
e
“adquirido”.
Inato é
considerado
todo o
conteúdo
que
nasce
com a
pessoa e
é
independente
do que
ela
experimentou,
percebeu
ou
adquiriu
após o
seu
nascimento.
Se uma
pessoa é
portadora
de uma
pré-disposição
ou de
uma
capacidade
qualquer
desde a
mais
tenra
idade,
comumente
se diz
que
aquilo é
inato. O
que é
inato
também é
chamado
de
congênito
ou de
congenial.
Platão,
por
exemplo,
afirmava
que
todos os
seres
humanos
nascem
com a
faculdade
da razão
e
portando
as
“ideias
verdadeiras”,
senão
não
poderíamos
distinguir
o
verdadeiro
do
falso.
Descartes
concordava
com
Platão.
Já
“adquirida”
significa
que a
pessoa,
em algum
momento
da sua
vida, ou
no
decorrer
dela,
conquistou
uma
determinada
faculdade
ou
capacidade
que não
possuía
antes,
ao
nascer,
por meio
das suas
experiências
pessoais.
John
Locke e
David
Hume
eram
defensores
do
empirismo.
Para o
tema da
caridade
que
exploramos
agora é
muito
importante
que se
resolva
esta
questão,
em vista
de que,
conforme
a
solução
apontada,
caminhos
diferentes
podem
ser
adotados
com
consequências
também
diferentes.
Se
entendermos
que a
caridade
é inata
então
estaremos
admitindo
que o
ser
humano
não
necessita
esforçar-se
para
desenvolver
esta
virtude,
porquanto
os
caridosos
teriam
se
beneficiado
do
acaso,
ou de
uma
suposta
predileção
divina
que
escolheu
alguns e
não
escolheu
o
restante
para
receber
o
benefício
de ser
portador
desta
virtude.
Por
outro
lado, se
admitirmos
a tese
de que a
caridade
é uma
virtude
adquirida
estaremos
aceitando
que ele
deve se
esforçar
para
conquistá-la.
Muitas
outras
questões
secundárias,
embora
não
menos
importantes,
se
colocam,
por
exemplo:
de onde,
quando,
de quem
e por
quais
meios o
ser
humano
adquire
a
caridade?
Se ela
pode ser
adquirida,
então
pode ser
ensinada
e
aprendida?
Para que
resolvamos
esta
questão,
necessário
se torna
olhar o
tema sob
uma
perspectiva
espírita,
o que
quer
dizer,
não
contemplando
a vida
apenas
enquanto
encarnados.
Podemos
afirmar
com base
na
Doutrina
Espírita,
primeiramente,
que um
Espírito
pode
trazer
consigo,
quando
encarna,
virtudes
desenvolvidas
no seu
mais
alto
grau,
desde
que já
tenha
realizado
progressos
em
encarnações
anteriores.
Porém,
neste
caso, o
termo
“inato”
refere-se
apenas
àquela
encarnação
que está
sendo
considerada.
Para
sermos
exatos,
nenhum
Espírito
tem a
“caridade
completa”
inata
desde a
sua
criação.
O que
ele tem
desde a
sua
criação
é
determinadas
potencialidades
que
possibilitarão
o
desenvolvimento
de
virtudes,
entre
elas a
caridade.
Portanto,
são
estas
potencialidades
que se
realizam
através
de
inúmeras
encarnações
e, dessa
forma,
em cada
uma
delas
pode ser
considerado
que traz
inata a
caridade.
Para
explicar
esta
segunda
tese nos
valemos
da
profunda
interpretação
de Ney
Lobo. Em
uma das
suas
obras[1]
ele
esclarece
os
pontos
onde a
Doutrina
fixa o
inatismo
como
potencialidade
do
Espírito,
recorrendo
ao O
Evangelho
segundo
o
Espiritismo:
“Os
instintos
são a
germinação
e os
embriões
do
sentimento;
trazem o
progresso
como
a glande
encerra
em si o
carvalho
e os
seres
menos
adiantados
são os
que,
emergindo
pouco a
pouco
das suas
crisálidas,
se
conservam
escravizados
aos
instintos”
[2].
Em
filosofia,
a
virtude
desenvolvida
no mais
alto
grau é
denominada
perfeição.
Perfeito
é aquilo
que está
pronto,
acabado;
mas
também
pode ser
entendido
como
algo que
atingiu
o mais
alto
grau
dentro
do seu
gênero.
Ney Lobo
explica
que
todas as
perfeições
estão
dentro
de nós,
porém em
estado
potencial,
latente,
quer
dizer,
ainda
não
plenamente
realizado.
Assim,
essas
perfeições
em
estado
potencial
são
representadas
nas
mensagens
d’O
Evangelho
segundo
o
Espiritismo,
nas
imagens
de
embriões,
de
germens,
crisálidas,
bem como
o
processo
de
realização
(atualização)
nas
expressões
“germinação
dos
sentimentos”,
“progresso”
e
“emergindo
pouco a
pouco”.
Aduzindo
mais uma
prova
doutrinária
das
perfeições
existentes
no
Espírito,
a estas
apresentadas
pelo
eminente
filósofo
espírita,
apresentamos
a
seguinte
afirmativa:
“O
amor é
de
essência
divina e
todos
vós,
do
primeiro
ao
último,
tendes,
no fundo
do
coração,
a
centelha
desse
fogo
sagrado”.[3]
Observemos
que a
centelha
não é
ainda a
chama,
mas a
simples
possibilidade
de
tornar-se
uma
chama.
Por
analogia,
o amor é
apenas
uma
centelha,
uma
faísca,
uma
possibilidade
que
precisa
ser
alimentada
para
tornar-se
algo
maior,
completa.
Entendemos,
então,
que as
perfeições
são
inatas
ao
Espírito,
porém em
estado
latente,
à espera
dos
esforços
deles
para que
as
tornem
plenas
em suas
vidas.
Provado
doutrinariamente
que a
caridade
é inata
em
estado
potencial,
mas
contendo
em si a
capacidade
de
realizar-se,
resta-nos
provar
pelos
mesmos
meios a
tese
aquisitiva
da
caridade.
Ora, não
precisamos
buscar
muito
longe
tais
provas,
eis que
elas se
encontram
nestas
mesmas
afirmações
evangélicas.
Sabemos
agora
que há
um
processo
de
passagem
de um
estado a
outro.
Entretanto,
levanta-se
uma
dúvida:
esse
processo
de
desenvolvimento
se dá
por uma
força
intrínseca,
sem a
necessidade
de que
fatores
externos
a
provoquem?
Ou tais
fatores
extrínsecos
são
imprescindíveis?
Vimos
que as
expressões
“germinação
dos
sentimentos”,
“progresso”
e
“emergindo
pouco a
pouco”
indicam
um
processo
de
desenvolvimento.
Então,
efetivamente,
a
“caridade
em
potencial”
se torna
“caridade
em ato”,
ou seja,
muda de
estado,
por meio
de um
movimento.
Mas se
há
movimento
tem de
haver
algo que
o
impulsione,
que o
provoque,
que
desperte
essa
“caridade
em
potencial”
e a
conduza
à sua
plenitude.
Recorrendo
mais uma
vez às
lições
dos
Espíritos,
vemos
que eles
nos
dizem
que
“O
Espírito
precisa
ser
cultivado,
como um
campo”
[4].
Assim, o
Espírito
assemelha-se
a um
campo.
Todo
campo,
para se
tornar
produtivo
precisa
ser
cultivado.
O
cultivo
é um
processo
que
abrange,
desde a
limpeza
do
campo, a
aragem
da
terra, a
adubação,
a
escolha
e o
plantio
das
sementes,
a
influência
dos
fatores
climáticos,
até a
colheita
dos
frutos.
Interessante
notar
que
pelos
conhecimentos
agronômicos
de que
se
dispõe
atualmente,
sabe-se
que
mesmo
terrenos
desérticos
são
capazes
de algum
tipo de
produção.
Embora
não
percebamos,
mesmo os
desertos
são
ricos em
vida;
existem
neles
complexos
sistemas
ecológicos
que
florescem
abundantemente
quando
recebem
tratamento
adequado.
Portanto,
o
Espírito
necessita
sofrer a
ação de
fatores
extrínsecos
para
frutificar,
entre
eles um
fator
eficiente,
aquele
que
executa
a ação.
Todavia,
não
podemos
esquecer
que o
Espírito
não é um
ser
inconsciente,
que
reage
mecanicamente
às ações
das
quais é
paciente.
Como ser
dotado
de
consciência,
o
Espírito
tanto
pode ser
o agente
sobre si
mesmo
quanto
pode
sofrer
as ações
de
outros
agentes
ou
fatores.
A ação
do
Espírito
sobre
ele
mesmo
está
evidenciada
nesta
afirmação
“[...]
os
seres
menos
adiantados
são os
que,
emergindo
pouco a
pouco
das suas
crisálidas,
se
conservam
escravizados
aos
instintos”
[5].
Estes
seres
são os
Espíritos
que não
desenvolvem
as suas
perfeições
em
estado
potencial.
A
expressão
“emergir
gradualmente
das suas
crisálidas”
indica a
semelhança
com um
processo
biológico
intrínseco
bem
conhecido.
Contudo,
a
expressão
“conservar-se
escravizado
aos
instintos”
indica
uma ação
que
depende
da
vontade
do
Espírito,
portanto
uma ação
reflexiva.
Se ele
se
conserva
escravizado
é por
que
assim o
deseja.
Caso os
Espíritos
quisessem
dizer
que o
Espírito
está
nessa
situação
devido a
fatores
externos
a ele,
teriam
usado,
por
exemplo,
a
expressão
“são
mantidos,
ou são
conservados
escravizados
aos
instintos”.
Conclui-se
que a
caridade
pode ser
adquirida,
e a
força
que
produz o
desenvolvimento
da
“caridade
em
potencial”
para
tornar-se
“caridade
em ato”
tanto
pode ser
intrínseca
como
extrínseca.
Para
finalizar,
podemos
colocar
as duas
teses
sob
quatro
modos
lógicos
diferentes:
conjuntivamente,
ao dizer
que a
caridade
é inata
e
adquirida;
disjuntivamente,
ao
afirmar
uma e
negar a
outra,
quer
dizer,
somente
uma
delas
sendo
verdadeira;
condicionalmente,
ao
afirmar
que uma
se daria
somente
se a
outra
estivesse
presente,
na forma
“Se x,
então
y”;
bi-condicionalmente,
isto é,
“x causa
y e y
causa x”
reciprocamente.
Em
decorrência
de tudo
que foi
exposto,
notemos
que o
Espiritismo
realiza
uma
síntese
entre as
teses do
inatismo
e do
aquisitivismo,
pois
afirma
que
todas as
perfeições
em
potencial
são
inatas
no
Espírito,
mas cabe
a ele
desenvolvê-las
por
aquisição,
isto é,
aprendendo,
até
torná-las
plenas,
realizadas.
Portanto,
podemos
dizer
que a
resposta
é que a
caridade
é inata
e
adquirida,
mas
também
que ela
somente
pode ser
“adquirida”,
entenda-se,
aprendida,
despertada
tanto
por
fatores
internos
quanto
externos,
porque
está em
potencial
no âmago
do
Espírito,
o que
confirma
o modo
condicional:
a
caridade
pode
atingir
o estado
de
completude
por meio
de
aquisição,
ou
aprendizado,
se ela
existe
no
estado
potencial
no
Espírito.
Ora, a
síntese
realizada
pela
Doutrina
Espírita
somente
é
possível
porque
para ela
o
espírito
atua em
conjunto
com o
corpo
para a
evolução
do
Espírito.
Este
traz as
potencialidades
que
serão
desenvolvidas
com a
contribuição
das
experiências
sensíveis
e
perceptíveis
do corpo
durante
a
encarnação.
Mas só
pode ser
desenvolvido
o que já
existe.
[1] LOBO, Ney. Espiritismo e Educação. 1ª Ed. Fundação Espírito-Santense de Pesquisa Espírita. 1995. Vitória, ES.
[2] KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Cap. XI. Item 8, parágrafo terceiro.
[3] KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Cap. XI. Item 9, parágrafo primeiro.
[4] KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Cap. XI. Item 8, parágrafo terceiro.
[5] KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Cap. XI. Item 8, parágrafo terceiro.