Tapetes vermelhos
A humildade exemplificada pelo Divino Amigo é o grande
antídoto contra o orgulho.
“A manjedoura singela deverá ser sempre o paradigma a
permear o caminho do verdadeiro servidor do Cristo.” - François
C. Liran
Não é fácil desvencilharmo-nos dos ancestrais atavismos
gerados por nossos velhos equívocos dos tempos da
ignorância total, quando valorizávamos os desvalores e
deixávamos a direção de nosso destino entregue ao
orgulho e à vaidade, qual barco à deriva no proceloso
oceano da autofascinação...
É lamentável observarmos, ainda hoje, as consequências
desses resíduos comportamentais de muitos companheiros
da Seara Espírita.
Certa feita, um desses irmãos envolvidos nas traiçoeiras
malhas da autofascinação, iniciou sua conferência com o
seguinte pedido à complacente plateia: “quando eu
terminar a minha fala, por favor, não me aplaudam.” (!?)
Naturalmente ele tinha convicção de que ia “arrasar”!...
Em outra ocasião, após a conferência, o diretor da
Instituição, vindo parabenizar o orador pelo excelente
trabalho realizado, disse-lhe: “você precisa voltar
aqui mais vezes. Nós gostamos muito do seu estudo”. Ao
que o autofascinado ripostou: “sinto muito meu irmão,
mas não posso atender à sua demanda porque afinal de
contas eu tenho que zelar pela minha imagem e não posso
ficar me “queimando” falando muitas vezes numa mesma
Casa Espírita”. (!?)
Certo ardoroso e incondicional fã de um orador espírita
estava organizando uma agenda deste para a sua região e,
solicitado para que incluísse um determinado Centro
Espírita no roteiro do “famoso conferencista” negou
o pedido alegando que as instalações daquele centro não
eram dignas para recepcionar o seu ídolo, e ademais as
pessoas que ali frequentavam não tinham nível
intelectual para alcançar o conteúdo das palestras que
ele proferiria.
Mas a culpa de tudo isso não é só desses
pseudo-oradores. Eles começaram a exigir o “tapete
vermelho” do cerimonial da vaidade, depois de muita
bajulação de admiradores tão cegos quanto eles próprios
que, ao incensarem-lhes a personalidade, atearam o
incêndio destruidor do senso do ridículo.
Entendemos, assim, com
Odilon Fernandes,
que o problema da fascinação sobre os médiuns, e
demais pessoas, estudado por Allan Kardec, “(...)
não deve ser imputado apenas aos desencarnados, posto
que muitos encarnados se transformam em vítimas das
próprias alucinações nas ideias mirabolantes que formam
a respeito de si mesmos. Aliás, essa fascinação é a
mais grave de todas, porque a criatura não se coloca na
condição de quem admite estar necessitando ajuda para
reencontrar o discernimento.
Um sábio da Antiguidade escreveu: “é esforçar-se em vão
pretender trazer entendimento a quem imagina possuir
entendimento”.
Que fazer pelo doente incapaz de aceitar que esteja
enfermo?! Que providências tomar em benefício de quem,
estando imerso nas sombras, se considera na luz?
Dos Espíritos com os quais temos lidado no Além, os
fascinados por si mesmos são os mais difíceis de
auxiliar; somente a dor, na linguagem silenciosa do
tempo, conhece a argumentação irrefutável que terminará
por vencê-los, obrigando-os à introspecção de que fogem,
receosos certamente de seu encontro com a Verdade.
Quantos Espíritos, encarnados e desencarnados, não temem
o autoconhecimento, que os compeliria à humildade, no
reconhecimento das limitações que preferem ignorar?!
Quantos outros se decidem pelo comodismo moral por
incapacidade de renunciar ao “homem velho”, desanimados
pela antevisão do longo caminho a percorrer, na
renovação íntima?!
Dos problemas da fascinação, portanto, o dos médiuns
vítimas de comunicados que não resistem ao crivo da
razão ao qual devem ser submetidos, é o mais
insignificante.
Fácil desmascarar a mentira; difícil não mentir...
Fácil apontar erros alheios; difícil aceitar que se
esteja errado...
Busquemos a conscientização indispensável, e o caminho
que trilhamos se nos apresentará menos obstruído.
Saibamos onde se encontram, dentro de nós, as
pedras-de-tropeço que carecemos remover ou evitar.
Reflitamos na extensão e na dificuldade da jornada
evolutiva que nos compete empreender e, sem desânimo,
prossigamos, passo a passo, sedimentando em nós as
virtudes que, um dia, haverão de redimir-nos.
Serenamente, acrescentemos à nossa edificação íntima os
tijolos do amor e da sabedoria com que os anjos, na
argamassa do suor e das lágrimas que derramaram, já
construíram o castelo da felicidade inalterável em que
residem, entre as estrelas”.
Para que também nós lá cheguemos, elejamos a manjedoura
singela como símbolo de nosso “modus-vivendi” vez
que a humildade exemplificada desde o berço pelo Divino
Amigo é o grande antítodo contra o orgulho e a vaidade
que obnubilam nosso discernimento e bom senso impedindo
nossa ascensão evolutiva rumo aos Páramos Celestiais.
Assiste, pois, toda razão
a Claire Baumard por afirmar: “quem
cultiva o Espírito adquire o maravilhoso equilíbrio dos
sábios que as vaidades do mundo não perturbam”.
HUMILDADE sempre, não esqueçamos!... Tal a senda da
absoluta segurança para nossos passos no carreiro
evolutivo!
-
KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 71.ed.
Rio [de Janeiro]: FEB, 2003, 2ª parte, cap.
XXIII, item 239.