CLAUDIA
GELERNTER
claudiagelernter@icloud.com
Vinhedo, SP
(Brasil)
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A dor da
ingratidão
Vivemos no
planeta Terra, e
isso significa
diversas coisas.
Uma delas é que
temos muitas
mazelas a
resolver.
Mazelas íntimas,
do ego, da
personalidade
transitória.
Alguns Espíritos
comparam os
habitantes da
Terra com
pequenos grãos
de feijão.
Existem uns
maiores, outros
menores. Uns
mais escuros,
outros claros,
alguns furados,
outros feios.
Mas, no final
das contas,
'somos todos
feijões'. Não
estamos muito
distantes uns
dos outros,
embora por vezes
nos sintamos
superiores,
devido a
pequenas ações,
quando, em
verdade, ainda
temos que
batalhar para
sermos
verdadeiramente
melhores - todos
nós.
Em O Livro
dos Espíritos,
aprendemos que
existem três
categorias
principais de
Espíritos, de
acordo com seu
grau de evolução
(moral e
intelectual):
”na última,
aquela que se
encontra na base
da escala, estão
os Espíritos
imperfeitos,
caracterizados
pela
predominância da
matéria sobre o
espírito e pela
propensão ao
mal. Os da
segunda se
caracterizam
pela
predominância do
espírito sobre a
matéria e pelo
desejo de
praticar o bem:
são os Espíritos
bons. A
primeira, enfim,
compreende os
Espíritos puros,
que atingiram o
supremo grau de
perfeição”
(Kardec, 1862).
A má notícia é
que nós
pertencemos
(ainda) à
categoria dos
imperfeitos. Uns
mais, outros
menos, mas todos
imperfeitos.
Entretanto,
também temos
notícia de que a
Terra está
alterando seu
estado, entrando
em nova fase,
chamada de
Regeneração,
onde os
habitantes
tendem mais ao
bem que ao mal.
Daí a
necessidade de
um contínuo
empenho nosso
para que
possamos habitar
um Planeta
melhor, porque
mais justo e
bom.
E dentro desta
“boa batalha”,
chamemos assim –
um dos quesitos
essenciais a
serem
desenvolvidos
chama-se “resiliência”.
Trata-se de um
conceito
sequestrado da
Física, hoje
largamente
utilizado pela
Psicologia e
mesmo pela
Ecologia.
Segundo o
Wikipédia, no
campo da Física,
o termo
resiliência diz
respeito à
"propriedade de
que são dotados
alguns
submateriais, de
acumular
energia, quando
exigidos ou
submetidos a
estresse sem
ocorrer ruptura.
Após a tensão
cessar poderá ou
não haver uma
deformação
residual causada
pela histerese
do material –
como um elástico
ou uma vara de
salto em altura,
que se verga até
um certo limite
sem se quebrar e
depois retorna à
forma original
dissipando a
energia
acumulada e
lançando o
atleta para o
alto”.
Já em
Psicologia,
significa a
capacidade de se
reequilibrar,
após alguma
situação de
angústia, de
conflito
psíquico, seja
causado por
impactos reais
ou imaginários.
Digo imaginários
porque, em
geral,
costumamos
aumentar nosso
sofrimento para
além do
necessário, com
fantasmas
puramente
emocionais,
medos
irracionais,
porque nascidos
de uma percepção
equivocada sobre
os eventos da
vida.
E, quando
falamos de dores
reais, intensas,
profundas, a
palavra
Ingratidão nos
vem à mente,
quase que
imediatamente.
Não é à toa que
o Espírito Santo
Agostinho, no
capítulo XIV de
O Evangelho
segundo o
Espiritismo,
colocou a
questão da
ingratidão como
ponto nevrálgico
para o coração
humano,
dedicando um
texto inteiro (o
maior do livro,
ditado por um
Espírito,
aliás), para
tratar deste
assunto,
principalmente
com relação aos
filhos. Ditou
ele que "De
todas as provas,
as mais penosas
são as que
afetam o
coração”.
Realmente. E a
ingratidão surge
como um dardo
cheio de veneno,
lançado por
pessoas
geralmente
distraídas de
sua missão
pessoal, de sua
essência
sagrada. São os
cegos
espirituais do
mundo, que não
enxergam o bem
que recebem e
que mais tarde
terão de ser
ensinados pela
Mestra Divina,
chamada Dor.
