Especial

por Rogério Miguez

Conversando com o seu anjo da guarda

 

Há bom tempo existe uma percepção generalizada sobre a existência de anjos nos auxiliando, alguns particularmente ao nosso lado. Esta crença é antiga e de algum modo verdadeira, contudo raros conhecem por qual razão esses chamados anjos nos acompanham e como, efetivamente, podemos interagir com eles.

A doutrina espírita, por meio de seus lúcidos esclarecimentos, proporcionou um avanço significativo no entendimento dessa lei de Deus, uma vez que não se sabia corretamente como se relacionar com essas entidades, e mais, agora entendemos que elas nada mais são do que Espíritos como nós, embora possuam um grau evolutivo superior ao nosso, pois um cego não pode guiar um estropiado, pois cairão os dois no precipício. Ora, se não fossem bem evoluídos não guardariam ninguém.

Outro importantíssimo esclarecimento doutrinário é que esse anjo da guarda não é um anjo como o entendemos, uma criatura especial merecedora de alguma atenção particular da Divindade. Não! São entidades que se esmeraram no bem ao longo de muitas existências e que agora enxergam a vida de modo mais correto, recebendo a permissão de Deus para acompanhar aqueles que ainda não sabem guiar-se por si mesmos.

Cada ser encarnado tem o seu particular anjo da guarda – único – embora possa ser substituído por outro do mesmo nível de evolução. É um Espírito preparado para nos apoiar ao longo das nossas existências, até que saibamos nos conduzir sozinhos e com segurança pelos retos caminhos da moral e da ética.

A palavra anjo, propriamente dita, segundo o Espiritismo, só se aplica no sentido estrito aos Espíritos que atingiram a culminância da evolução, como Jesus e muitos outros, e que agora vivem ao lado do Pai, agindo conforme Sua vontade. Esses não são os nossos anjos da guarda, pois Espíritos perfeitos não acompanham outros ainda muito imperfeitos, como todos nós.

A lembrança deste protetor, de modo geral, só nos ocorre quando estamos passando por dificuldades de monta, conduta semelhante em relação a Deus. Tanto o Criador quanto o anjo da guarda só surgem em nossas mentes quando a situação está crítica e, pelo nosso entendimento, sem saída.

Mas, como podemos conversar com essa nobre entidade que se encontra à nossa disposição, embora a maioria esmagadora desconheça essa real possibilidade?

Há algumas propostas que, se exercitadas com paciência e perseverança, possibilitam uma interação direta com o anjo da guarda, quando necessário e oportuno, pois esta entidade tem por missão nos auxiliar e não retirar as dificuldades de nossas vidas.

 

A mensagem “ao acaso”

Há uma prática das mais simples, outro sábio mecanismo divino, permitindo entrar em contato mais direto com o nosso protetor: basta fazer uma oração, no silêncio de nossa intimidade. Não há necessidade de pronunciar palavras em alto e bom som, pois estes abnegados trabalhadores abraçaram a tarefa de nos ajudar e pelo pensamento sintonizam de imediato, isto se já não estiverem ao nosso lado, atentos e solícitos, escutando pacientemente os diversos e aparentemente infindáveis reclamos.

Feita a oração, sincera, nascida de nossos corações, tomemos um livro de mensagens espíritas, destes com diversas abordagens de autoria de Emmanuel, André Luiz, Joanna de Ângelis, dentre tantos outros, fixemos a nossa atenção, pensemos detidamente no que está incomodando e, “ao acaso”, com fé, abramos o livro.

É surpreendente a quantidade de textos surgindo “ao acaso”, tratando diretamente sobre a questão a nos afligir. Muitas possuem, já no título, o tema em exame por nossas consciências, propondo ações, providências de fazer ou deixar de fazer.

Nessa hora, precisamos ter o cuidado de ler com bastante atenção, cuidadosamente, pois o conteúdo é sempre muito útil, mesmo quando não percebemos de pronto a aplicação da mensagem em nosso particular momento.

Entretanto, como se dá esta “coincidência” entre o que pensamos e o que surge como orientação e esclarecimento? O anjo da guarda toma sutilmente de nossa mão, nos faz escolher um particular livro, se houver vários à disposição, nos fazendo abrir na página necessária ou, pelo pensamento, faz repercutir em nossa mente o momento de parar de folhear o livro e abrir nesta e não naquela outra mensagem. O protetor tem vários recursos para nos fazer tomar o livro certo e abri-lo na parte mais apropriada. Concluímos, desta forma, não existir o “ao acaso”.

Ocorre, às vezes, a mensagem não “dizer” exatamente aquilo por nós desejado; por exemplo, se estamos doentes e sofrendo muito, gostaríamos de receber um texto passando a mão em nossas cabeças, tratando-nos como injustiçados pela ordem divina, sugerindo sermos o último dos últimos, fazendo-nos crer não merecedores do que estamos passando. Nestes casos, a mensagem pode surgir desafiadora, mostrando-nos ser a doença agora enfrentada resultado das condutas distantes das leis de Deus vivenciadas durante largo tempo, nesta ou em outras existências. Uma decepção segundo o nosso acanhado e obtuso entendimento da mecânica da vida. Será preciso, nesta hora, reconhecer os erros cometidos, levantar os joelhos desconjuntados e retomar a marcha sempre avante em busca da perfeição.

Há também as mensagens vistas como enigmáticas, aquelas em que, aparentemente, não há conteúdo sobre a nossa dúvida. Não são raras estas orientações, que nos instigam a procurar o significado aparentemente oculto, mas alcançando a nossa questão, só que de um modo diverso daquele que imaginávamos. Nestes casos, é interessante voltar ao mesmo texto, meditando ao longo dos dias; diz a prática que muito em breve reconheceremos a propriedade daquelas palavras, descobrindo então como o guia espiritual acertou ao nos sugerir a ação a ser tomada, todavia, às vezes, muito diversa da nossa expectativa.

É nosso costume, quando em oração, formular o pedido mentalmente, contudo, já pensando na resposta mais agradável. Isso ocorre devido à nossa óptica imediatista e limitada, pois não nos lembramos do passado e das promessas feitas na erraticidade (1); nada obstante, o protetor tem todas estas informações, por isso faz um ajuizamento mais apropriado daquele que costumamos fazer, mostrando a realidade da vida, aquilo que verdadeiramente devemos considerar.

 

À hora de dormir (2)

Este é o título de uma das preces sugeridas por Allan Kardec no capítulo Coletânea de preces espíritas, que consta da terceira obra fundamental da Doutrina. O objetivo dessa oração é o preparo para o sono, o necessário período de descanso do corpo físico.

Passamos aproximadamente um terço de cada existência dormindo, assim é mais do que oportuno saber que podemos e devemos usar este precioso tempo para trabalhar, estudar, visitar amigos e doentes, neste e em outros mundos e, principalmente, interagir com o anjo da guarda. É uma oportunidade ímpar para encontrar o nosso protetor e com ele conversar sobre o andamento da vida, pois ele estará lá, do outro lado, sempre e, se com fervor e sinceridade nos dispusermos a ouvi-lo diretamente, será uma ótima ocasião para tanto.

Ao acordar, se esse encontro se der, mantemos boas impressões, fragmentos dos conselhos, orientações ou sugestões, um bem estar indefinível pode surgir que muito poderá nos ajudar a tomar essa ou aquela decisão.

Dissemos se o encontro acontecer, pois é comum nos distrairmos antes de dormir, assistindo programas televisivos de baixo nível moral, usando alcoólicos, ingerindo alimentação pesada e farta, se esse for o nosso preparo para o sono, não deveremos esperar muito dessas noites. Estes hábitos impedem ou dificultam uma boa relação com o nosso anjo da guarda, isso quando não procuramos deliberadamente, após dormir, companhias e lugares onde se possa dar vazão a quem sabe, práticas de desejos proibidos que mantemos durante a vigília.

Assim, quando a noite se aproximar, lembremos da possibilidade de entrar em contato direto com o anjo da guarda e nos preparemos adequadamente, de início por uma oração solicitando esse contato e ao despertar, que conservemos a boa impressão desse encontro.

 

O desenvolvimento do sentido íntimo (3)

O Apóstolo do Espiritismo – Léon Denis –, em sua magistral obra O Problema do ser e do destino, registou uma importantíssima orientação visando nos ensinar como estabelecer comunicação com os amigos do espaço e, por ser um texto muito preciso, optamos por manter na íntegra a sugestão de Denis para estabelecer esse contato mais íntimo com o anjo da guarda:

[...] façam um movimento introspectivo, no isolamento e no silêncio. Elevem seus pensamentos a Deus; chamem seu espírito protetor, este guia tutelar que a Providência atrela a nossos passos, na viagem da vida. Interroguem-no sobre as questões que nos preocupam, desde que elas sejam dignas dele, desvinculadas de qualquer interesse menor; depois, esperem! Escutem, atentamente, em vocês mesmos, e, ao cabo de um instante, nas profundezas de sua consciência, vocês escutarão como que o eco enfraquecido de uma voz longínqua ou, antes, vocês perceberão as vibrações de um pensamento misterioso, que banirá suas dúvidas, dissipará suas angústias, acalentando-os e consolando-os.

