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por Bruno Abreu

 

Eu sou


Olhamos para o corpo como algo nosso. Afirmamos: “é o meu corpo”, “meu coração”, “minhas mãos” e muitas outras frases semelhantes. Percebemos claramente que não somos o corpo, mas alguém que vive a experiência através do corpo.

Idêntico à relação entre nós e o carro. Vamos lá dentro a conduzir, quando necessário, mas não somos o carro, embora a vontade de lhe dar direção tenha origem em nós, o que faz com que o comandemos.

Se não somos o corpo, pelo menos à primeira vista e de forma clara, sobra a mente ou o ser psíquico.

Aqui é que nós nos confundimos e criamos uma confusão enorme.

O corpo é subjugado pela mente, cumprindo as vontades desta, por isso nos parece que a mente é o ser.

O problema é que, quando nos dedicamos a perceber o que é a mente, nos chocamos logo com a ideia desta em relação aos atributos que conhecemos do Espírito, que são muito poucos, nascendo a enorme confusão que temos sobre nós.

Como respondem em O Livro dos Espíritos, o Espírito para nós nada é, ou seja, não tem atributos materiais e emocionais que nos possam ser explicados, logo não entenderíamos. 

O que sabemos do Espírito?

Sabemos que foi criado por Deus, mas não tem fim, ou seja, é imortal.

O que é a mortalidade?

O corpo é mortal, terá o seu fim. E o ser psíquico?

Em certo sentido, também. As pessoas são ou recordam-se do ser psíquico de uma outra vida?

Da personalidade de uma outra vida?

Não é o ser psíquico, criado na vida atual, com as medidas certas para a necessidade do aprendizado?

Numa próxima existência posso falar outra língua, estar inserido em outra cultura, terei outra educação, o que me levará a uma vida muito diferente.

O que entendemos como o ser psíquico?

É a formação psicológica que utilizamos para viver. Nosso caráter, nossa cultura, nosso aprendizado e experiências. Está em constante mudança na vida. Não somos hoje o que éramos há uns anos, por exemplo, na juventude. Vejam a diferença que existe entre antes de conhecer a Doutrina Espírita e depois.

O que nasce em nosso pensamento. Será que só existe o pensamento?

Claro que não, embora o estado de pensamento seja quase a totalidade de nosso tempo e, para muitos, agindo de forma aparentemente inconsciente. É ele que nos dirige, é ele que nos forma.

Não quer dizer que tenha de ser, mas é a forma a que estamos habituados há milhares de anos.

Não nos apercebemos dos perigos disso; pensamos que é indispensável à vida, portanto não colocamos esta forma de funcionamento em causa e até achamos que é fruto apenas de nossa criação. Deixou de ser uma ferramenta nossa para passar a ser nosso senhor.

Sei que esta afirmação é complicada para a maioria, mas não é esta doutrina uma ciência de estudo? Não é só de palavras, o mais importante do estudo não está nas palavras.

Só existe parte psíquica quando existe movimento psíquico, ou seja, pensamento. Se estivermos em silêncio, sem pensamento, a olhar o mar, nem lembramos quem somos. No silêncio mental nós existimos mais intensamente, mas não a parte psíquica.

Para a maioria parece o mesmo, pois por raros segundos estão em silêncio e a seguir logo vem o pensamento e lembra: tenho de fazer isto ou aquilo, ou já estive em silêncio e chega, e parece o mesmo ser.

Veja esta enorme diferença. Tente ser orgulhoso sem usar o pensamento. Tente ser egoísta sem pensamento. Mesmo os pequenos impulsos mentais são pensamentos.

Tente ser mal dissente, sem pensamento, tente sentir ódio, sem pensamento.

No entanto não deixa de existir. O que sobra quando não tem pensamento?

Será paz, amor e felicidade em determinado grau. Não está agitado, não está agressivo nem infeliz, isso pertence tudo ao pensamento. O que sobra?

Podemos afirmar que da parte psíquica nascem os problemas, as más tendências, os conflitos, nasce a identidade terrena, o caráter, toda a estrutura psíquica, que vai sendo armazenada na memória. 

Podemos afirmar que somos muito mais do que esta, existimos em silêncio e se este for mais do que alguns segundos percebemos uma vibração diferente.

Quando tentamos existir em silêncio, percebemos que o pensamento não é uma ferramenta nossa, mas aparece sem a nossa vontade e que nós temos seguido por este sem ter força de o comandar. Ou seja, quando agi, porque a ação nasce depois do pensamento, não sei se foi por mim ou no seguimento de um pensamento automatizado, e isto explica a enorme confusão com que a humanidade se depara.

Quando passamos a existir em silêncio, após o hábito permanente e persistente do Vigiai e Orai, passamos a usar o pensamento como instrumento, tornamo-nos reis de nosso Reinado, e o pensamento tem de ter autorização para se movimentar.

Esta conquista vem do hábito da Vigia e não do esforço de querer estar sem pensar, pois isso é impossível.

Só quando reconhecemos o perigo que o pensamento é e o que ele tem causado à humanidade é que entramos em silêncio. É por não querermos trazer mais maldade ao meio humano.

“Conhecerás a verdade e esta vos libertará”, disse o mestre Jesus.

Algumas pessoas acham que o pensamento também traz amor, mas não é verdade.

Atrás puderam ver que o pensamento cria o ódio, o orgulho e todas estas emoções negativas, que sem pensamento não existem.

Reparem que este tem muitos níveis psíquicos. Se estiverem zangados ou frustrados, embora possa parecer que já não pensam no que lhes causa isso, perguntem-se se estariam assim se não tivesse acontecido. Isso é sinal de que há um pensamento materializado em nós, que está armazenado na memória, mas que ainda está ativo e nos mantém nesse estado.

Se não existir qualquer pensamento, como, por exemplo, quando estão a ouvir música, ou em frente ao mar, o que existe na consciência? Pois estamos verdadeiramente conscientes.

Paz, amor e felicidade, por isso, os sábios afirmarem que é a nossa natureza, o que existe quando tudo para e nos reencontramos em nós.

Depois o pensamento tenta descrever esses sentimentos, dando a ideia de que também os cria. Como é que aquele que cria o ódio, o orgulho, o egoísmo, poderá criar também o Amor? Não pode.

Não podemos agradar a dois senhores…

 

Bruno Abreu reside em Lisboa, Portugal.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita