Galileu da Galileia
Perto de completar 50 anos, a música de 1975 do cantor e
compositor Jorge Ben (hoje Benjor), “Caramba!... Galileu
da Galileia”, é uma obra-prima de criatividade,
misturando a figura de Jesus com outro personagem
histórico, Galileu Galilei (1564-1642), estudioso
italiano que sofreu a perseguições dos seguidores do
outro Galileu já citado.
Sim, prezados leitores, com base em suas observações
astronômicas, nos idos de 1600, Galileu Galilei defendia
uma Terra redonda e que girava em torno do Sol, o que o
levou a ser perseguido pela Inquisição, sob a acusação
de estar promovendo uma reinterpretação da Bíblia, uma
heresia, o que o levou à situação de ter que se defender
no Vaticano.
Consta no aspecto mítico desse episódio que ao se
defender das acusações, temendo pela sua vida e de sua
família, ele se retrata de sua teoria de que a Terra se
movia ao redor do Sol, e na defesa supostamente murmurou
a frase "E ainda assim ela se move" (E pur si muove).
Passados mais de quatro séculos desses acontecimentos,
com o homem tendo chegado à Lua e colocado telescópios
em órbita, desvendando a imensidão do universo, os
discípulos do Galileu da Galileia ainda perseguem os
seguidores do pai do método científico, o Galileu da
Itália, e muitos desses perseguidores ainda se declaram
seguidores do eminente francês que cunhou a
revolucionária expressão da fé raciocinada.
Espíritas com um pensamento anticientífico é a realidade
que, às vezes, se vê em falas e escritos, o que choca
tanto quanto lermos hoje nos livros os absurdos da
inquisição perseguindo os que defendiam a tese do
heliocentrismo, por contrariar escritos da Bíblia
interpretados de forma literal, considerando que ali
jazia um livro sagrado e atemporal.
Na verdade, não há nada na doutrina espírita, nas obras
de Allan Kardec, e em tudo de sério e razoável que se
escreveu a partir disso, que legitime um pensamento
anticientífico, não baseado em evidências, na razão ou
em teorias consistentes. Aliás, nem nas palavras de
Jesus se vê algo nesse sentido. O Espiritismo tem um
marcante caráter científico e dialoga com as descobertas
e com o progresso, desde a sua gênese.
Afinal, no Espiritismo se estuda, se debate, se
questionam fenômenos e ideias. Esse é o legado
Kardequiano que fez da doutrina forte e resiliente,
livre de manipulações, sendo ao mesmo tempo
revolucionária, como foi Galileu Galilei, a destronar a
empáfia dos homens no centro do Universo, em um
pensamento que alimenta ideias que ainda se perpetuam
por aí, como de Jesus ser Deus, as vezes adaptadas até
na visão espírita.
A ciência desvela a realidade, que se impõe por vezes
sem pedir licença as nossas crenças, algumas delas
fundamentadas nos nossos medos e em desejos de poder.
Ainda que acreditemos em algo diferente, a Terra se move
ao redor do sol, e não são ameaças e fogueiras
inquisitórias que derrubam a realidade, realidade essa
que o Espiritismo se propõe a interpretar em bases mais
sólidas.
Não por outra razão, no capítulo I de “O Evangelho
segundo o Espiritismo”, tem-se que: “A Ciência e a
Religião são as duas alavancas da inteligência humana:
uma revela as leis do mundo material e a outra as do
mundo moral. Tendo, no entanto, essas leis o mesmo
princípio, que é Deus, não podem contradizer-se. Se
fossem a negação uma da outra, uma necessariamente
estaria em erro e a outra com a verdade, porquanto Deus
não pode pretender a destruição de sua própria obra. A
incompatibilidade que se julgou existir entre essas duas
ordens de ideias provém apenas de uma observação
defeituosa e de excesso de exclusivismo, de um lado e de
outro. Daí um conflito que deu origem à incredulidade e
à intolerância.”
Ai, ai, caramba, diria Jorge Benjor, diante da realidade
de que ao contrário do Galileu da Galileia, do Galileu
da Itália e do Kardec da Gália, o pensamento
anticientífico, não libertador, insiste em ocupar as
falas no Século XXI, inclusive nas fileiras espíritas,
demonstrando que a absorção da beleza dessa doutrina,
revolucionária ainda hoje, se deu apenas no campo da
superfície, faltando ainda o devido aprofundamento desta
em nossos corações.
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