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Crônicas e Artigos

Ano 9 - N° 456 - 13 de Março de 2016

CHRISTINA NUNES
meridius@superig.com.br
Rio de Janeiro, RJ (Brasil)

 

 

O álibi do merecimento


Usualmente não compartilho pelo Facebook, ou em outras redes sociais, imagens ou textos aleatórios sobre violência, na disseminação proposital de energias perniciosas, sob o pretexto, por vezes desnecessário, de se alardear para auxiliar a corrigir. Com o advento do telefone celular, autêntico computador miniaturizado com recursos de vídeo e fotografia, como no caso do popular smartphone, e de tantos outros meios oferecidos pela própria internet, existem outras alternativas de ajuda. E nossas páginas se tornariam em autêntica sucursal do inferno se, a todo momento, nos puséssemos a publicar e alardear gratuitamente brutalidade e mídias que retratam cenas de crueldade mórbida.

Abri uma exceção hoje. O caso revoltante de uma menina negra, notadamente moradora de alguma região carente do Brasil, dado o que o vídeo nos permite entrever. Portadora de Síndrome de Down, segundo informação na própria postagem, e estupidamente espancada diante de cerca de uma dezena de pessoas inacreditáveis que, para além de se divertir e filmar, nada fizeram para conter a mostra de selvageria.

Neste caso, portanto, compartilhei, e solicitei divulgação na tentativa de que se alcance a imprensa e as autoridades! Por duas razões justas.

Por qual motivo assistimos apenas, na maioria das vezes, nas imagens da imprensa televisiva ou escrita, somente campanhas – diga-se, louváveis! – sobre os Down, exibindo crianças brancas, ou, quando não, de boa condição social, com pais esclarecidos o suficiente para valorizarem esses filhos como se deve, encaminhando-os aos canais adequados de desenvolvimento na sua interatividade social?

A menina sendo martirizada nas imagens exibidas no vídeo curto do Facebook, bem provavelmente vem sofrendo maus tratos durante um tempo já extenso. Deve contar, quando muito, dezoito ou dezenove anos. E por qual razão ninguém ligado aos serviços sociais de comunidades pobres a auxiliou, e à família, de maneira a prevenir que tais abusos inadmissíveis não acontecessem?

A segunda razão, a considero mais grave – e falo de dentro do âmbito daqueles que seguem ou simpatizam com o aprendizado Espírita!

Já é passada a hora, meus amigos, de se compreender melhor os postulados do Pentateuco, e mesmo os desdobramentos doutrinários contidos em vertentes semelhantes do Espiritualismo amplamente disseminado nos dias de hoje, para o nosso progresso íntimo – e dar um basta na utilização insidiosa da temática do merecimento, a que reiteradamente se recorre como álibi para não se auxiliar ninguém em nada!

Vendo a cena estupidificante assistida há pouco, muitos torceriam a boca de lado e protestariam: “– Ah, mas se está passando por isso, é merecimento, alguma fez”!...

Dias atrás, vi na internet uma entrevista emocionante com o confrade Alamar Regis Carvalho, na sua luta contra o câncer. E foi bem nela que ele abordou brilhantemente esta temática, referindo-se, inclusive, à própria lei natural da desencarnação e reencarnação. Falava sobre os comentários tecidos a respeito do seu merecimento ou desmerecimento na cura, e a permanecer reencarnado, e, bem-humorado, aludiu, mais ou menos nestes termos, mas o sentido era bem esse:

– Mas quem falou que se recuperar e permanecer reencarnado tem a ver exatamente com merecimento? Precisava que a desencarnação fosse sempre uma grande desventura, para se considerar desse jeito! Às vezes, continuar reencarnado é justamente a desventura!...

A questão do merecimento, portanto, e fora de dúvidas, é grandemente mal interpretada no meio espírita, e em inúmeros outros contextos. Pior! Usada desastradamente como pretexto para a comodidade de nada se fazer em favor do próximo!

Se essa diretriz de pensamento prevalecer, meus amigos, todo espírita estará perdido! E não importará se dirigente de tribuna, frequentador de Centro, candidato às benesses das colônias espirituais de luz a que se julga já ter merecimento – não importa!

Alegar esta falácia para não tentar, pelo menos, minimizar o infortúnio do próximo a cada oportunidade que se nos apresenta, sinaliza, antes, falência crassa de ordem espiritual e evolutiva, e, para se compreender isso, basta simples exercício de raciocínio, imaginando-se nalguma situação semelhante à do sofrimento alheio diante de alguém – e, sobretudo, diante de um “espírita”! – que alega não ajudá-lo porque, provavelmente, está passando isso por causa do seu “carma”!

Você, na certa, merece, porque deve ter feito isso e isso e aquilo na vida passada! Portanto, vire-se, e não venha aqui me chatear!

Pensar desse jeito é imaginar que, em relação aos filhos, por exemplo, a cada má conduta que se exigiria uma advertência, os metêssemos num castigo eterno, a ser purgado até o fim, independendo das novas escolhas do livre-arbítrio ou não. De eles demonstrarem que compreenderam o engano, e exemplificarem, nas atitudes, que corrigiram o seu modo de ser! Um castigo que os situasse muito abaixo da infinita capacidade do Amor de oferecer ao ente querido, ao nosso semelhante, sempre uma chance a mais!

E, num caso como o da mocinha em questão, portadora de necessidades especiais, o que se dizer da ausência da interferência propriamente humana – que já implica no dever de humanidade para com um indivíduo maltratado com crueldade revoltante que lhe explora justamente a incapacidade para se defender?!

Alegar-se carma?! Dívidas de vidas passadas?! Mas, caros leitores, a partir do instante em que nos é oferecida a chance de deparar tal atrocidade, aí está, antes de tudo, a nossa dívida de valor pessoal! Não vem ao caso se se trata, o episódio, de dívida de vida passada ou não, e, menos ainda, de julgamento de valor acerca do merecimento da vítima da crueldade! Pois não nos compete este julgamento!

Compete, sim, por outra, demonstrarmos, neste exato instante, se somos, nós, os merecedores de deparar com esses irmãos em dificuldades, para agir de modo a que se justifique o sermos detentores do conhecimento Espírita! Porque o conhecimento por si só, sem obras que o demonstrem, fica, na sua nascente, falido! 

(...) “A quem muito foi dado, muito será pedido”. – Jesus (Lucas, XII: 47,48).

Ai do mundo, por causa dos escândalos; porque é mister que venham escândalos, mas ai daquele homem por quem o escândalo vier! – Jesus (Mateus, 18).

Para refletir. 

         

 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita