Entrevista

por Orson Peter Carrara

Traduções e tradutores: um trabalho intenso no exterior


 
Engenheiro mecânico, mas atuando profissionalmente na área financeira, Marcelo Jorge Costa Netto (foto) nasceu no Rio de Janeiro (RJ) e reside desde 1997 em Miami (EUA). Vice-presidente do Conscious Living Spiritist Group e da Federação Espírita da Flórida, também é um dos diretores da área doutrinária de ambas as instituições, atuando como dialogador em reuniões mediúnicas e como facilitador de curso de estudos de O Livro dos Espíritos. Suas respostas à entrevista falam bem do efeito do conhecimento assimilado e destacam iniciativa de traduções de obras espíritas para vários idiomas.

 

Quer dizer, então, que a leitura de O Livro dos Espíritos lhe abriu completamente a visão de mundo? Por quê?

Vindo de família católica, Jesus me atraía de uma forma muito especial. Seus exemplos, Sua história, e o impacto que causavam em mim, era algo muito forte. Estudando em colégio católico, bem no centro do Rio de Janeiro, em uma conversa com um frade beneditino, na época nosso professor de religião, indaguei-o do porquê de ainda tantas guerras, tantas dores. Mas no momento de nossa conversa e observando uma senhora na rua, mendiga com uma criança no colo, questionei-o do porquê daquela criança, se Deus era justo e bom, estar sofrendo os reveses daquela situação deplorável. A mulher talvez tivesse feito más escolhas, mas por que a criança deveria também sofrer, já que a alma era criada no nascimento, e nenhum pecado ou má escolha teve tempo de fazer aquela criança de colo? Onde a justiça Divina?

Foi aí que aquele frade me deu uma resposta que me acalmou muito. Me perguntou se eu confiava na infinita bondade e justiça divina, e eu respondi, sem hesitar, que sim. Então ele me disse, com os olhos lacrimosos e com um tom muito bondoso, que um dia todos nós teríamos estas respostas. Aquela resposta me acalmou, e me ensinou a esperar com absoluta confiança de que um dia eu teria as respostas as minhas indagações.

Anos depois, um conhecido, compadecido dos meus questionamentos, ofertou-me O Livro dos Espíritos. Este livro foi um divisor de águas em minha vida, pois as páginas me traziam as respostas que me perseguiam nos anos de questionamentos.

E o que mais lhe chamou atenção nesses princípios?

Chamou-me muito a atenção, na doutrina espírita, a apresentação de um Deus diferente das concepções tradicionais das religiões vigentes. E aí poderíamos trazer, logo no início dessa obra, as perguntas de número 1 a 14, que falam de Deus e seus atributos. Analisando as respostas que foram dadas pelos Espíritos, podemos chegar a conclusões mais significativas que nos trazem um Pai soberanamente Justo e Bom, que educa os Seus filhos por toda a Criação. Não há o castigo de um Deus vingativo e com preferências, mas um Pai que permite que Seus filhos naturalmente experimentem as consequências das suas ações, dando-lhes a chance de se corrigirem, mais cedo ou mais tarde, através das experiências reencarnatórias.

Tendo conhecido o Espiritismo no exterior, como foi essa aproximação com as instituições nos EUA, inclusive com a Federação Espírita da Flórida?

Foi algo muito natural. Logo que cheguei aos EUA, lia de forma ávida a codificação kardequiana, e a busca de aprofundamento me levou a uma casa espírita a poucas quadras de minha casa. Comecei assistindo às palestras e me maravilhando com os comentários e os estudos. Mais tarde, pouco tempo depois, comecei a assistir a palestras em uma outra casa que ficava um pouco mais distante, e, participando dos estudos dela, me convidaram para fazer parte da administração dos trabalhos.

Eram pessoas muito queridas, mas não sendo ligadas à Federação Espírita da Flórida, que já existia deste 1987, propus que nos filiássemos a ela. Houve uma certa resistência de início, pois os trabalhos e as reuniões públicas eram basicamente conduzidos por sua fundadora, Cristina Ferrara, que casualmente estava sendo transferida de posição na empresa em que trabalhava, e acabou nos passando a direção e administração da casa.

Atualmente, olhando o tempo que passou, qual considera a maior experiência colhida?

Lembro-me como se fosse ontem, bem no começo, sem a experiência e com muitas dúvidas de como melhor seria a condução dos trabalhos e das atividades do nosso modesto movimento floridiano, de que, conversando, na época, com o presidente da FEB (Federação Espírita Brasileira), Nestor João Masotti, recebi um conselho descontraído, mas muito importante, embora feito com um pouco de humor. Estávamos em uma conversa no gabinete de um querido amigo, Cesar Soares dos Reis, à época presidente do Lar Fabiano de Cristo, e Nestor me aconselhou a entrar numa aula de dança. Eu achei engraçado, mas ele completou – é porque você vai ter que ter um jogo de cintura bem grande. Rimos naquele momento, mas havia sabedoria naquelas palavras. 

Fale-nos das traduções, dos tradutores e sobre a distribuição dessas obras.

