Há poucos dias, tivemos a
felicidade de assistir a uma
entrevista do jornalista
Marcel Souto Maior, sobre o
lançamento de seu novo
livro, agora sobre a vida de
Allan Kardec. Foi no
programa de entrevistas com
Márcia Peltier, na CNT. Era
uma reprise de dezembro do
ano passado. Foi muito
emocionante. Ele conta como
conheceu Chico e inúmeros
momentos de impressionar.
Abaixo apresentaremos suas
declarações exaradas em sua
obra: As Vidas de Chico
Xavier, impressa pela
editora “Planeta do Brasil”
no ano de 2003.
...Verdade irrefutável mesmo
é que Chico, o menino pobre
e mulato do interior de
Minas, filho de pais
analfabetos, se transformou
em mito, venerado,
idolatrado, atacado,
perseguido, um ídolo
popular.
Foi a história desta
metamorfose que decidi
contar há dez anos quando
desembarquei em Uberaba com
uma tarefa ambiciosa:
receber um sinal verde do
médium para escrever sua
biografia.
Eu era repórter do Jornal
do Brasil, tinha sérias
dúvidas sobre questões como
vida depois da morte e
encarava o líder espírita
com o habitual
distanciamento jornalístico.
Chico era um mito nacional
adorado por milhões de
brasileiros e menosprezado
por centenas de jornalistas
como eu.
Chico Xavier? Não é o Chico
Buarque, não? Chico Anysio?
Chico Mendes? Amigos de
redação ironizavam ao
saberem do meu projeto:
lançar a primeira biografia
jornalística de um dos
personagens mais idolatrados
e polêmicos do país.
Lá fui eu.
Aos 81 anos, atormentado por
sucessivas crises de angina,
abatido por duas pneumonias
graves e castigado por uma
catarata crônica, Chico
Xavier vivia em repouso e
por recomendação médica já
não participava de sessões
espíritas há quase nove
meses. Eu teria de contar
com o apoio de seu filho
adotivo, Eurípedes, para
conseguir visitá-lo em casa
nas reuniões para poucos
amigos aos sábados à noite.
Não consegui passar pelo
portão. Eurípedes preferiu
preservar o pai de qualquer
desgaste, e eu decidi
iniciar a reportagem sem
autorização de ninguém nem
do possível biografado.
Primeiro passo: acompanhar
uma sessão espírita no Grupo
Espírita da Prece, mais
conhecido como "o Centro do
Chico". Era noite de sábado
e fazia frio. Dava para
contar nos dedos o número de
participantes do culto
reunidos na casa simples,
com piso de cimento e telhas
descascadas no teto. Éramos
catorze todos sentados a
dois metros de distância da
mesa comprida onde, até o
ano anterior, Chico Xavier
causava comoção ao fechar os
olhos e pôr no papel
mensagens de mortos a suas
famílias na Terra.
Com a ausência de Chico nas
sessões dos últimos meses,
as multidões do ano anterior
reduziram-se até chegarem
naquele punhado de gente
disposta a acompanhar a
leitura do Evangelho segundo
o Espiritismo, de Allan
Kardec, e a análise de temas
como compaixão e
solidariedade.
Sentei no banco de madeira
em frente à mesa ocupada
pelos dirigentes da sessão
e, minutos depois, levei um
susto. Contra todas as
expectativas, Chico Xavier
reapareceu no Grupo Espírita
da Prece, o corpo franzino
arqueado sob um terno
mal-ajambrado e o sorriso
aberto de quem volta para
casa depois de meses de
internação.
Ele se sentou à cabeceira,
ouviu em silêncio a leitura
de textos de Kardec e, em
seguida, rezou o pai-nosso
com um fio de voz. Eu não
sabia nem como nem por quê,
mas lágrimas começaram a
escorrer pelo meu rosto sem
que eu sentisse qualquer
emoção especial. Desabavam à
minha revelia, aos
borbotões, sem nenhum
controle. No fim da sessão,
eu me aproximei de Chico e
fui direto ao assunto com a
desinibição e arrogância
típicas dos jovens
jornalistas:
– Chico, trabalho no
Jornal do Brasil, no Rio
de Janeiro, e vim pedir
autorização para escrever
sua biografia. Chico
recorreu a um de seus
enigmas, tática usada por
ele para evitar a indelicada
palavra "não": Deus é quem
autoriza.
Continuei no mesmo tom: E
Deus autoriza?
Chico ficou em silêncio
dois, três segundos e
respondeu com um meio
sorriso: Autoriza.
Era tudo o que eu precisava
ouvir. Ou quase tudo. O
acesso à casa de Chico,
fundamental para a
reportagem, foi negado por
Eurípedes no dia seguinte. E
o tempo começou a correr
contra o projeto. Era
preciso voltar ao Rio em
breve com o máximo de
informações possível..., e o
jovem repórter entrou em
ação novamente, com uma
tática de emergência...
(Esse relato será continuado
na próxima semana.)
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