É fato que esse procedimento deve ser realizado constantemente, sempre aprimorando mais as percepções, aguçando os sentidos pouco a pouco, fazendo uma espécie de meditação. Em princípio, não será na primeira vez que nos recolhermos intimamente que obteremos sucesso, até porque, não sabemos como fazer silêncio interno para perceber as intuições e inspirações, é preciso algum treino e alguma paciência.

O andamento do mundo conspira contra esta prática, pois temos nos acostumado a tentar absorver muitas ideias e propostas ao mesmo tempo, a velocidade e quantidade de informações que recebemos – em função de nossa permissão -, é impressionante e prejudica a nossa concentração, ainda mais com a chegada do celular, muito útil, mas uma ferramenta que nos escraviza às informações periféricas, sem constância, passageiras, muitas vezes pueris e este uso descontrolado dessa conquista tecnológica traz uma certa agitação às nossas mentes, ainda despreparadas para captar e selecionar o que vem do espaço.

Assim, para implementar essa salutar conduta será preciso esquecer os tumultos, agitações, atividades muito ruidosas, pois são inimigos da conquista do silêncio íntimo.

Devemos igualmente deixar de lado as companhias negativas, os assistentes perturbados do espaço, os participantes de nossos delitos, sob pena de também não obter sucesso na construção de um ambiente propício à aproximação mental com o nosso querido anjo guardião.

Somos responsáveis por quem nos assiste espiritualmente, afinal a população desencarnada é de muito superior ao número de habitantes da Terra e as entidades desorientadas existem aos bilhões, mas é nosso o esforço por não sintonizar com eles, preferindo sempre afinizar-se com as boas almas que nos acompanham, em particular, o nosso protetor.

 

Conclusão

Esses mecanismos de auxílio foram revelados, finalmente, pelo Espiritismo e nada mais representam do que explicações de como funcionam as leis divinas, desconhecidas da maioria ao longo destes tempos, e mesmo na atualidade.

Contudo, talvez o mais importante, não seja apenas o conhecimento e uso dessas possibilidades, mas a compreensão de que para que o auxílio se materialize entre aquele que necessita amparo e aquele que pode ajudar relativamente, é preciso que o desamparado busque, por meio de condutas, pensamentos e palavras, viver segundo os princípios do bem. Caso consigamos nos manter relativamente íntegros, a busca por um contato mais íntimo com o nosso anjo da guarda ainda poderá acontecer, mas agora apenas para agradecer o empenho desse incansável Espírito, enviado de Deus, por nos cercar de salutares intuições sempre buscando nos conduzir ao bom caminho, aquele que não cria novas aflições futuras além daquelas que já teremos que experimentar em função dos caminhos trilhados no passado por estradas distanciadas do bem.

Não podemos esquecer que somos o ponto de apoio para que a colaboração se efetue e que o melhor seria que nós mesmos encontrássemos respostas para as muitas questões que ainda formulamos, pois a função do anjo da guarda é apenas a de orientar, quando necessário, pois se não for assim, não aprenderemos jamais a nos conduzir sozinhos pelo caminho da retidão.

Sejamos bons!

 

Referências:

1 Erraticidade: estado dos espíritos errantes, isto é, não encarnados, durante os intervalos de suas diversas existências corpóreas (Allan Kardec no livro Instruções Práticas sobre as manifestações espíritas. Vocabulário espírita).

2 KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. ed. 2. imp.1. Brasília/DF: FEB, 2013. Coletânea de preces espíritas. cap. XXVIII. it. 38.

3 DENIS, Léon. O Problema do ser e do destino. Tradução de Homero Dias de Carvalho. Rio de Janeiro/RJ: CELD, 2011. A consciência. O sentido íntimo. cap. XXI.

 

Nota do Autor:

É possível que o leitor estranhe o título da obra de Léon Denis citado no texto e na referência da obra do Centro Espírita Léon Denis - O Problema do ser e do destino. Ocorre que o título amplamente conhecido – O Problema do ser, do destino e da dor - não corresponde ao original Le problème de l’être et de la destinèe, fato que pode ser verificado facilmente na obra original em francês e mesmo na contracapa dos livros que incluem a expressão e da dor. Até o momento, não encontramos justificativa para esta alteração no título original.

    

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita