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Crônicas e Artigos

Ano 9 - N° 459 - 3 de Abril de 2016

MARCUS VINICIUS DE AZEVEDO BRAGA
acervobraga@gmail.com
Rio de Janeiro, RJ (Brasil)

 


Santa ignorância


Os anais da história ocidental falam de uma figura ímpar, John Huss
(
Husinec, 1369 - Constança, 6 de julho de 1415), que consta como uma das encarnações de Allan Kardec e que pela sua discordância com ações da Igreja Católica, em uma era de politicagens e indulgências, foi condenado à pena de morte, executado pela fogueira, ombreado com tantos outros, conhecidos e desconhecidos, que ousaram defender ideias que hoje são corriqueiras.

Narra a história também que a lenha teimava em não pegar fogo e, diante desse problema, uma idosa trouxe uma rama de galhos secos para fazer a fogueira pegar. Diante de tanto esforço daquela senhora, que buscava sua salvação ao calá-lo pelo fogo, Huss exclama uma expressão que sobrevive até os nossos dias: o sancta simplicitas (Ó santa ignorância!).

Ao ler os jornais, ao ouvir as conversas nos coletivos, ao navegar nas redes sociais, ecoa na mente as palavras do antecessor de Allan Kardec. Vestidos de mantos de religiosidade dilapidamos a razão e o bom senso, em situações que não se circunscrevem a outras religiões apenas, na defesa de situações que afrontam ao mais elementar humanismo, ou mesmo ao bom senso e a ideias hoje já aceitas de forma pacífica na sociedade científica.

Das peripécias em relação a Darwin e seu evolucionismo, a explicações mágicas de fenômenos já elucidados, o misticismo ainda assola as mentes, recheado de medo e de ignorância, descambando para o absurdo e para a superstição. Esquecemos que o codificador era chamado de “O bom senso encarnado” e buscamos simplificar coisas complexas, mediunizando fatos e aceitando tudo que vem dos Espíritos, sem crivo ou crítica.

Assim, de tudo achamos uma mirabolante explicação reencarnacionista, ignoramos descobertas da ciência e queremos adaptar a realidade ao que entendemos como obras sagradas, em um revival do Tomismo da Idade Média. Endeusamos Espíritos, tentando buscar um maravilhoso que não nos permite ver a beleza da encarnação, com todos os seus desafios. Fugimos assim das bases do Espiritismo, de como ele surgiu e de um Kardec, que, por pouco, também não foi condenado por suas ideias, diria assim, revolucionárias. Aliás, Jesus morreu na cruz pelas suas ideias, ainda que tenha sido mais fácil para a humanidade aceitar a ideia de que ele foi à cruz para nos salvar (SIC).

A falta de estudos, o desequilíbrio entre as dimensões ciência-filosofia-religião do Espiritismo, a falta de olharmos com bom senso certas situações que se apresentam, tudo isso, regado a carência de reflexão, nos leva a situações que fogem à lógica do Espiritismo como legado por Allan Kardec na tarefa da codificação. Importamos modelos, adaptamos conceitos e ignoramos que estes se explicam pelo seu conteúdo simbólico, mas não pelo seu aspecto lógico.

Aceitamos assim meias verdades e nos prendemos à forma, ao idealizado, escondidos do mundo real, polarizando uma pseudodisputa entre ciência e religião, colocando um galhinho na fogueira dos pensadores, pensando com isso matar a realidade. A verdadeira fé enfrenta a razão em todas as épocas da humanidade. Kardec com maestria enlaçou a religiosidade em bases científicas, da razão, trazendo ainda o aspecto filosófico, no tripé que, sustentado, nos permite crer e saber, seguir e saber por que, e ainda, saber e se permitir rever as posições. Isso é um fator de força à nossa fé, sem dúvida.

Passados os tempos de inquisição e condenações pelo pensar e pelo crer, ainda assistimos em fogueiras reais e virtuais a santa ignorância atuar, com a nossa dificuldade de entender que às vezes precisamos pensar fora da caixa e que o Espiritismo, como doutrina libertadora de consciências, nos traz uma mensagem de fé que se alimenta da razão, preferindo o mundo como ele é a se iludir com fantasias diante de nossos deveres como Espíritos encarnados, em relação ao mundo como ele deve ser.

A cada dia, cientistas e pensadores trazem novas descobertas que confrontam nossos paradigmas e verdades, como foi Huss na sua época, na qual muitos defendiam a Terra redonda e girando ao redor do sol, o que rendeu algumas condenações. Não podemos tapar os ouvidos ao trabalho sério dos irmãos, como a salvacionista idosa e seu ramo de galhos. Insta entendê-los como novidades da criação divina, escolhendo ser o visionário John Huss, que se perpetuou por muitas de suas ideias.  
 

 

 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita