Em artigo veiculado pela
plataforma UOL ViverBem sob
o título “Autoperdão: entenda por que é tão difícil
desenvolvê-lo e seus benefícios”, a colaboradora Heloísa
Noronha (2020) situa o perdão a si mesmo num patamar de
dificuldade ainda maior que o perdão a outrem, contudo
informa que é possível superar a dor e identifica as
razões para fazê-lo, com o auxílio de profissionais da
Psicologia. Esse empecilho de perdoar se justificaria
por abranger sentimentos como decepção, rancor,
frustração, raiva e mágoa, que podem ser trabalhados
mediante fatores como maturidade, tempo e diálogo.
De forma similar,
Rossandro Klinjey (2015), em seu livro intitulado Autoperdão:
o aprendizado necessário,
realiza um convite de apaziguamento interior por
intermédio da elucidação do que é o perdão e da
demonstração da importância do perdão e do autoperdão
enquanto forma inadiável de prosseguimento com
crescimento, e não somente com automatismo.
Noronha (2020) traz a contribuição de Silvia Cury
Ismael, gerente de psicologia do HCor (Hospital do
Coração) em São Paulo (SP), para explicar que o perdão é
uma proposta de esquecimento do fato ocorrido e
desligamento emocional daquele quem nos teria feito mal,
enquanto o autoperdão estaria relacionado com a
autoexigência diante dos equívocos que cometemos, porque
a dificuldade de perdoar a si próprio estaria no
reconhecimento de nossa falha, fraqueza ou
incompetência.
Contudo, Klinjey (2015) desmistifica alguns mitos ao
elencar o que não seria perdoar: “perdoar não é
esquecer” (o que seria negar o aprendizado com a
experiência); “perdoar não é diminuir, negar ou aprovar
o equívoco” (porque o perdão também abrange confronto e
repreensão para o estabelecimento da verdade); “perdoar
não é permitir o erro” (senão, haveria conivência com a
má conduta); “perdoar não é esperar um pedido de perdão”
(porque não compete a ninguém impor condições para
perdoar); “perdoar não é parar de sentir dor” (porque o
perdão pode demandar sua continuidade, mas constitui
libertação do ódio de quem a provocou); “perdoar não é
negligenciar a Justiça” (porque esconder o mal praticado
pode prejudicar outra pessoa); “perdoar não é confiar”
(o tempo pode demonstrar que a pessoa mudou, mas a
fraqueza pode ser comprovada); e “perdoar nem sempre é
reconciliação” (porque ela depende de duas pessoas)
(KLINJEY, 2015, p. 111-125).
Tendo por base O
Livro dos Espíritos,
é possível inferir que esse reconhecimento de nossa
própria falta está ancorado na resposta à questão 621
formulada por Kardec (2013a, p. 297) sobre onde estaria
a lei de Deus: “na consciência”. De modo complementar,
os Espíritos, na questão 630 sobre como se pode
distinguir o bem do mal, esclarecem que “fazer o bem é
proceder de acordo com a Lei de Deus”, ao passo que
fazer o mal “é infringi-la” (KARDEC, 2013a, p. 300).
Dessa forma, é fácil compreender por que a felicidade,
com relação à vida moral, além da fé no futuro,
constitui “a consciência tranquila”, de acordo com a
questão 922. Além do conhecimento das leis divinas estar
gravado em nossa consciência, os Espíritos confirmam que
“Jesus” é “o tipo mais perfeito que Deus tem oferecido
ao homem, para lhe servir de guia e modelo”, nos termos
da questão 625. Nesse quesito, Klinjey (2015) oferece
reflexão na constatação de que só perdoa quem está
machucado, porque é imaturo no acontecimento, portando
Jesus não precisou perdoar porque ele não se magoou. Em
nossa condição reencarnatória, por sua vez, o perdão e o
autoperdão são aprendizados necessários.
Conforme resgata Noronha (2020), na observação feita por
Natalia Novaes Pavani Araújo, psicóloga do Hospital
Alemão Oswaldo Cruz, situado também na capital paulista,
a “culpa gera um sentimento ruim, que nos mobiliza a
pedir perdão, seja a alguém ou a nós mesmos, e nos faz
adotar uma nova postura". Ainda segundo Araújo, no
cenário de demasiada autocrítica e sensibilidade à
culpabilização, em vez de desempenhar o positivo
mecanismo de aprendizagem por intermédio da reparação, a
culpa teria a função de autoflagelo. A psicóloga
Cristina Borsari (apud Noronha, 2020), membro do
corpo clínico da Beneficência Portuguesa de São Paulo,
acrescenta que o ciclo vicioso da culpa pode tirar a
alegria de viver, podendo pavimentar o caminho para
transtorno de ansiedade e até depressão, já a aceitação
de que todos são passíveis de erros permite o abandono
da vitimização e a responsabilização por atos e
omissões. Sendo assim, a primeira medida para o
autoperdão seria realizar “um exercício honesto de
reflexão sobre o que realmente se deseja”, quando
identificado “o desejo de seguir adiante, pode-se fazer
uma lista de ações de reparação”, arremata Araújo (apud NORONHA,
2020).
Nos comentários
constantes no item 4 do Capítulo XI de O
Evangelho segundo o Espiritismo,
Jesus nos ensinou como padrão de conduta amar o próximo
como a si mesmo, o que “resume todos os deveres do homem
para com o próximo” (KARDEC, 2013b, p. 154), inclusive o
de perdoar quantas vezes for preciso. Conforme corrobora
o artigo, o excesso de culpa pode nos levar à
vitimização e à estagnação, enquanto a postura madura é
a de responsabilização e enfrentamento das provas, o que
pressupõe o exercício do perdão e do autoperdão. Não
obstante, diariamente, esse chamamento ao perdão é
realizado a todos nós, Klinjey (2015) conclui que nem
todo dia conseguimos atendê-lo, sendo que podemos ir a
passos de tartaruga ou de corredor: a escolha é nossa.
*Artigo participante do Concurso A
Doutrina Explica 2023, promovido pelo Jornal Brasília
Espírita em parceria com a revista eletrônica O
Consolador e a Web Rádio Estação da Luz.
KLINJEY,
Rossandro. Autoperdão: o aprendizado
necessário. 1. ed. Goiânia:
FEEGO, 2015.
KARDEC,
Allan. O Livro dos Espíritos: filosofia
espiritualista / recebidos e coordenados por
Allan Kardec. Tradução de Guillon Ribeiro. 93.
ed. 1. imp. (Edição Histórica). Brasília: FEB,
2013.
KARDEC,
Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo: com
explicações das máximas morais do Cristo em
concordância com o Espiritismo e suas aplicações
às diversas circunstâncias da vida. Tradução de
Guillon Ribeiro da 3. ed. francesa, revista,
corrigida e modificada pelo autor em 1866. 131.
ed. 1. imp. (Edição Histórica). Brasília: FEB,
2013.