A Revue Spirite
de 1868
Allan Kardec
(Parte
7)
Continuamos a apresentar
o
estudo da Revue
Spirite
correspondente ao ano de
1868. O texto condensado
do volume citado será
aqui apresentado com base na
tradução de Júlio Abreu
Filho publicada pela EDICEL.
Questões preliminares
A. Que razões levam uma
pessoa ao materialismo?
Segundo H. Thiercelin,
em artigo citado por
Kardec, quase sempre
houve materialistas,
teóricos ou práticos,
quer por desvio do senso
comum, quer para
justificar baixos
hábitos de viver. Duas
razões levam o indivíduo
ao materialismo. A
primeira é a imperfeição
da inteligência humana.
Disse Cícero, em termos
muito crus, que não há
tolice que não tenha
encontrado algum
filósofo para a
defender. A segunda
razão está nas más
inclinações do coração
humano. Eis por que o
materialismo prático,
que se reduz a algumas
máximas vergonhosas,
sempre apareceu nas
épocas de decomposição
moral ou social como as
da Regência e do
Diretório.
(Revue Spirite de 1868,
pp. 224 a 230.)
B. Com respeito às
perseguições frequentes
que eram feitas aos
espíritas, qual foi o
conselho de São Luís?
Primeiro São Luís disse
que essas perseguições
cairiam e não eram
prejudiciais à causa do
Espiritismo. Os bons
Espíritos velam pela
execução das ordens do
Senhor: nada há a temer;
não obstante, é preciso
que todos se mantenham
em guarda e ajam com
prudência. Ninguém se
inquiete com o futuro da
doutrina espírita,
porque, entre os que
hoje a combatem, mais de
um será seu defensor
amanhã. À violência,
devemos opor a suavidade
e a caridade e fazer o
bem aos que nos querem
mal, para que, mais
tarde, possam distinguir
o verdadeiro do falso.
(Obra citada, pp. 240 a
244.)
C. Que significa,
segundo Kardec, a
expressão Espiritismo
Moderno?
Kardec usou tal
expressão ao dizer que
podem compreender-se sob
o título geral de
Espiritismo
Retrospectivo os
pensamentos, as
doutrinas, as crenças e
todos os fatos espíritas
anteriores ao
Espiritismo Moderno,
isto é, até 1850, data
na qual começaram as
observações e os estudos
sobre tais fenômenos. O
Espiritismo Moderno
teria nascido, portanto,
em 1850.
(Obra citada, pág. 244.)
Texto para leitura
88. O número de agosto
da Revue
inicia-se com um artigo
de Kardec sobre o
materialismo e a
virulência com que seus
partidários de então
atacavam os que ousassem
declarar-se
espiritualistas, como o
Sr. Jules Favre e o Sr.
Flammarion,
ridicularizado e
denegrido publicamente
porque buscou provar
Deus pela ciência.
Observa Kardec: “Há
neste momento, da parte
de um certo partido, um
alçar de armas contra as
ideias espiritualistas
em geral, nas quais se
acha englobado o
Espiritismo. O que ele
busca não é um Deus
melhor e mais justo, é o
Deus-matéria, menos
aborrecido, porque não
se tem que lhe dar
contas”. (Págs. 223 e
224.)
89. O Codificador diz
que um dos melhores
protestos que lera
contra as tendências
materialistas fora
publicado a 14 de maio
no jornal Le
Droit, sob o título
de O materialismo e o
direito. Assinado
por H. Thiercelin, eis
alguns trechos do citado
artigo: I – Quase sempre
houve materialistas,
teóricos ou práticos,
quer por desvio do senso
comum, quer para
justificar baixos
hábitos de viver. II –
Duas razões levam o
indivíduo ao
materialismo. A primeira
é a imperfeição da
inteligência humana.
Disse Cícero, em termos
muito crus, que não há
tolice que não tenha
encontrado algum
filósofo para a
defender. III – A
segunda razão está nas
más inclinações do
coração humano. Eis por
que o materialismo
prático, que se reduz a
algumas máximas
vergonhosas, sempre
apareceu nas épocas de
decomposição moral ou
social como as da
Regência e do Diretório.
IV – Em nossos dias ele
se produz com um caráter
novo; considera-se
científico. A história
natural seria toda a
ciência do homem; nada
existiria do que ela não
tem por objeto; ora,
como não tem por objeto
o espírito, este não
existe. V – As
tendências
materialistas, mais ou
menos gerais, de tantos
cientistas não decorrem
apenas de sua constante
ocupação em estudar e
manipular a matéria.
Elas resultam sobretudo
de seus hábitos de
espírito, da prática
exclusiva de seu método
experimental, porque o
método científico pode
reduzir-se a estes
termos: “Não reconhecer
senão os fatos, induzir
muito prudentemente a
lei desses fatos, banir
absolutamente todas as
pesquisas das causas”.
VI – Não é de admirar
que inteligências de
vistas curtas
desconheçam a existência
dos fatos morais. VII –
O novo materialismo não
é, porém, resultado
demonstrado do estudo; é
uma opinião
preconcebida. O
fisiologista não admite
o espírito. Que há nisto
de admirável? É a
conclusão óbvia do
método por ele utilizado
e que lhe interdita
precisamente a pesquisa
das causas. VIII – Não
há nada de mais, pois,
afirmar que o
materialismo é
destrutivo, não de uma
determinada moral, mas
de toda moral, não de
determinado estado
civil, mas de todo
estado civil, de toda
sociedade. (Págs. 224
a 230.)
90. Sob o título de
Pesquisas Psicológicas a
propósito de
Espiritismo, o
jornal La Solidarité
de 1o de
julho publicou um
alentado artigo sobre as
manifestações espíritas,
no qual seu autor não
contesta os fenômenos,
mas expõe suas dúvidas
sobre a explicação que
deles dá a doutrina
espírita. “Cremos, diz
ele, que os fenômenos
físicos se explicam
fisicamente e que os
fenômenos psíquicos são
causados pelas
forças inerentes à alma
dos operadores.”
(Págs. 230 a 234.)
91. Comentando o
assunto, diz Kardec que
muita coisa haveria a
responder sobre o
artigo, mas não o faria
porque fazê-lo seria
repetir o que tantas
vezes já houvera escrito
sobre o mesmo tema. Como
o crítico não contesta o
fenômeno, apenas formula
sobre sua causa outra
hipótese, lembra Kardec
que a teoria exposta
pelo jornalista nada
mais era do que a
repetição de um dos
primeiros sistemas
surgidos na origem do
Espiritismo, quando a
experiência não havia
ainda elucidado a
questão. Ora, se aquele
sistema estivesse certo,
por que não prevaleceu?
Como é que milhões de
espíritas, que havia
quinze anos
experimentavam no mundo
todo, tenham constatado
a realidade das
manifestações espíritas,
se elas não existem?
Pode-se admitir
razoavelmente que todos
eles se hajam enganado?
(Págs. 234 e 235.)
92. É grave erro crer,
diz Kardec, que os
espíritas tenham
estabelecido, de forma
preconcebida, a
intervenção dos
Espíritos nas
manifestações. Se isso
se deu com alguns, o
maior número não chegou
a essa crença senão
depois de ter passado
pela dúvida ou pela
incredulidade. O
fenômeno das mesas
girantes era conhecido
ao tempo de Tertuliano e
na China desde tempos
imemoriais, tanto quanto
na Sibéria e na Tartária.
Aliás, os fenômenos
espíritas modernos não
começaram com as mesas,
mas pelas pancadas
espontâneas dadas em
paredes e móveis, em
ambientes refratários à
ideia espírita, e foram
os próprios Espíritos
que se apresentaram como
sendo os seus autores.
(Págs. 235 e 236.)
93. O Sr. Fauverty –
autor do artigo em foco
– diz que nada encontrou
nas comunicações
mediúnicas que
ultrapassasse o cérebro
humano. Eis aí uma velha
objeção cem vezes
refutada pela própria
doutrina espírita. O
Espiritismo alguma vez
disse que os Espíritos
fossem seres fora da
humanidade? Ora, o que a
doutrina espírita ensina
é que os Espíritos não
são senão homens
despojados do seu
invólucro material e que
o mundo visível se
derrama incessantemente,
pela morte, no mundo
invisível, e este no
mundo corporal, pelos
nascimentos. Desde que
os Espíritos pertencem à
Humanidade, por que
haveriam de querer que
eles tivessem uma
linguagem sobre-humana?
(Págs. 236 e 237.)
94. A
pedido de um dos
correspondentes da
Revue em Sens,
Kardec volta ao tema
partido espírita,
para dizer que o
Espiritismo jamais
poderia ser considerado
um partido na acepção
vulgar da palavra e, por
isso, o correspondente
tinha toda a razão para
repelir a qualificação
que nesse sentido lhe
foi dada pelo Sr.
Genteur, Comissário do
Governo. O Codificador
diz, no entanto, que,
excluída a ideia de
movimento político e de
luta pelo poder, o
Espiritismo não deixava
de ser um partido, ou
seja, uma doutrina que
não é partilhada senão
por uma parte da
população, motivo pelo
qual ele podia aceitar a
qualificação que lhe foi
dada por seus
antagonistas, sem com
isso repudiar os seus
princípios e sem perder
sua qualidade essencial
de doutrina filosófica
moralizadora, que
constitui a sua glória e
a sua força. (Págs.
237 a 239.)
95. Kardec lembra que no
fim de 1864 fora
deflagrada uma onda de
perseguições contra o
Espiritismo em várias
cidades do Sul, seguida
de alguns efeitos, e
reproduz o resumo de um
dos sermões feitos na
época, no qual os
espíritas são chamados
de ímpios e acusados de
blasfemar contra Deus,
de negar as sublimes
verdades ensinadas pela
Igreja e de enfeitar-se
com uma falsa caridade,
que só conhecem de nome
e da qual se servem como
manto para ocultar sua
ambição. No fim do
sermão, diz o padre:
“Compreendestes,
cristãos! quais são os
que assinalo à vossa
reprovação! São os
Espíritas! E porque
não os indicaria eu? É
tempo de os repelir e de
amaldiçoar as suas
doutrinas infernais!”
(Pág. 240.)
96. Sermões como esse
estavam na ordem do dia
naquela época, mas os
ataques não se limitavam
à ideia, estendendo-se
também às relações
pessoais. Na sequência,
após advertir que a luta
não terminara e que as
perseguições
continuavam, o
Codificador transcreve
comunicação de São Luís
transmitida em Paris a
10 de dezembro de 1864,
da qual extraímos os
trechos que se seguem: I
– Meus filhos, estas
perseguições cairão e
não podem ser
prejudiciais à causa do
Espiritismo. II – Os
bons Espíritos velam
pela execução das ordens
do Senhor: nada há a
temer; não obstante, é
preciso que todos se
mantenham em guarda e
ajam com prudência. III
– A vergonha recairá
sobre os que tiverem
recuado e preferido o
repouso da Terra ao que
lhes estava preparado,
porque o Senhor fará a
conta de seus
sacrifícios. IV – É
preciso pensar nos
mártires cristãos, que
não tinham, como os
espíritas, comunicações
incessantes do mundo
invisível para reanimar
sua fé e, contudo, não
recuavam ante o
sacrifício, nem de sua
vida nem de seus bens. V
– As provas são hoje
mais morais que
materiais; serão, por
consequência, menos
penosas, mas não menos
meritórias. VI – Aliás,
muitos dos que sofreram
pelo Cristianismo vêm
concorrer para o
coroamento da obra e são
os que sustentam a luta
com mais coragem. VII –
Ninguém se inquiete com
o futuro da doutrina
espírita, porque, entre
os que hoje a combatem,
mais de um será seu
defensor amanhã. VIII –
À violência, devemos
opor a suavidade e a
caridade e fazer o bem
aos que nos querem mal,
para que, mais tarde,
possam distinguir o
verdadeiro do falso. IX
– O espírita dispõe de
uma arma poderosa: a do
raciocínio, e deve
servir-se dela, sem
manchá-la jamais pela
injúria, supremo
argumento dos que não
têm boas razões para
dar, e esforçando-se
pela dignidade de sua
conduta, para fazer
respeitar o título de
Espírita que ostenta.
(Págs. 240 a 244.)
97. Kardec diz que podem
compreender-se sob o
título geral de
Espiritismo
Retrospectivo os
pensamentos, as
doutrinas, as crenças e
todos os fatos espíritas
anteriores ao
Espiritismo Moderno,
isto é, até 1850, data
na qual começaram as
observações e os estudos
sobre tais fenômenos. Um
fato relatado pelo Duque
de Saint-Simon em suas
memórias enquadra-se,
portanto, no chamado
Espiritismo
Retrospectivo.
(Pág. 244.)
(Continua no próximo
número.)