Com o surgimento da terceira Revelação – a Doutrina
Espírita -, finalmente, a Humanidade ficou face a
face com a possibilidade de recostar a cabeça
tranquilamente à noite e dormir pacificada, pois obteve
a certeza de que Deus, o Pai de todos, é perfeitamente
justo, imparcial, misericordioso, ou seja, nos ama
incondicionalmente, sem exceções, não admitindo qualquer
pecado como irremissível, pois Ele nunca se ofendeu
conosco e jamais se ofenderá, apesar de muitos assim
acreditarem. A ofensa é característica dos humanos ainda
imperfeitos, incomodados com certas condutas alheias, na
razão direta da dimensão de seu orgulho e vaidade. Com o
passar do tempo, não nos ofenderemos mais, com ninguém:
graças a Deus!
Havia muita incerteza sobre o cuidado de Deus endereçado
a todas as suas criaturas. Muitos criam e, infelizmente,
ainda creem, que Deus privilegia esta ou aquela
religião, protege esse e não aquele país, atende este e
não outro pedido em função da forma e de quem está
orando, se magoa com certas atitudes de seus filhos e,
diante destas situações, poderia encaminhá-los,
eventualmente, após a morte, em função de certas
condutas adotadas ao longo da existência, a regiões do
espaço sideral caracterizadas por sofrimentos eternos –
o inferno -ou para o céu, que nos dizeres de Emmanuel
era uma:
[...] região deleitosa, em que Deus, teologicamente
transformado em caprichoso patriarca, vivesse
condecorando os filhos oportunistas que evidenciassem
mais ampla inteligência, no campeonato da adulação.1
Certamente, o lúcido Emmanuel sabe que muitos acreditam
que conforme agimos visando agradá-Lo, com presentes e
oferendas, longas e intermináveis rezas, pelo uso de
certos artefatos, enfeitando o nosso Templo com imagens,
penduricalhos e toda a sorte de adereços materiais,
ganhamos a Sua especial atenção e, como justa
recompensa, Ele nos encaminharia para um local de
infinitas benesses, onde poderíamos desfrutar, ao Seu
lado, da eterna paz dos justos – o céu.
Graças a este mesmo Bom Deus, no primeiríssimo dia de
agosto de 1865, em Paris, finalmente, houve a publicação
da primeira edição da obra O Céu e o Inferno ou A
justiça divina segundo o Espiritismo, de autoria de
Allan Kardec. Um importantíssimo marco que no mês de
agosto de 2025 comemorou 160 anos de lançamento. Esta
obra compreende o desdobramento da quarta parte de O
Livro dos Espíritos, que trata Das Esperanças e
Consolações.
Este singular livro ainda é desconhecido das massas,
pois o Espiritismo ainda é ignorado pela maioria e,
precisamos ser honestos e dizer também que é
relativamente desconhecido até mesmo pelos seguidores
do Escolhido de Lyon, os espíritas.
Uma realidade difícil de ser entendida, pois, nesta
obra, o autor explica em minuciosos detalhes,
baseando-se nos informes e relatos dos Espíritos, sobre
como funciona a justiça divina, em todas as suas
nuances.
É um fato. O compêndio mais visitado pelos adeptos do
Espiritismo é a terceira obra fundamental – O
evangelho segundo o Espiritismo -, que ano passado,
também festejou os seus 160 anos de publicação, mais
precisamente em abril, pois veio a lume neste mesmo mês
no ano de 1864.
Pode-se imaginar por qual razão a terceira obra que
compõe o Espiritismo é a mais buscada. O sofrimento
grassa nos quatro cantos do planeta e este livro fala
exatamente das muitas aflições, veja-se, por exemplo, o
quinto capítulo, que discorre sobre Bem-aventurados
os aflitos. E mais, este livro revive os
ensinamentos de Jesus à luz da razão, portanto, é de se
perguntar: quem não tem interesse em, mais uma vez,
escutar Jesus, agora sem nenhuma interferência das
muitas incorreções e adulterações que foram feitos nos
seus ensinos?
Assim, nada mais natural do que buscar informações e
respostas às nossas incontáveis e, aparentemente,
intermináveis mazelas naquelas páginas escritas com
muita sabedoria, e com o poder de nos comunicar
esperança em dias melhores, ainda neste orbe.
Desta forma, o conhecimento das páginas Evangélicas
compondo essa terceira obra seria a principal razão
desta busca, contudo, não se compreende por qual motivo O
céu e o inferno não recebe também, igualmente, esta
especial atenção? Este livro aborda, entre tantos temas
importantes a questão da existência do céu e do inferno
que nos interessa de perto, afinal, incontáveis vivem
intrigados se serão contemplados, ao fim desta nova
existência, com um lugar ao lado direito do Pai ou
estarão destinados a continuar suas miseráveis vidas em
regiões de sofrimentos atrozes, sem a possibilidade de
lá sair, nem se houver o sincero arrependimento do
pecador, característica do inferno como hoje ele é
entendido e, principalmente, temido.
A quarta obra da Codificação em análise é, igualmente,
um tratado sobre Esperanças e Consolações e, nos
dizeres do autor, contempla, em sua primeira parte,
intitulada Doutrina:
[...] o exame comparado das diversas crenças sobre o céu
e o inferno, os anjos e os demônios, as penas e as
recompensas futuras.2
Como se denota, são assuntos que nos interessam
sobremaneira, pois esclarecem sobre o que nos aguarda no
futuro. Além disso, esclarece quem são as famosas
figuras dos anjos e dos demônios, sendo os primeiros,
exatamente aqueles a quem tantas vezes pedimos ajuda,
consolo, forças, conselhos para continuar a nossa
sofrida jornada; e os últimos, são aqueles que, de modo
geral, culpamos pelos nossos erros, deslizes e muitos
infortúnios. Sendo assim, era de se esperar um interesse
maior em bem compreender como estas forças antagônicas
atuam ao longo de nossa existência.
É oportuno já esclarecer que os demônios, na forma como
são entendidos na atualidade, não existem, ou seja,
entidades voltadas exclusivamente à prática do mal, com
a capacidade de rivalizar com o Criador na condução dos
destinos do planeta.
Enquanto, a segunda parte, intitulada Exemplos:
[...] encerra numerosos exemplos que sustentam a teoria.
Ou melhor, que serviram para o seu estabelecimento.3
Estes variados relatos de antigos habitantes da Terra,
agora no plano etéreo, ofereceram à posteridade
informações valiosíssimas, de toda ordem, abordando a
questão da felicidade possível de ser vivenciada por
alguns quando estavam reencarnados; narrativas de
antigos suicidas descrevendo a surpresa e agruras
daqueles que pensavam que escapariam dos problemas da
vida, mas continuaram vivos e agora com agravantes –
expiações -, em suas futuras reencarnações, sendo que,
os relatos minuciosos destes últimos podem servir de
freio à realização de novos suicídios; há também
depoimentos de criminosos arrependidos, nos mostrando
como é a vida daqueles que feriram a sociedade por suas
condutas violentas, agressivas, despudoradas,
inconsequentes e, agora, alguns arrependidos,
reconsideram o que fizeram e pedem para retornar à Terra
para refazer suas jornadas à luz do amor; na seção
final, existem relatos de expiações terrestres e estes
depoimentos muito nos ajudam a compreender melhor as
situações que enfrentamos agora, com o objetivo de nos
capacitar para melhor atravessar as tempestades comuns
em mundos de provas e expiações. Há outras classes de
narrativas, e todas deveriam despertar vivo interesse de
nossa parte em conhecê-las.
Entretanto, por desconhecê-lo, não percebendo que não
existe um lugar no Cosmo destinado a abrigar os eleitos
e, igualmente, outro lugar, em um outro canto do Cosmo,
reservado para os faltosos de toda a ordem, muitos
espíritas imaginaram a existência de um local análogo,
equivalente ao inferno - o Umbral.
Esta região e a ideia associada são muito usadas quando
se deseja dizer que Espíritos maus, ao desencarnarem,
são para lá conduzidos para expiar suas faltas, sabe-se
lá por quanto tempo. Entretanto, Umbral, é palavra comum
na área da arquitetura e da engenharia civil
significando apenas uma passagem, por exemplo, os
umbrais da porta que conduz de um lugar para outro. De
fato, com raras exceções, todos nós vamos nos encontrar
e atravessar o Umbral, pois esta região fluídica de
passagem mantida pela emissão contínua de nossos
pensamentos desalinhados, segundo Manoel Philomeno de
Miranda, se estende por alguns quilômetros a partir da
superfície do globo.4 E mais, esta região
está fadada a desaparecer, pois é transitória, tão logo
esta Humanidade se disponha a agir e pensar conforme a
moral e os exemplos tão ricamente apresentados por
Jesus.
Outros de forma semelhante, imaginam que o céu seja em Nosso
Lar, uma das incontáveis colônias espirituais
gravitando em torno da Terra, localizada na atmosfera do
Umbral. Há mesmo aqueles afirmando que, impressionados
com as narrativas da obra Nosso Lar, após a
morte, desejam ardentemente ser recebidos e abrigados
por esta Colônia espiritual, para talvez, prosear um
pouco com André Luiz e, quem sabe, com os ministros e
instrutores residentes nesta cidade etérea. Quanta
infantilidade espiritual! O autor de Nosso Lar já
pode estar reencarnado, faz tempo, inclusive em outro
orbe.
Há muita fantasia criada no meio espírita por
desconhecimento das leis de Deus. Neste último caso, é
preciso saber que cada região do planeta possui várias
colônias associadas traduzindo em suas construções
fluídicas, a cultura e a realidade do particular
desencarnado, para que ele não se assuste mais do que já
vai se assustar ao se descobrir vivo, do lado de lá.
Alguns mesmo ainda não entenderam que a colônia Nosso
Lar é apenas uma das que se vinculam ao estado do
Rio de Janeiro, fundada por portugueses que por aqui
viveram no passado, sendo assim, não é de se esperar que
um brasileiro vivendo no sul do país, ou mesmo no norte,
ao desencarnar, vá para lá, pois lá não estão os seus
parentes, amigos e desafetos, Espíritos com quem precisa
se ajustar, ou até reajustar, mas sim, em princípio,
estão todos em uma colônia específica ligada à região de
origem de cada qual.
A inexistência das regiões do Universo denominadas céu e
inferno, já havia sido percebida no passado, tanto isso
é verdade que existe um conto antigo descrevendo o
encontro entre um centurião e um monge essênio. O romano
solicita ao ancião que lhe explique “Onde se encontram
as fornalhas do inferno a as delícias do céu”? O monge
indaga quem perguntava e o orgulhoso conquistador
enfatiza que era um centurião chefe da guarda
pretoriana, ao que o sábio lhe diz que para ele o romano
parecia mais um mendigo. De imediato o soldado leva a
mão à bainha para se armar com o seu gládio e quando
ergue o braço, encolerizado, para desferir um golpe
fatal naquele insolente, o sábio lhe diz: “Eis as
fornalhas do inferno”. O centurião percebe a sabedoria
do velho hebreu, lentamente embainha sua espada, volta
gradativamente ao seu estado normal de ânimo, reverencia
humildemente o sábio com leve gesto de cabeça, se acalma
e, então, nesta hora, o monge acrescenta: “Eis as
delícias do céu.”5
Esta narrativa coincide com o ensinamento espírita sobre
estas duas fictícias regiões que ainda atormentam muito
o sono de muitos cristãos, pois temerosos de suas
condutas na Terra, conhecedores de seus deslizes morais
e éticos ainda desconhecidos da sociedade em que vivem,
sem terem sido descobertos, imaginam que serão punidos,
irremissivelmente, pelo Criador e conduzidos para o
inferno. Iludidos que estão, vivendo sob este
entendimento equivocado, imaginando, em seus momentos de
incerteza, o fogo eterno e as figuras diabólicas que
ajuízam, certamente, habitam esta região, já
experimentam agora os sofrimentos das fornalhas do
inferno, sem necessidade alguma de para lá se
transferir, após a morte.
Por outro lado, aqueles que hoje se conduzem
moderadamente, sem grandes ambições, vendo em seu
próximo o irmão de jornada, independentemente, da etnia,
credo, orientação sexual e gênero, buscando, pouco a
pouco, a aquisição dos bens imateriais – as virtudes -,
com todo o seu empenho, perdoando e amando como Jesus
ensinou, agradecendo a Deus sempre, mesmo em situações
que lhe pareçam injustas e não merecidas, já
experimentam as delícias do céu, embora ainda
encarnados.
Esta é a Justiça do Criador, não contemplando a
existência de um céu nem de um inferno, pois o Pai
celestial jamais deseja a morte do pecador, mas sim e
apenas a do pecado.
Referências:
1 XAVIER,
Francisco Cândido. Justiça divina. Pelo Espírito
Emmanuel. ed. 4. Rio de Janeiro/RJ; FEB, 1980. Céu.
2 KARDEC,
Allan. O Céu e o Inferno ou A Justiça divina segundo
o Espiritismo. Tradução Evandro Noleto Bezerra. ed.
2. imp. 1. Brasília/DF: FEB, 2013. Prefácio.
3 KARDEC,
Allan. O Céu e o Inferno ou A Justiça divina segundo
o Espiritismo. Tradução Evandro Noleto Bezerra. ed.
2. imp. 1. Brasília/DF: FEB, 2013. Prefácio.
4 FRANCO,
Divaldo Pereira. Nas fronteiras da loucura. Pelo
Espírito Manoel Philomeno de Miranda. 2. ed. Salvador,
BA: LEAL, 1984. Convite ao otimismo. cap. 19.
5 BRASILEIRO,
Emídio Silva Falcão. Um dia em Jerusalém. 3. ed.
Goiânia, GO: Gráfica e Editora Três Poderes LTDA, 1989. Sabedoria
(Nicanor).