Desde o seu surgimento na França, em meados do
século XIX, com os estudos organizados por Allan
Kardec, o Espiritismo se apresenta como uma
doutrina que une ciência, filosofia e religião,
propondo uma nova visão sobre a vida, a morte e
o papel moral do ser humano na criação. Embora
tenha nascido em solo europeu, foi no Brasil que
o Espiritismo encontrou terreno fértil para se
desenvolver de forma mais ampla e profunda. No
entanto, sua expansão mundial ainda encontra
muitos entraves. Entender essa realidade exige
uma análise histórica, cultural e moral tanto do
Brasil quanto do mundo.
O Espiritismo no Brasil: um solo preparado
A chegada do Espiritismo ao Brasil coincidiu com
um momento histórico de grandes transformações
sociais. No final do século XIX, o país vivia o
processo de abolição da escravidão, a queda da
monarquia e o início da república. Em meio a
esse cenário de instabilidade, o povo brasileiro
mostrava-se receptivo a ideias espirituais que
propusessem consolo e esclarecimento diante das
dores humanas. Além disso, a religiosidade
popular, marcada por forte sincretismo, já
possuía uma familiaridade com o mundo invisível
e com a comunicação com os mortos, o que
facilitou a aceitação dos princípios espíritas.
Mais do que receptividade cultural, havia (e há)
no Brasil uma necessidade profunda de
transformação moral. País de desigualdades
históricas, de sofrimentos coletivos e de
persistente injustiça social, o Brasil
representa um campo de provações e expiações
para muitos Espíritos em processo de aprendizado
e reeducação. O Espiritismo, ao esclarecer as
leis da reencarnação, da justiça divina e da
vida futura, apresenta-se como o Consolador
prometido por Jesus, oferecendo ao povo uma
chave interpretativa para seus desafios
existenciais e sociais.
A difusão mundial: obstáculos e desafios
Enquanto o Brasil abraçou a doutrina espírita
com vigor, em outras partes do mundo o
Espiritismo enfrentou e ainda enfrenta barreiras
significativas. Nos países europeus e nos
Estados Unidos, o materialismo, a secularização
e a hegemonia de correntes filosóficas voltadas
para o ceticismo dificultam a aceitação de
qualquer proposta que envolva a existência do
Espírito e a vida após a morte. Em nações de
maioria islâmica, o Espiritismo encontra
resistência tanto por parte das tradições
religiosas locais quanto por contextos políticos
e culturais que limitam a liberdade de crença e
expressão.
Além disso, muitas vezes o Espiritismo é
confundido com práticas mediúnicas sem base
doutrinária, ou com movimentos esotéricos que
distorcem seus fundamentos. Tal confusão gera
preconceito e impede que a Doutrina Espírita
seja estudada e conhecida em sua essência
racional, ética e científica.
Outro desafio é a limitação linguística e a
escassez de traduções sérias das obras de Kardec
e de autores espíritas brasileiros. O pensamento
espírita, profundamente enraizado na língua
portuguesa, ainda não alcançou tradução e
divulgação suficientes em outras línguas para se
expandir de forma consistente.
A missão espiritual do Brasil
Diversos estudiosos do Espiritismo, entre eles
Emmanuel — pela mediunidade de Chico Xavier —,
apontam que o Brasil possui uma missão
espiritual relevante na transição planetária que
vivemos. Conforme apresentado na obra Brasil,
Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, o
país foi escolhido como berço do Espiritismo
cristão por sua condição moral específica: uma
nação composta por Espíritos em provas e
expiações, mas dotada de uma sensibilidade
espiritual ímpar, com vocação para acolher e
difundir a mensagem do Cristo redivivo.
Não se trata de uma superioridade nacional, mas
de uma responsabilidade espiritual. O Brasil,
com toda a sua diversidade étnica, cultural e
religiosa, representa um microcosmo da
humanidade, onde os ensinamentos do Cristo podem
ser vivenciados e testados na prática. Por isso,
o Espiritismo no Brasil é chamado a ser não
apenas doutrina de estudo, mas força ativa de
transformação social, impulsionando obras de
caridade, educação moral e reforma íntima.
O Espiritismo e o seu papel libertador
O Espiritismo tem um papel libertador no sentido
mais profundo do termo. Ele liberta o homem do
medo da morte, da ignorância sobre o seu destino
e da escravidão aos instintos inferiores. Ao
ensinar que somos Espíritos imortais, em
constante processo evolutivo, e que colhemos as
consequências dos nossos atos através da lei de
causa e efeito, o Espiritismo nos convida à
responsabilidade, à autoeducação e ao amor ao
próximo.
No contexto brasileiro, essa libertação se
traduz em esperança diante das dificuldades,
consolo nas tragédias, entendimento das
desigualdades e motivação para agir no bem. O
Espiritismo, quando vivido com fidelidade aos
seus princípios morais, pode formar uma nova
consciência coletiva, capaz de promover mudanças
reais na sociedade — da política à educação, da
saúde à convivência familiar.
A presença do Espiritismo no mundo: realidades e
iniciativas
Apesar dos desafios enfrentados fora do Brasil,
o Espiritismo não está ausente do restante do
planeta. Em diversas partes do mundo, grupos
pequenos, porém perseverantes, mantêm vivo o
estudo e a prática da Doutrina Espírita, muitas
vezes enfrentando dificuldades culturais,
religiosas e estruturais.
A França, berço histórico do Espiritismo, ainda
abriga centros espíritas dedicados ao estudo das
obras de Allan Kardec. A cidade de Paris conta
com instituições tradicionais como a Union
Spirite Française et Francophone, que busca
manter viva a herança do Codificador. Porém, o
movimento francês é restrito e relativamente
discreto, refletindo o forte secularismo do
país.
Nos Estados Unidos, há uma presença considerável
de centros espíritas fundados por brasileiros
emigrados. Cidades como Miami, Orlando, Nova
York, Boston e Houston têm casas espíritas
ativas, reunindo tanto brasileiros quanto
nativos interessados no tema. A United States
Spiritist Council (USSC) atua na organização e
divulgação da doutrina, promovendo congressos e
traduções de obras importantes para o inglês.
Na Europa, além da França, há atividades em
países como Portugal, onde o Espiritismo tem
presença antiga e estável, com federativas
regionais ativas e centros bem-organizados.
Espanha, Bélgica, Suíça, Alemanha, Inglaterra e
Itália também abrigam pequenos grupos de estudo
e casas espíritas, quase sempre voltadas para
comunidades brasileiras ou lusófonas, embora
haja crescente interesse de cidadãos locais.
Na América Latina, países como Argentina,
Uruguai, Paraguai e Colômbia mantêm movimentos
espíritas com relativo vigor. A Confederação
Espírita Pan-Americana (CEPA) é um exemplo de
articulação entre instituições do continente. Na
Venezuela, por exemplo, a doutrina tem crescido
entre jovens e em grupos de estudo on-line.
Em países de língua portuguesa como Angola,
Moçambique e Cabo Verde, surgem gradualmente
iniciativas espíritas, frequentemente ligadas a
missionários brasileiros e ao esforço de
tradução das obras básicas. Esses movimentos
ainda são incipientes, mas promissores,
considerando a abertura espiritual e cultural
desses povos.
Já em nações do Oriente Médio, Ásia e África subsaariana,
a presença do Espiritismo é quase inexistente,
tanto por barreiras linguísticas quanto por
limitações religiosas e legais. Em muitos desses
países, qualquer prática religiosa fora da
tradição majoritária pode sofrer repressão ou
censura.
Apesar dessas dificuldades, os meios digitais
têm-se revelado instrumentos valiosos de
divulgação. A existência de sites, livros em
PDF, audiolivros, vídeos e transmissões ao vivo
permite que buscadores sinceros em qualquer
parte do mundo tenham acesso ao conteúdo
espírita. A Federação Espírita Brasileira (FEB),
assim como diversas outras instituições, tem
investido em traduções e materiais on-line para
alcançar um público internacional.
O Conseil Spirite International (CSI), ou
Conselho Espírita Internacional, criado em 1992,
reúne instituições espíritas de diversos países
e promove congressos mundiais, favorecendo a
união e o fortalecimento do movimento global.
Ainda assim, a adesão à doutrina fora do Brasil
é, em muitos casos, tímida, e depende fortemente
do esforço voluntário de pequenos grupos e
indivíduos dedicados.
Complementando a missão brasileira
Diante desse panorama, fica evidente que o
Brasil não apenas acolheu o Espiritismo com o
coração, mas assumiu o papel de principal
divulgador e mantenedor da Doutrina no mundo. A
quantidade de centros espíritas brasileiros —
estimados em mais de 15 mil, espalhados por
todas as regiões —, contrasta com a realidade de
muitos países que contam com apenas um ou dois
grupos organizados, ou mesmo nenhuma atividade
espírita institucionalizada.
Esse contraste evidencia a urgência do
compromisso dos espíritas brasileiros com o
estudo sério, a prática do bem e a tradução viva
do Evangelho. Quanto mais o Brasil conseguir
viver o Espiritismo de forma autêntica, mais
terá autoridade moral e espiritual para irradiar
essa luz ao restante do planeta.
Conclusão
A expansão do Espiritismo no Brasil e sua
relativa estagnação no restante do mundo não são
acasos. Fazem parte de um planejamento maior,
onde cada povo desempenha seu papel evolutivo. O
Brasil, com seus contrastes e dores, tornou-se o
cadinho onde a luz do Consolador pode brilhar
mais intensamente. Cabe aos espíritas
brasileiros o compromisso de viver e divulgar o
Espiritismo com seriedade, fidelidade
doutrinária e profundo amor ao Cristo.
Mais do que difundir ideias, é necessário
exemplificar princípios. O mundo ainda
conhecerá, no tempo certo, a grandeza da
Doutrina Espírita. E quando isso ocorrer, será
pela força silenciosa da vivência moral, não
pela imposição de palavras. (*)
(*) Inspirado
por um amigo na espiritualidade.