Em 2010 fomos convidados pelo então presidente da FEB e Secretário Geral do Conselho Espírita Internacional - CEI, Nestor João Masotti, a montarmos uma editora e uma base em Miami, Flórida, para que funcionasse como uma espécie de braço editorial para a distribuição, divulgação e fechamento de alguns contratos com as plataformas eletrônicas e de impressão sob demanda aqui nos Estados Unidos. Da mesma forma, a FEB e o CEI, em conjunto, bem antes de 2010, haviam iniciado um trabalho de contratação e organização de tradutores nativos e não nativos, para que as principais obras espíritas pudessem ser traduzidas e disponibilizadas no mundo. E assim ocorreu, pois a editora que havíamos formado, Edicei of América, agora com o nome fantasia de FEB Publisher, deu sequência a um trabalho que havia sido iniciado anos antes, em 2005, pela FEB. 

Da mesma forma ocorreu com a Leal Publisher, braço editorial do Centro Espírita Caminho da Redenção - Mansão do Caminho, nos EUA, quando no final de 2014 foi constituída a editora, com a finalidade de distribuir, traduzir e digitalizar, junto às plataformas Apple, Kindle (Amazon) e outras, as obras da lavra de Divaldo Pereira Franco e pertencentes ao Centro Espírita Caminho da Redenção. Importante salientar que todos os recursos adquiridos provenientes da Leal Publisher, retirando alguns custos inerentes ao processo, são integralmente revertidos para a obra assistencial do Centro Espírita Caminho da Redenção - Mansão do Caminho, em Salvador.

Como avalia a evolução do pensamento espírita no país?

O nosso movimento ainda é muito pequeno, se comparado ao do Brasil. Mas vemos na ciência, e principalmente nas questões relacionadas às experiências de quase morte, que relatos impressionantes têm despertado a atenção de muitos pesquisadores desta área, chamando atenção para a imortalidade do ser. A participação de pesquisadores nas questões relacionadas à reencarnação, como poderíamos mencionar o Dr. Ian Stevenson, já desencarnado, e também Dr. Jim B. Tucker assim como muitos outros, tem recebido comentários muito interessantes no meio acadêmico-científico.

Ainda estamos em um mundo bem conflituoso, onde as questões atuais, as guerras, as discussões políticas, as questões climáticas, têm causado muita ansiedade, principalmente nos jovens. Creio que chegaremos a um clímax em todo o planeta, pois a crise é de ordem moral, e nós, espíritas aqui nos EUA, não temos a pretensão de sermos os grandes disseminadores do Espiritismo, mas alguém que pode contribuir para que algumas sementes possam aqui germinar. Os Estados Unidos da América, em minha pálida análise, têm uma grande influência no planeta. Basta vermos as questões relacionadas às músicas, aos filmes, à pesquisa científica e tantas outras coisas ligadas ao intelecto. Nesse sentido, tal como foi a Roma dos Césares no passado, a França do século XIX, os EUA têm seu papel muito importante. Mas vejo também os EUA, com os potenciais da inteligência tecnológica, e o Brasil, apresentando o coração sublime na ação do Bem, fazendo o matrimônio da inteligência com o sentimento e auxiliando de forma muito intensa para um mundo mais feliz. Não será trabalho fácil, e repito sempre por aqui que, se não “atrapalharmos”, já está bom demais.

Como vê a influência brasileira nesse processo todo?

A influência brasileira foi muito grande, até porque grande parte da literatura espírita está em português. Mas houve alguns fatores bem significativos que ocorreram nas últimas décadas. Chico Xavier em 1965 visitava a América; Divaldo Franco no início dos anos 1970 chegava a Miami; José. Raul Teixeira em 1987 também em Miami; tudo isso contribuiu demais para o nosso movimento. Logicamente existem outros nomes destacados e importantes do movimento brasileiro que nos fizeram visitas e contribuíram sobremaneira com os trabalhos, mas gostaríamos de ressaltar a presença constante de Divaldo Franco e Raul Teixeira em conferências, eventos, visitando as casas espíritas, não só pelo estado da Flórida, mas por todos os Estados Unidos, nos trazendo grandes incentivos na formação de grupos novos, inicialmente em língua portuguesa. 

Das lembranças de todo esse tempo, qual a mais marcante?  

Foram muitas as lembranças marcantes e especiais, mas houve um momento singular, que muito nos chamou a atenção. No dia 22 de março de 2016 tivemos um evento memorável, com palestra pública para 515 pessoas na loja maçônica Scottish Rite Temple, em Miami, com Divaldo nos brindando com sua oratória e anunciando, oficialmente, a editora Leal Publisher aqui nos EUA. Logo depois do jantar, aqui em casa, conversamos um pouco a respeito do êxito do evento e das esperanças nesta nova empreitada que tinha como objetivo divulgar o bem e arrecadar fundos para a Mansão do Caminho. Finalizamos as conversas e nos preparamos para nos deitar. Divaldo estava no quarto da frente da casa, eu e Andreia no quarto do meio e Piedade no quarto de trás. Nossa casa possui três quartos. Foi então que, mais ou menos 30 minutos depois de todos nós deitados, uma música magnífica e desconhecida de todos nós, mas em volume muito alto, como se fosse a abertura de uma orquestra sinfônica, tocou por toda a casa. Eu e Andreia levamos um susto e imaginamos que alguém havia ligado um sistema de estéreo por toda a casa, pois o som não vinha de um local específico, mas de todos os lados, como se estivesse no ar. Tudo isso durou de 10 a 15 segundos, mais ou menos, e parou subitamente, como em um encerramento de uma orquestra.

