Tolerância é uma palavra
feia
Tolerância é uma palavra
feia... Lembra algo do
tipo “aceito porque
não tem jeito, né”.
Prefiro a palavra
respeito, que lembra
convivência pacífica e
compreensão da
pluralidade, como é a
nossa sociedade, de
pessoas, povos e ideias
diferentes. Basta
olharmos o mundo e a
história dos homens
encarnados e veremos
isso. Jesus, em sua
mensagem, pregava o
amor, o sentimento mais
universalizante
possível, pois é
acessível a todos em
todas as eras, sem
segregações.
De forma depressiva
termina o mês de janeiro
de 2016, em pleno Século
XXI, com o homem
pensando em colonizar
Marte, pois presenciamos
no Jornal o incêndio com
indícios criminosos em
mais uma Casa espírita,
agora em uma área
carente de Sobradinho,
na Capital federal. Não
se trata de fato
isolado, com reportes de
ocorrências recentes,
envolvendo espíritas e
nossos irmãos de cultos
afro-brasileiros,
relembrando os tempos
pouco democráticos na
história de nosso país,
na qual espíritas tinham
suas reuniões
monitoradas e eram
fichados na polícia.
Pergunto a mim mesmo se
alguém acha que
numericamente ou
ideologicamente
pertencemos, como
espíritas, a alguma
crença hegemônica?
Kardec foi um
contestador de
paradigmas vigentes!
Não alimentemos essa
doce ilusão. Da caixinha
que sai essa chamada
intolerância religiosa,
brotam as agressões de
cunho racial, a
violência por conta de
orientação sexual, os
linchamentos, a
invisibilidade dos
deficientes, os
preconceitos de classe
social, as piadas de
aparência, o
antissemitismo e toda
sorte de manifestações
que nos afastam do
sentimento humanista e
de fraternidade
universal, que anda
ladeado com a ideia de
pluralidade e respeito.
Mais que tolerar,
respeitar é um ato de
amor.
Para entender esse
cenário, precisamos
mergulhar no pandemônio
em que nos vemos
inseridos atualmente.
Vivemos em um período
recente de pluralização
do acesso a informação e
mais, dos produtores de
conteúdo, em um mundo
que viveu algumas
décadas de relativa
estabilidade e de
acréscimo de consumo às
vidas cotidianas, após
as tensões de conflitos
e da guerra fria. No
início de 2010, com
acenos de crises
mundiais e arranjos
geopolíticos, o mundo
começou a se agitar de
novo, como épocas que
havíamos esquecido.
Essa agitação, seguida
de um clima de liberdade
no chamado
pós-modernismo, no qual
crenças e hábitos são
rapidamente
desconstituídos, em um
mundo que se torna
irreconhecível em menos
de uma geração, gerou
nas pessoas o medo, um
pai zeloso do ódio.
Surgem agitações, ao som
de pandeiros, na busca
por direitos, na
contestação frente a
dificuldades e
problemas, como é
habitual da vida
política, e toda essa
agitação movimenta
energias, de cá e de lá,
causando choques,
bandeiras e manipulação,
em jogos de manutenção
de poder, de luta por
mudanças, apimentados
pela falta de confiança
no homem, santo de pé de
barro que vê seu lado
pior mostrado nos shows
dos telejornais.
Nesse contexto de medo e
de desconfiança, emergem
da carteira das soluções
imediatas movimentos
ligados à chamada pauta
conservadora, na qual
essa profusão anterior
de mudanças e quebra de
paradigmas é vista como
ofensa à ordem
estabelecida,
personificando grupos e
pessoas como causa de
nossas mazelas, de um
mundo que adolesce e não
se entende em conflito.
Daí materializam-se
cenas de ódio e agressão
no cotidiano, temperados
pela facilidade das
chamadas redes sociais,
em ações orquestradas e
conexas, ainda que
oriundas de diferentes
agentes.
Confundimos meritocracia
com falta de compaixão,
justiça com ódio,
diferenças com ofensa,
colhendo as fraturas da
globalização que foi
mais econômica do que
cultural. Com isso
abrem-se caixas de
pandora, que espalham a
loucura em nossas
manchetes, com a
paranoia e a síndrome de
perseguição alimentando
relações desumanizadas,
em explosões de ódio,
tiros e surras.
Por isso, não nos
espantemos com a
agressão a grupos de
religiões minoritárias
como a nossa. Não
fiquemos estarrecidos
por esse sentimento
antipan-religioso que
domina as pessoas, pois
dentro desse contexto é
plenamente explicável o
que está acontecendo. É
tudo uma decorrência de
uma grande agitação,
desse grande pandemônio,
que não se restringe ao
Brasil e que vem sendo
gestado por força das
nossas imperfeições e de
interesses de toda
natureza.
O falso moralismo, a
hipocrisia, a forma
sobre o conteúdo, o
burocratismo, a
opressão, a busca do
discurso em relação à
ação, apresentam-se
todos esses como porto
seguro diante deste
mundo em mudança
acentuada e visível.
Buscamos um inimigo, um
lúcifer para descarregar
nossas mazelas de
espírito encarnado, como
um narciso cego, que se
admira e se oculta e que
rechaça tudo aquilo que
é diferente ou que não
entende.
Diante dessa agitação,
dessas guerras santas,
vale relembrar a lição
evangélica da outra face
e do amor que cobre a
multidão de pecados.
Insta a nós espíritas
não jogarmos mais
querosene nesse
incêndio, personificando
situações na
multiplicação do ódio.
Para curar o ódio, só o
amor e seus irmãos, o
respeito e a
compreensão.
Nós nos pautamos por um
pedagogo que teve seus
livros queimados e por
um crucificado, e como
espíritas já fomos
xingados, objeto de
piadas e somente em
tempos recentes passamos
a ser vistos com outros
olhos nas falas,
figurando em telenovelas
com destaque.
Não caiamos nas balelas
de coisas sagradas ou
povos eleitos, pois,
como disse Léon Denis,
o Espiritismo será a
religião do futuro ou o
futuro das religiões, ou
seja, influenciaremos
positivamente a religião
e para isso não
precisamos entrar em
disputas por espaços
políticos ou na sanha de
obter adeptos pelo
proselitismo.
Esse frenesi deve ser
olhado por espíritas
como espíritas, com a
nossa fé raciocinada,
percebendo que postura
nos é demandada nesse
momento. Queremos
o incentivo à
intolerância ou o
cultivo, de forma
integral em nossa vida,
ao respeito? A religião,
na sua prática atual,
necessita dar as mãos ao
humanismo.