Mas mantenhamos
o foco naquele
que recebe a
ingratidão como
pagamento de um
bem realizado:
Em verdade,
primeiramente é
preciso recordar
que não existem
vítimas. Se a
prova surge, por
certo é para
buscar as
profundezas
psíquicas do
aprendiz,
avaliando se já
consegue dar
conta de
determinados
desafios. E,
sendo esta uma
enorme demanda
quando falamos
em ego
orgulhoso, será
preciso
desenvolver a
resiliência (que
serve para esta
questão e todas
as outras que
envolvem
desafios
existenciais) –
esta capacidade
de reorganizar o
mundo mental,
mesmo com a
experiência
dolorosa.
Para tanto,
considero três
passos
importantes:
1.
Reconheçamos que
todos somos
imperfeitos: Tal
constatação
produz alívio
imediato em
nosso coração,
pois nos damos
conta de que
também nós
precisamos, com
frequência, do
perdão alheio,
senão do próprio
Pai Celestial,
uma vez que
somos também
ingratos, nas
mais variadas
situações. (Por
exemplo:
raramente
confiamos na
Vida, na
dinâmica da
existência, com
seus altos e
baixos;
raramente
agradecemos pela
proteção diária;
poucos levam em
conta a questão
da
interdependência
planetária,
deixando de
observar certos
cuidados para
com o próximo e
a natureza, de
forma geral,
quando, em
verdade,
deveriam se
comportar de
outra maneira,
demonstrando
gratidão à vida
etc.).
2.
Busquemos
desenvolver a
Compaixão: Jesus
já alertava que
não existe
grande mérito em
sermos bons e
perdoarmos
aqueles que já
são benevolentes
para conosco.
Nesta situação
estamos apenas
realizando uma
troca. Porém,
quando
conseguimos
sentir
verdadeira
compaixão por
aqueles que nada
têm a nos
oferecer ao
coração,
tornamo-nos
realmente
grandes. Henry
Wadsworth
Longfellow certa
vez escreveu que
“se pudéssemos
ler a história
secreta de
nossos inimigos,
encontraríamos
em cada vida
tristeza e
sofrimento
suficientes para
aplacar qualquer
hostilidade de
nossa parte”.
Além disso,
compadecer-se
com os problemas
dos outros não é
ato que se
restringe a
questões
materiais, como,
por exemplo, uma
perda
significativa ou
uma doença
grave, mas
também com
relação a
questões morais.
Nem sempre o
outro compreende
a dinâmica da
vida e o quanto
é bom sermos
bons. Por
ignorância,
erra, vindo mais
tarde a colher
frutos amargos.
Compadecer-se
deste tipo de
semeadura eleva
a alma em
trânsito pela
Terra, denotando
grande
resiliência e
maturidade
espiritual.
Reflete a
capacidade de
sentirmos
empatia, do
quanto já somos
conscientes do
nosso papel e da
necessidade de
combatermos
sofrimentos
voluntários,
através do
equilíbrio
mental,
espiritual,
físico e social.
Estamos,
concomitantemente,
sendo bons para
conosco,
portanto.
3.
Construamos
pontes, sempre
que possível:
Uma comunicação
eficaz busca
soluções e nunca
culpados.
Estejamos em
contato com
nossos
sentimentos,
pois quando
mantemos um
estado de
consciência
interior,
deixamos mais
claro nossos
objetivos
durante um
diálogo. Então,
se queremos
realmente ajudar
um irmão
ingrato, não
será atirando
variadas pedras
verbais ou
mentais, mas
expondo a dor
causada de forma
coerente e
madura. Não
devemos dar
lições de moral
com raiva e, por
outro lado,
devemos manter
fé na justiça.
Não cabe a nós
punirmos os
ingratos. A vida
fará isso, caso
seja necessário.
Por fim, se o
diálogo pessoal
não for
possível, que
ele seja feito
de forma mental,
através de uma
prece ou
irradiações de
amor.
Para melhor
ilustrarmos este
pensamento, vale
recordar um dos
contos de Jataka
[autor de textos
sobre as
possíveis
encarnações de
Buda], chamado
“O Gorila e o
Homem”. Escreveu
ele:
“Certo dia, um
caçador adentrou
a floresta,
perdeu-se e caiu
em um buraco
profundo, do
qual não
conseguia sair.
Ele gritou por
socorro durante
dias, ficando
cada vez mais
faminto e fraco.
Enfim, o gorila
o ouviu e foi
até lá. Ao ver
as paredes
íngremes e
escorregadias da
cavidade. o
gorila disse ao
homem: “Para
tirá-lo daí com
segurança,
primeiro vou
rolar pedras aí
dentro e
praticar com
elas”. O gorila
rolou diversas
pedras para
dentro do
buraco, uma
maior que a
outra, e tirou
todas de lá.
Finalmente
chegara a vez do
homem. Após
subir com
dificuldade,
segurando-se em
rochas e
trepadeiras, ele
tirou o homem de
lá, e, com a
última força que
lhe restava,
saiu do buraco.
O homem olhou ao
redor, muito
feliz por ter
sido salvo. O
gorila,
ofegante,
deitou-se ao seu
lado. O homem
disse:
“Obrigado,
gorila. Você
pode me guiar
para sair da
floresta?” E o
gorila
respondeu:
“Claro, homem,
mas primeiro
preciso dormir
um pouco para
recuperar a
energia”.
Enquanto o
gorila dormia, o
homem o
observava e
começou a
pensar: “Estou
com muita fome.
Sou capaz de
descobrir como
sair da floresta
por conta
própria. Ele é
só um animal. Eu
poderia bater
uma dessas
pedras na cabeça
dele, matá-lo e
comê-lo. Por que
não?”. Então o
homem ergueu uma
das pedras o
mais alto que
conseguiu e
atirou-a com
força na cabeça
do gorila. O
gorila gritou de
dor e sentou-se
rapidamente,
atordoado com a
pancada, com
sangue
escorrendo pela
face. Quando
olhou para o
homem e percebeu
o que havia
acontecido,
lágrimas
brotaram de seus
olhos. Ele
balançou a
cabeça com
tristeza e
disse: “Pobre
homem. Agora
você nunca será
feliz…”.
Um conto
emocionante que
certamente
traduz diversas
situações
vividas na
Terra, onde o
ingrato não
reconhece nem
valoriza o bem
recebido.
Percebemos que a
má vontade do
homem tentou
justificar a si
mesma: “Ele é só
um animal”.
Naquele momento,
o homem
racionalizou,
como forma de
defesa íntima –
isso facilitou a
decisão pela
ação nefasta. Só
mais tarde
poderá perceber
que enganara a
si mesmo…
Por outro lado,
a bondade, a
compaixão do
gorila foram sua
própria
recompensa. Não
fora tomado por
raiva ou ódio. A
primeira flecha
moral atingiu-o
na forma de uma
pedra; não havia
por que
acrescentar
injúria ao
ferimento com
uma segunda
flecha de
rancor, atirada
por ele mesmo.
Perdoou, tão
logo recebera a
ofensa. Não viu
necessidade de
desforra, pois
sabia que o
homem já não
conseguiria ser
feliz. Agiu com
equanimidade,
portanto.
O gorila foi
resiliente.
Apesar da
experiência
dolorosa, não se
desequilibrou,
não se
desprendeu da
própria essência
amorosa.
E, finalizando
este
despretensioso
artigo, desejo
ainda relembrar
uma das mais
bonitas
passagens do
Evangelho de
Jesus, no qual
os evangelistas
narram Sua
aparição aos
discípulos
estupefatos,
dias após a
morte na cruz.
Naquela
oportunidade,
após ter sido
abandonado por
11 dos 12 amigos
hebreus, durante
toda a caminhada
de dura prova
até o Calvário,
sendo por fim
erguido na
madeira e
pregado como um
ladrão comum,
sorriu aos
discípulos,
dizendo, apenas:
“A Paz de Deus
seja
convosco!”…
Nada de muxoxos,
reclamações ou
cara feia. Nada
de
desapontamentos.
Apenas amor nos
olhos, na fala e
no coração.
Eis a sublime
mensagem do
Messias, nesta
passagem:
Perdão,
compaixão,
resiliência…,
amor…
Aliás, caso não
fosse essa a
postura do
grande Mestre, o
que seria do
cristianismo?
Vale refletir…
Referências:
DIAS, Haroldo
Dutra. Novo
Testamento -
Evangelho de
João, 20:19-23
cf. Lucas
24:36-43.
Brasília (DF)
Brasil: Conselho
Espírita
Internacional,
2010.
KARDEC, Allan.
O Livro dos
Espíritos.
Trad. de Guillon
Ribeiro. 57. ed.
Rio de Janeiro,
FEB, Parte 2ª.
Item 100, p. 87,
1983.
________________O
Evangelho
segundo o
Espiritismo,
Cap.14 – Honra
teu Pai e tua
Mãe. I – A
Ingratidão dos
Filhos e os
Laços de
Família, Rio de
Janeiro, FEB,
1983.
HANSON, Rick.
O Cérebro de
Buda:
Neurociência
Prática para a
Felicidade.
Editora Alaúde,
São Paulo,
2012.