Na manhã seguinte acordamos para preparar o café e pôr a mesa para os nossos convidados, e aí perguntamos ao Divaldo e à Piedade se eles ouviram a música a noite. Piedade disse que também tinha levado um susto, e pensou que tínhamos ligado algum som na televisão ou aparelho qualquer, mas Divaldo nos esclareceu sobre aquela música e nos disse que tinha sido um fenômeno mediúnico muito raro. A música era proveniente do plano espiritual anunciando uma data muito importante. E disse que os benfeitores queriam que nós escutássemos, por isso se fez audível para todos nós dentro da casa. Perguntamos por que durou tão pouco tempo (10 a 15 segundos), e ele nos disse que esse fenômeno demandou muita energia para ser produzido. Foi algo impressionante e muito tocante para todos nos. 

Suely Caldas Schubert nos pediu permissão para relatar esse caso em uma de suas obras chamada Divaldo Franco: Uma vida com os Espíritos.

Por outro lado, em setembro de 2014 regressávamos de uma viagem a Salvador, Bahia, e chegando a Miami surgiu a ideia de inscrevermos o livro Pão Nosso – Our Daily Bread, traduzido ao inglês por Darrel Kimble e Ily Reis, em um concurso denominado Illumination Book Awards, promovido pelo Jenkins Group, empresa localizada no estado do Michigan. Esse grupo é responsável por promover o concurso anual, em âmbito nacional e internacional, do prêmio literário para o “Livro Iluminativo”, que consagra os melhores livros cristãos no território dos EUA. As premiações e medalhas são presenteadas em 23 categorias diferentes, cobrindo as áreas desde Estudos Bíblicos e de Devoção, até livros sobre Família, Educação e obras infantis. Por mais de 30 anos o Jenkins Group tem sido aqui, nos EUA, um dos líderes na indústria de publicação literária ajudando pessoas e corporações na publicação de livros sob encomenda. Um fato importante é que a instituição promoveu esse concurso com materiais literários recebidos de 28 estados norte-americanos e 4 países, França, Canadá, Nova Zelândia e Austrália. Na sua banca analisadora dos trabalhos encontravam-se pessoas dos mais diversos ramos do cristianismo, mas absolutamente nenhum espírita. Num país onde as palavras espírita e Espiritismo são praticamente desconhecidas do público leigo e pelo fato de haver ainda um número muito pequeno de casas espíritas (em torno de 120 em todo o território dos EUA), o Espiritismo é considerado uma doutrina “exótica” e, portanto, a nossa expectativa era de apenas recebermos algum tipo de feedback sobre o conteúdo, para continuarmos a qualificar cada vez mais as traduções e todo o trabalho que buscamos realizar. Mas por caminhos misteriosos e por um exame absolutamente imparcial e criterioso, a obra espírita Pão Nosso (Our Daily Bread) de Emmanuel, psicografada por Francisco Cândido Xavier, recebeu no dia 14 de janeiro de 2015, com louvor, a premiação de terceiro lugar nacional e, portanto, medalha de Bronze nos EUA na categoria de "Livro Iluminativo do Pensamento Cristão” do ano de 2015. Comentamos entre amigos que Chico Xavier, mais uma vez, na demonstração de sua grande humildade, não fez questão do primeiro lugar e contentou-se com a terceira posição.

Eram tempos novos que estariam por vir. Acreditamos que através dessa premiação, no meio literário espiritualista/cristão, as obras espíritas sérias e de conteúdo evangélico serão lidas e observadas, não apenas com mais curiosidade, mas também com maior respeito. Temos certeza de que esse não foi um movimento somente do plano material. A espiritualidade maior trabalha incessantemente para a implantação de uma nova ordem na Terra e deseja que ela aconteça em breve. 

Algo mais a acrescentar?

Só agradecimento a Jesus e a Allan Kardec.

Suas palavras finais.

Gostaria de agradecer imensamente a esta Doutrina que nos instrui e nos resgata todos os dias de nossas vidas, da nossa situação de ainda inadimplência para com as leis de Deus. Nestes tempos atuais, onde o materialismo parece prosperar, o Espírito humano se levanta, mais uma vez, mesmo que sob as injuções do sofrimento, quando tantas vezes nos recusamos aos nobres impositivos do Amor, refazendo a rota, e aprendendo com o Cristo de Deus que só através da caridade como Ele a entende, “Benevolência para com todos, indulgência para as imperfeições dos outros, perdão das ofensas”, encontraremos em definitivo a paz real e a vitória total sob as paixões.

Avante sempre! Jesus nos espera!

 
 

 

     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita